Oceano subterrâneo de lua de Saturno pode abrigar vida, mostra estudo

Matéria orgânica deslocada da superfície pode sustentar vida em escala microscópica em Titã, a principal lua do planeta Saturno
Cientistas da Universidade do Arizona e de Harvard, nos Estados Unidos, sugerem que Titã, a maior lua de Saturno, pode ocultar um ambiente subterrâneo propício à vida. A superfície do satélite, repleta de rios e lagos de metano líquido, apresentou indícios que levantam a possibilidade da existência de micro-organismos abaixo de sua crosta. Os achados da pesquisa foram divulgados na última segunda-feira (7), em um artigo publicado na revista científica The Planetary Science Journal.
Titã é considerada a segunda maior lua do Sistema Solar. Ela se destaca não apenas por seu tamanho, mas também por sua atmosfera espessa, abundante em metano e outros compostos de hidrogênio e carbono. Além disso, sua superfície é coberta por uma crosta de gelo, enquanto seus lagos e rios compostos principalmente por metano e etano líquidos. As temperaturas são tão frias no satélite que a presença de água em estado líquido em sua superfície é algo impossível.
Apesar de todas essas características que podem soar inóspitas a um primeiro momento, Titã vem sendo muito estudada devido à descoberta de moléculas orgânicas complexas essenciais para a possibilidade de vida. A lua é, inclusive, considerada um dos ambientes mais promissores do Sistema Solar, pois sua atmosfera rica em nitrogênio se assemelha à da Terra. Além disso, é o único corpo celeste conhecido, além do planeta água, a possuir líquidos em sua superfície, na forma de rios, lagos e mares.
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Os cientistas, então, aprofundaram suas pesquisas sobre a possibilidade de vida em Titã, analisando onde ela poderia existir, como se desenvolveria e em que quantidade. Eles descobriram que o oceano subterrâneo da lua, com uma profundidade estimada de 480 quilômetros, poderia sustentar organismos que se alimentam de matéria orgânica. No entanto, não se alarme: essa vida seria microscópica, uma vez que o ambiente provavelmente suportaria apenas alguns quilos de biomassa no total.
Metodologia
Para essa análise, os pesquisadores utilizaram ferramentas de modelagem bioenergética, baseando-se no processo químico de fermentação. Essa reação foi escolhida por depender apenas de moléculas orgânicas, sem a necessidade de oxidantes como o oxigênio. Na Terra, inclusive, a vida pode ter surgido inicialmente consumindo moléculas orgânicas remanescentes da formação do planeta, sem oxigênio, um cenário que poderia se repetir no oceano subterrâneo de Titã.
“Nós perguntamos, micróbios semelhantes poderiam existir em Titã?” disse Antonin Affholder, um dos autores do artigo, em comunicado. “Se sim, qual o potencial do oceano subterrâneo de Titã para uma biosfera alimentando-se do inventário aparentemente vasto de moléculas orgânicas abióticas sintetizadas na atmosfera de Titã, acumulando-se em sua superfície e presentes no núcleo?”
Frente a essa pergunta, os pesquisadores se concentraram especificamente em uma molécula orgânica, a glicina. Considerada um dos aminoácidos mais simples, ela era relativamente abundante em qualquer tipo de matéria primordial no sistema solar, sendo possível encontrá-la em uma série de corpos celestes, como asteroides e cometas.
Simulações computacionais indicaram que, embora a matéria orgânica presente em Titã possa servir de alimento para micróbios, apenas uma parte dela seria realmente utilizável para esse propósito. Isso ocorre porque os microrganismos que consumiriam glicina no oceano subterrâneo da lua dependeriam de um fornecimento contínuo desse aminoácido — impossibilitado pela superfície coberta de gelo.
Esse suprimento limitado estaria relacionado ao impacto de meteoritos, que ao colidirem com o gelo, poderiam gerar “poças derretidas” de água líquida. Essas poças, ao se infiltrarem no gelo, transportariam materiais da superfície até o oceano subterrâneo. “Nosso novo estudo mostra que esse suprimento pode ser suficiente apenas para sustentar uma população muito pequena de micróbios, pesando no máximo alguns quilos – o equivalente à massa de um cachorro pequeno”, disse Affholder.
Explorações futuras
Titã é o principal alvo da missão do helicóptero Dragonfly, da Nasa, que deve ser lançado em julho de 2028, com uma previsão de chegada apenas em 2034. O objetivo da agência é sobrevoar dezenas de locais promissores na lua, em busca de processos químicos prebióticos comuns em Titã e na Terra primitiva, antes do desenvolvimento da vida. Além disso, a missão, se bem sucedida, ficará na história como a primeira vez que a Nasa voará um veículo científico em um outro astro planetário.
A recente investigação fornece dados cruciais que devem direcionar as futuras análises acerca de Titã. A equipe pondera que, caso a vida exista nesse satélite, localizá-la pode ser tão desafiador quanto achar uma agulha no palheiro, a menos que o potencial biológico de Titã resida em um local distinto de sua composição orgânica superficial. “Concluímos que o inventário orgânico excepcionalmente rico de Titã pode não estar disponível para desempenhar o papel na habitabilidade da lua na medida em que se poderia intuitivamente pensar”, disse Affholder.