Pesquisa revela que somente 1,3% da Caatinga é integralmente protegida
Um estudo que mapeou Unidades de Conservação (UCs) na Caatinga revelou que apenas 1,3% da área que corresponde ao bioma está protegida por UCs de proteção integral. Além disso, o trabalho destacou que, mesmo somando as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), o percentual de território protegido não chega a 8%. A Caatinga é um bioma com características singulares, de clima semiárido em uma região tropical e serve de abrigo para uma biodiversidade excepcional considerada exclusiva do Brasil.
A pesquisa é resultado da monografia do pesquisador Lucas Teixeira, realizada durante a conclusão do curso de graduação em Ciências Ambientais, na Universidade Federal do Ceará (UFC), com aprofundamentos posteriores durante o curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema), sob a orientação do professor Marcelo Moro. A publicação referente ao estudo será divulgada, neste mês de novembro de 2021, na revista científica Acta Botanica Brasilica.
Os resultados apresentados mostram que apenas uma pequena proporção das áreas de Caatinga está legalmente protegida. O estudo também chama atenção para o percentual insignificante de UCs de Proteção Integral em algumas ecorregiões. Contudo, a pesquisa também indica um pequeno aumento na quantidade de UCs na Caatinga.
“O trabalho sugere que a presença de grandes Unidades de Conservação com graus de conservação de pouca eficiência podem induzir a uma ideia equivocada quanto à proteção da biodiversidade dessas áreas. Além disso, a pesquisa ressalta que a existência de UCs é assimétrica nas diferentes ecorregiões estudadas”, explica Teixeira.
O pesquisador também aponta o fato de que Biomas como a Amazônia, a Mata Atlântica e o Pantanal recebem maior notoriedade pública e científica por serem Patrimônios Naturais Nacionais e por apresentarem grande quantidade de recursos naturais disponíveis.
Teixeira destaca que apesar de o Brasil apresentar uma boa legislação com relação a implementação de áreas protegidas, há algumas falhas principais, desde a implementação à fiscalização dessas áreas. “Para a Caatinga soma-se outros fatores, como a falta de informação científica, o desinteresse político e da administração pública na implementação de área protegidas na região e a falsa visão que essas leis são vilões da sociedade e da economia. É de suma importância os setores sociais e a administração pública compreenderem que, para se desenvolver de forma sustentável, a conservação da natureza é uma das principais ações a serem executadas.”
O avanço de eventos climáticos extremos, perda de habitats e aumento dos núcleos de desertificação são sinais de que o Bioma Caatinga urge por ações de conservação. Quanto a isso, o pesquisador alerta que é importante pensar em uma perspectiva macro, já que os biomas são interligados.
De acordo com o professor Marcelo Moro, as informações levantadas por essa pesquisa são preocupantes com relação à conservação, já que um dos grandes problemas que o Planeta vem enfrentando é a perda de cobertura vegetal de quase todos os biomas. Moro destaca que a Caatinga é uma vegetação muito ameaçada, com perda de mais da metade de sua área de cobertura original. Além disso, nem todas as áreas dessa parte que sobrou estão protegidas ou em bom estado de conservação.
A análise levou em consideração toda a área do Semiárido brasileiro, correspondente ao Nordeste e parte do norte do Estado de Minas Gerais, sendo delimitado pelas oito ecorregiões da Caatinga: Complexo de Campo Maior, Complexo Ibiapaba-Araripe, Depressão Sertaneja Setentrional, Planalto da Borborema, Depressão Sertaneja Meridional, Dunas do São Francisco, Complexo da Chapada Diamantina e Raso da Catarina. Os dados foram avaliados dentro do contexto de inserção dessas unidades legalmente protegidas nas últimas oito décadas.
Com o auxílio de arquivos disponíveis na base de dados oficial do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de ferramentas de geoprocessamento, foram calculadas as áreas das Unidades de Conservação incluídas no mosaico de ecorregiões e registradas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação. Além disso, as UCs foram classificadas em quatro grupos correspondentes ao grau de proteção que oferecem: Proteção Integral (PI), Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), Uso Sustentável (US) e Áreas de Proteção Ambiental (APA).
Metas de Aichi
No ano de 2010, durante a 10ª Conferência das Partes na Convenção da Diversidade Biológica, realizada em Nagoya, na Província de Aichi, Japão, foram estabelecidas metas que objetivavam o comprometimento dos países em conservar pelo menos 17% de cada bioma existente na Terra, sendo o Brasil o único responsável pela conservação da Caatinga, já que os domínios do bioma se restringe ao País.
“Esse compromisso com as metas de Aichi não foi cumprido pelo Brasil. “Infelizmente, esse estudo mostra que chegamos apenas a pouco mais de 8% e isso só é possível por causa da existência de APAs extensas, como a da Ibiapada e do Araripe, que, apesar de serem grandes, não possuem um alto grau de proteção da biodiversidade existente. Excluindo essas áreas, temos um quadro realmente desanimador“, ressalta Moro.
RPPNs, um ato voluntário de conservação
Caracterizada por ser uma categoria de Unidade de Conservação de domínio privado, cujo objetivo é conservar a biodiversidade, as RPPNs possibilitam a participação da iniciativa privada no esforço para a conservação dos biomas brasileiros.
De acordo com Samuel Portela, coordenador de áreas protegidas da Associação Caatinga, Organização Não Governamental sem fins lucrativos que há 23 anos lida com ações de conservação do bioma, atualmente existem 41 RPPNs no Ceará. “Embora todo o território do Estado do Ceará esteja dentro do domínio do bioma Caatinga, essas RPPNs estão distribuídas em diferentes fitofisionomias nas áreas de litoral (3), serras com mata úmida (12) consideradas manchas de Mata Atlântica e sertão (26),” explica.
Portela detalha que as RPPNs são criadas a partir do ato voluntário de um particular, mas que trazem benefícios para toda a sociedade, ao contribuírem para a manutenção dos serviços ecossistêmicos em todos os biomas do Brasil. Das 41 RPPNs existentes no Ceará, a Associação Caatinga ajudou a criar 26 e, no geral, já apoiou 31 delas, seja com criação ou na gestão. Além disso, a organização administra a Reserva Natural Serra das Almas, RPPN situada na divisa entre o Ceará e o Piauí, considerada um dos maiores redutos de Caatinga preservada dos dois Estados.
Para a criação das RPPNs é necessário que a área tenha um mínimo de relevância ambiental, não havendo tamanho mínimo ou máximo, mas que apresente por exemplo: vegetação nativa preservada, uma certa variedade de fauna nativa e beleza cênica. Um outro ponto muito importante é que a documentação exigida pelos órgãos competentes esteja em dia. A área tem que estará regularizada e no nome do proprietário, não pode estar envolvida em questões judiciais ou em processo de partilha.