Pomada com própolis vermelha é testada para cicatrização de queimaduras

Experimentos iniciais em células e animais mostraram que pomada orgânica à base de própolis vermelha pode acelerar processo de cura, fechando feridas de forma rápida
Uma pomada feita a partir da própolis vermelha pode representar um avanço na cicatrização rápida de queimaduras. Um estudo da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP desenvolveu e testou o produto em cultura de células e animais. Os resultados mostraram que graças aos componentes químicos do princípio ativo, a formulação tem potencial para auxiliar vítimas dessas lesões.
A própolis vermelha é um produto típico do Nordeste brasileiro. Neste caso, a utilizada para a pomada tem como origem a cidade de Maceió, capital de Alagoas. A substância é produzida por abelhas (Apis mellifera) que retiram resina vermelha da planta nativa rabo-de-bugio.
Lauriene Luiza de Souza Munhoz, biomédica e autora do trabalho, explica que existem outras própolis no mercado, que são usuais nas práticas do campo da saúde, mas revela que o estudo foi pioneiro na aplicação desta em específico para produtos de pele.
A pesquisadora aponta, em entrevista ao Jornal da USP, que as queimaduras possuem um tratamento difícil e pouco eficaz, e, em geral, apresentam alguma inconstância na cicatrização. Sua ideia era criar um produto inovador e natural que tivesse a capacidade de curar cicatrizes complexas.
“Os produtos disponíveis na área da saúde ainda não garantem uma cicatrização completa, em geral, deixam alguma irregularidade. A ideia era trazer um produto não só inovador, mas que seja eficaz”, completa Lauriene.

Lauriene Luiza de Souza Munhoz – Foto: Arquivo pessoal
Formulação da pomada
A composição química da própolis vermelha contribui para uma cicatrização mais acelerada. A alta concentração de compostos fenólicos, flavonoides e outros bioativos com propriedades antioxidantes, antimicrobianas e anti-inflamatórias permitem auxiliar as células a se proliferarem e assimilarem melhor o processo de fechamento da ferida.
Assim, o potencial da própolis vermelha em ser um ator eficaz na cicatrização já era esperado, explica Daniele dos Santos Martins, professora da FZEA e orientadora da pesquisa.
Além do produto, foi utilizado como veículo – material base, onde é diluído o princípio ativo – o emulsificante Olivem 1000, uma substância orgânica comercializada, criada a partir do óleo de oliva.
Os pesquisadores optaram por um produto que não influenciasse as respostas do princípio ativo. Entretanto, usar um item comercial serviu como garantia do funcionamento da própolis vermelha, que foi incorporada ao veículo. “Os resultados que encontramos realmente são da própolis. Nós nos certificamos que foi a própolis quem teve esses achados e não tem a ver com o veículo usado”, garante a professora.

Daniele dos Santos Martins – Foto: Arquivo pessoal
Em relação a outros produtos já disponíveis no mercado, a biomédica aponta vantagens como a cicatrização acelerada e a formulação natural da pomada com própolis vermelha. Segundo ela, essa composição diminui os riscos de alergias.
Daniele destaca também que outros fatores são contemplados. Por exemplo, se em um eventual uso por animais, eles lamberem, ou ainda, se crianças por acidente levarem o produto à boca, não haverá graves problemas.
Avaliações
Para avaliar a queimadura no modo experimental, somente a lesão de 2º grau – quando a derme e a epiderme são atingidas – foi testada. Segundo as pesquisadoras, primeiro foram realizados testes in vitro e posteriormente in vivo, em ratos Wistar. Nos testes da pomada em si, foram realizadas análises físico-químicas e bacteriológicas.
A legislação exige testes acelerados de 90 dias em que os pesquisadores devem deixar o produtos sob estresse térmico e estresse mecânico. Esses testes simulam o tempo de estocagem e transporte, além de temperaturas altas e baixas, ajudando a entender a durabilidade do produto e como ele vai se comportar no dia a dia.
A partir dessa etapa, pode-se comprovar que a formulação é estável, por não ter mudado seu PH e cor, não ter tido separação de fase e não ter perdido a viscosidade. “Ela [a pomada] se manteve dentro dos parâmetros iniciais durante esse período, entre esses estresses que a gente submeteu à formulação”, explica Lauriene.
Durante os experimentos in vitro, foram realizados testes que demonstraram o potencial de cicatrização da própolis por meio da migração e proliferação celular, resultando na contração e redução do espaço entre as bordas da área lesada. Após o sucesso nessa etapa, os pesquisadores passaram a realizar os testes in vivo, em que faziam a comparação em animais do grupo de controle – sem tratamento nenhum – e em outro grupo com a formulação da pomada.
No grupo controle, os resultados foram negativos, enquanto o grupo com a própolis vermelha obteve resultados positivos em relação ao tempo de cura e uniformidade na cicatrização, comprovando a eficácia do princípio ativo.
“Nossos resultados mostram que a pomada formulada propiciou a melhor cicatrização, mantendo a borda da ferida regular”, explica a professora. Segundo ela, além de a pomada ser eficiente, também deixa a cicatriz com um aspecto visualmente agradável.
Daniele acredita que isso seja um ganho principalmente para o estado mental de vítimas com queimaduras visíveis. “Muitos pacientes têm que fazer um acompanhamento psicológico, porque, dependendo de onde a queimadura fica, a pessoa não quer mostrar, opta por cobrir. Conseguir um produto que deixa uma cicatriz de queimadura mais homogênea evitaria esse constrangimento.”
Em relação ao uso em queimaduras, os pesquisadores entendem que os testes já apontam para a eficácia da formulação. Segundo a professora, novos testes foram iniciados com a incorporação da pomada a um biomaterial contendo células-tronco para compreender se os seus resultados também se aplicam em outros tipos de cicatrização.

Influência do sexo
A pomada se mostrou eficaz para machos e fêmeas, mas diferenças no tempo e organização da cicatrização foram observados. Os pesquisadores deram preferência em mesclar o sexo dos roedores durantes os testes, o que demonstrou a diferença na ação em cada um dos organismos.
Segundo a professora, a literatura já fazia alguns apontamentos sobre essa tendência que está relacionada, possivelmente, aos hormônios. Porém a comprovação foi inesperada para os avaliadores dos testes.
A biomédica explica que a cicatrização em machos é mais rápida, porém nas fêmeas, mesmo que mais lenta, as células migram mais corretamente, formando um tecido mais bem organizado. “No macho, o processo foi um pouco mais rápido, mas a estrutura da pele não ficou tão bem organizada quanto a da fêmea”, completa .
O artigo Red propolis cream and its therapeutic potential for skin lesions caused by burns está disponível on-line e pode ser lido aqui.
Mais informações: lauremunhoz@usp.br, com Lauriene Luiza de Souza Munhoz, e daniele@usp.br, com Daniele dos Santos Martins
*Estagiária sob orientação de Tabita Said
**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado