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O rastro dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente

O rastro dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente

Cenário reforça a urgência de políticas públicas que enfrentem o problema desde a base

A Organização Mundial da Saúde (OMS) acaba de classificar dois agrotóxicos usados em larga escala no Brasil, a atrazina e o alaclor, como substâncias cancerígenas. A notícia preocupa, afinal, desde 2022 o Brasil é líder mundial no consumo de produtos que o restante do mundo desenvolvido proíbe em nome da saúde humana.

Depois de muita luta das organizações e dos movimentos sociais, 2025 foi marcado por uma importante vitória: o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) foi instituído por decreto presidencial em junho. Esse avanço, no entanto, corre risco de ser suspenso por um projeto em tramitação na Câmara dos Deputados.

O panorama do país é preocupante, principalmente quando levamos em conta que os agrotóxicos são responsáveis por mais de 300 mil mortes anuais em todo o mundo, como estimado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

As pesquisas científicas já identificaram que a exposição aos agrotóxicos, seja no ambiente de trabalho ou no cotidiano das comunidades rurais, é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas que afetam diversos sistemas do corpo humano. Desde o câncer ao Alzheimer, dos problemas respiratórios aos renais, da má formação gestacional a doenças da tireoide.

Os efeitos nocivos dos agrotóxicos são concretos, estão registrados Brasil e mundo afora.  Essa vulnerabilidade se estende não apenas aos trabalhadores rurais, mas também a comunidades situadas próximo às lavouras e aos consumidores de alimentos contaminados.

Casos evidenciam contaminação

Até mesmo aqui no estado do Rio de Janeiro, amplamente urbanizado, temos a poucos quilômetros da capital, casos que evidenciam tanto a persistência da contaminação no meio ambiente quanto os riscos enfrentados por quem vive e trabalha no campo.

Em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, um estudo com crianças da Vila Cidade dos Meninos identificou disfunções na tireoide por conta da exposição crônica a pesticidas. A exposição ocorreu devido à presença de resquícios de uma fábrica de inseticidas que fechou em 1961, mais de 40 anos antes.

A substância permaneceu no ambiente e, em 2012, outra pesquisa registrou alterações nos níveis hormonais da tireoide em crianças com menos de 15 anos. As formas mais prováveis de exposição foram por ingestão de alimentos ou líquidos contaminados e, sobretudo, antes de nascerem, durante a formação gestacional.

Esse é um exemplo dos impactos dessa exposição contínua aos agrotóxicos, mesmo em uma comunidade que não trabalhava com a agricultura e vindos de um local que já havia sido desativado há décadas.

Os agrotóxicos não fazem mal apenas ao corpo humano, mas também à natureza. Eles se acumulam no ambiente e desequilibram ecossistemas inteiros, atingindo o solo, contaminando a água, o ar e as plantas. Eles reduzem populações de polinizadores como as abelhas e favorecem a resistência e o surgimento de pragas.

A pesquisa “Por trás do alimento” também analisou agrotóxico presentes na água consumida em 50 municípios do nosso estado, identificando quantidade de agrotóxicos na água de consumo acima do limite permitido pela legislação brasileira em municípios como Campos do Goytacazes, Petrópolis e Trajano de Moraes

Esse cenário reforça a urgência de políticas públicas que enfrentem o problema desde a base.  Precisamos revisar nossos modelos produtivos, fortalecer a agroecologia, ampliar as pesquisas, proteger os trabalhadores e, sobretudo, lutar para que substâncias já proibidas no mundo inteiro deixem de ser permitidas aqui.

É exatamente nessa direção que avançamos no estado: a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou uma campanha permanente de conscientização sobre as doenças causadas pelo uso de agrotóxicos, a ser aplicada prioritariamente em escolas e unidades de saúde nas áreas rurais, uma ação que fortalece a vigilância, amplia o acesso ao conhecimento e contribui para reduzir riscos onde eles são mais altos.

Ainda que a passos tímidos, estamos construindo caminhos para virar o jogo, desafiando a lógica da contaminação e colocando a saúde e a preservação ambiental no centro das decisões. É um convite à reflexão: como será o futuro de quem vive no campo, do nosso solo, da nossa água e da nossa biodiversidade?

*Marina do MST é deputada estadual pelo PT do Rio de Janeiro.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

***Artigo publicado originalmente na edição 380 do jornal Brasil de Fato RJ.