Pandemia alterou temporariamente o formato do bico de pássaros em Los Angeles (EUA), aponta estudo
Há cerca de duas décadas, o junco-de-olhos-escuros, um pardal que habita florestas, começou a colonizar áreas urbanas de Los Angeles. As aves se mostraram notavelmente bem-sucedidas na cidade, sentindo-se em casa no movimentado campus da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA).
Elas também divergiram rapidamente de seus congêneres selvagens, adotando comportamentos reprodutivos distintos e exibindo características físicas diferentes, incluindo asas mais curtas. Os juníperos urbanos também desenvolveram bicos mais curtos e grossos, uma mudança que pode ter sido impulsionada por uma alteração na dieta.
Mas, quando o campus da UCLA fechou durante a pandemia, algo notável aconteceu: os bicos dos juníperos nascidos no campus voltaram ao formato original, típico das populações selvagens. Vários anos depois, após o fim das restrições relacionadas à pandemia, o formato característico do bico urbano retornou, relataram pesquisadores em um novo estudo divulgado na segunda-feira.
Para os ecologistas, a pandemia da Covid-19 representou um experimento natural singular, uma oportunidade de observar como os animais selvagens reagiram quando os humanos permaneceram em casa em massa. Durante o período que ficou conhecido como “antropausa”, pumas se aproximaram das cidades, tartarugas marinhas se aventuraram mais perto da costa e pássaros reduziram o volume de seus cantos, segundo descobriram os cientistas.
Mas o novo estudo, publicado nos Anais da Academia Nacional de Ciências (Proceedings of the National Academy of Sciences), é o primeiro a documentar uma mudança na forma física de uma população de animais selvagens. “Ficamos realmente chocados”, disse Pamela Yeh, bióloga evolucionista da UCLA e uma das autoras do estudo.
Ela acrescentou que as descobertas ressaltam o quão “profundamente inseridos” os humanos estão nos ecossistemas naturais e a rapidez com que nossas ações podem remodelar outras espécies. “Acho importante sabermos quais são os nossos efeitos e quão drásticos eles podem ser.”
Em seus habitats naturais, nas florestas, os juníperos-de-olhos-escuros sobrevivem principalmente de sementes e insetos. Já as aves que vivem no campus da UCLA passaram a ter dietas mais próximas às de um estudante universitário comum. “Coisas como biscoitos, pão”, disse Ellie Diamant, ecologista e bióloga evolucionista do Bard College e coautora do estudo. “Os estudantes da UCLA parecem gostar de pizza.” A Dra. Diamant, que começou a estudar as aves quando era aluna no laboratório da Dra. Yeh, contou que certa vez um filhote de junípero regurgitou um pedaço de pão em sua mão.
As restrições da Covid-19, no entanto, limitaram drasticamente a atividade humana no campus durante a maior parte de 2020 e 2021. As aulas passaram a ser online, e refeitórios e restaurantes fecharam.
Foi então que os bicos das aves começaram a mudar. Os pesquisadores descobriram que houve um intervalo temporal no fenômeno. Os juníperos nascidos na primavera de 2020, logo após a entrada em vigor das primeiras restrições, ainda tinham os bicos típicos das aves urbanas. Mas aqueles nascidos em 2021 e 2022 apresentavam bicos mais longos e finos, mais característicos dos juníperos selvagens. O formato urbano do bico retornou nos filhotes nascidos em 2023 e 2024.
Os pesquisadores não podem afirmar com certeza o que causou a rápida mudança no formato do bico, mas suspeitam que tenha sido um caso de evolução adaptativa rápida. Quando o alimento humano se tornou escasso no campus, aves com bicos tradicionais, típicos de ambientes selvagens, podem ter tido mais chances de sobreviver com fontes naturais de alimento, como sementes, e maior probabilidade de se reproduzir no ano seguinte.
“Parece refletir realmente o ano anterior que antecedeu o evento de nidificação”, disse a Dra. Diamant. “Quem tem sucesso e quem não tem, e quais características eles estão transmitindo.”
Uma possibilidade alternativa é que a diminuição da atividade humana tenha feito com que juníperos selvagens, normalmente mais ariscos, se sentissem à vontade para se aventurar na cidade, levando a um maior cruzamento entre aves com diferentes tipos de bico. Mas os cientistas afirmaram não ter encontrado muitas evidências que sustentem essa teoria, considerada uma explicação menos provável.
Os pesquisadores ainda não sabem ao certo quais diferenças alimentares podem ter impulsionado o surgimento de um novo formato de bico urbano, e os juníperos que vivem na cidade podem estar se alimentando de sementes e insetos diferentes daqueles consumidos por seus congêneres selvagens. Ainda assim, o novo estudo sugere que a fácil disponibilidade de alimentos humanos pode ser um fator central em uma história evolutiva que continua em andamento.
“E não precisamos ir muito longe”, disse a Dra. Yeh. “Não precisamos ir à Antártida, às montanhas do Nepal ou às planícies da África. Podemos ir ao nosso quintal, ao jardim da frente ou ao campus da nossa escola e ver algo incrível acontecendo.”