Periquitos, maracanãs e papagaios buscam alimento em árvores nativas

Pesquisa usa registros fotográficos para mapear a dieta de psitacídeos; 83 itens alimentares foram registrados na Cidade Universitária, a maioria deles de origem arbórea
Se ouvir alguém dizer que viu uma revoada de papagaios pela Universidade de São Paulo, não duvide. A transformação na paisagem da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira (Cuaso), no Butantã, faz parte da adaptação a ambientes urbanizados de algumas espécies de psitacídeos — família à qual papagaios, maracanãs e periquitos pertencem. Intrigados pelo modo como essas aves têm se adaptado à cidade, pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da USP quantificaram a dieta das espécies que habitam o campus.
Indo a campo, a equipe registrou 2.929 eventos de alimentação que envolveram 83 alimentos. A comida de escolha, quase sempre, vinha de plantas — 79 espécies distintas, em sua maioria arbóreas. Três espécies de psitacídeos foram as responsáveis por 97% desses casos: Brotogeris tirica (periquito-verde), Diopsittaca nobilis (maracanã-nobre ou arara-d’ombros-vermelhos) e Amazona aestiva (papagaio-verdadeiro). Com exceção do periquito-verde, que consumiu de forma equilibrada frutos, sementes e néctar, as outras concentraram sua dieta em sementes.
“Tendo alimento e o local para fazer ninho, eles vão prosperar. E é o que a gente nota aqui”, diz o professor José Carlos Motta Junior, do Departamento de Ecologia do IB, em entrevista ao Jornal da USP. O primeiro autor do artigo explica que, embora os psitacídeos do campus já tenham sido amplamente documentados, o número atual de avistamentos chama a atenção. “Há cerca de dez ou 15 anos, não se via a quantidade de papagaios que observamos hoje.”
O aumento de psitacídeos na região acompanha um cenário singular: ainda que inserida na área urbana, a Cuaso se destaca por sua cobertura arbórea extensa, composta tanto de espécies nativas quanto exóticas. Os dados refletem essa relação: 59,5% das plantas consumidas pelas aves eram nativas (67,7% do total de eventos de alimentação) — o que sugere a importância das espécies regionais na arborização urbana.
A perda da vegetação nativa, a introdução de plantas exóticas e as mudanças no microclima afetam diretamente a ocorrência das aves em ambientes urbanos. Motta Junior ressalta que, por outro lado, o consumo das exóticas indica a plasticidade adaptativa dos psitacídeos, ou seja, a capacidade do sistema biológico de modificar seu comportamento em resposta a mudanças ambientais. Um exemplo é a sazonalidade na dieta das aves, que passaram a consumir mais flores em períodos secos e menos em meses de precipitação intensa. Os resultados da pesquisa foram publicados na Revista do Instituto Florestal.
Pelas lentes dos binó…câmeras?!
Diferentemente da maioria dos estudos observacionais, a pesquisa se baseou em registros fotográficos para identificar as espécies e os alimentos consumidos. Segundo Motta Junior, a técnica garantiu o rigor necessário para o trabalho. “A gente só considerou documentado o que tem fotografia ou vídeo.”
Mesmo a observação visual com binóculos ou lunetas sendo consolidada, o professor aponta limitações no método: o pesquisador precisa interpretar, em uma fração de segundo, o que a ave está consumindo, o que pode levar a conclusões imprecisas. “Por exemplo, algumas vezes a gente via eles pegando a flor e achava que era para obter o néctar na base. Mas, quando você amplia mais a foto, vê que, na verdade, ele está comendo o pólen, não o néctar”, complementa.
No laboratório, cada registro pode ser reexaminado com calma. “Numa tela de alta resolução você amplia a imagem, analisa com cuidado e pode ter uma percepção completamente diferente daquela que teve no campo”, conta o pesquisador. Ele destaca que o método fotográfico não foi criado pela equipe, mas espera que o estudo encoraje outros a adotá-lo.


Nas fotos, uma maracanã-pequena come um fruto maduro do araçá-roxo; um periquito-rico se alimenta da polpa de fruto do jerivá e um papagaio-verdadeiro é flagrado predando sementes ainda verdes de um ipê-amarelo – Fotos: José Carlos Motta Junior/Cedida pelo pesquisador
Mudanças entre aves e plantas
O estudo da dieta dos psitacídeos é a etapa inicial de uma sequência de pesquisas planejadas por Motta Junior. A equipe ainda pretende investigar a relação ecológica entre as aves e as plantas. “Tradicionalmente, na literatura, o conhecimento científico é ‘psitacídeos são negativos para as plantas’, porque eles predam a semente”, afirma. “E, de fato, a maior parte dos registros mostra esses animais destruindo sementes ou flores, o que impossibilita a dispersão e polinização.”
Nos últimos anos, no entanto, a visão sobre a atuação dos psitacídeos começou a mudar: “Cada vez mais se descobrem casos, ainda que em menor número, de dispersão de sementes e até de polinização realizadas por essas aves”.
Além disso, o maior consumo de plantas nativas, o uso expressivo das exóticas e a adaptação das aves a esses novos alimentos também têm despertado o interesse do pesquisador. “Essa é uma informação importante para quem planeja a arborização das cidades. É o tipo de dado que pode ser útil para eles planejarem futuramente que tipo de planta plantar”, diz o professor.
O artigo Diet Of Parrots In An Urban Area Of São Paulo, Southeast Brazil pode ser acessado neste link.
Mais informações: mottajr@ib.usp.br, com José Carlos Motta Junior
Estagiária sob orientação de Luiza Caires