O que o aumento de gás carbônico na Amazônia significa para populações da região e do mundo

Previsão é que concentração de CO₂ na floresta seja 50% maior daqui a 35 anos. Cientistas da Unicamp e do Inpa construíram ‘máquina do tempo’ para entender impactos de mudanças climáticas na região.
O que o aumento de gás carbônico (CO₂) na atmosfera, provocado pelas mudanças climáticas, significa para as populações da região Amazônica e do mundo? Para cientistas, essas implicações são um problema do presente – e é preciso, cada vez mais, pensar em estratégias para mitigar os impactos.
A previsão é que, por conta da ação humana, a concentração de CO₂ no ar da floresta daqui a 35 anos seja 50% maior do que é hoje, mas pesquisadores da Unicamp garantem: as pessoas que fazem parte do ecossistema da Amazônia já têm feito adaptações por conta das mudanças climáticas.
Essa análise dos impactos socioambientais das mudanças climáticas previstas para acontecer até 2060 é uma das principais frentes do experimento científico AmazonFACE. Para tornar a pesquisa possível, os cientistas construíram uma “máquina do tempo” no meio da floresta.
⏳ Durante pelo menos 10 anos, essa estrutura vai aumentar artificialmente a concentração de CO₂ no ar em áreas delimitadas. Além da estrutura em si, uma equipe do projeto vai avaliar, no mesmo período, como as populações que dependem da floresta respondem às alterações do clima.
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Área metropolitana de Manaus — Foto: João M. Rosa/AmazonFACE
Impactos na prática
A área socioambiental do experimento é coordenada por pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP). Para essa equipe, há três perguntas centrais que devem ser respondidas pelo projeto na próxima década:
- Como as mudanças na floresta causadas pelo aumento de CO₂ impactam os sistemas socioecológicos na Amazônia?
- Como as populações humanas da Amazônia podem se adaptar às mudanças na floresta causadas pelo aumento de CO₂ e pelas mudanças climáticas?
- Como o experimento AmazonFACE está impactando, coproduzindo e influenciando políticas públicas?
Para referência, a área delimitada para o estudo possui cerca de 400 espécies de árvores; desse total, cerca de 240 têm registro de uso pelos seres humanos, seja como alimento, matéria-prima ou medicinal.
“Se a gente, com o experimento, consegue entender como essa elevação do CO₂ vai afetar essas espécies, a gente pode começar a pensar em mecanismos a longo prazo para auxiliar as populações que usam essa espécie para criarem mecanismos de adaptação”, explica Maíra Padgurschi, bióloga e pesquisadora de ecologia e sustentabilidade à frente desse componente do projeto.
🌎 Como as mudanças climáticas interferem na prática? Imagine uma espécie de árvore que dê um fruto comestível. Com o tempo, esse fruto passa a ser produzido em menor quantidade ou em épocas diferentes, prejudicando quem tem esse produto como fonte de renda, por exemplo.
Já em um possível cenário de seca, a consequência pode ser o isolamento de populações. “O meio de locomoção na Amazônia é via rio. Se está muito seco, ou nem vai passar o barco, ou já não passa um barco grande. Menos pessoas, menos mantimento, e as pessoas vão ficando isoladas”.
“Esse conhecimento cultural de determinada área para a extração de um fruto, de uma casca de árvore para fins medicinais, pode ajudar nessa resiliência das pessoas, porque o acesso, eventualmente, ao médico, ao posto, vai ficar mais restrito. Já é uma questão complicada, mas ele vai ficar mais restrito ainda por questões hídricas”, explica a pesquisadora.
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Maíra Padgurschi em uma das torres do experimento AmazonFACE, na Amazônia — Foto: Maíra Padgurschi/AmazonFACE
Risco à cultura
Há, ainda, uma preocupação no aspecto cultural. Isso porque o aumento de CO₂ na atmosfera pode trazer impactos negativos para espécies que têm usos milenares, por meio de um conhecimento sobre a floresta passado de geração em geração.
“Se a gente perde essa espécie, se a gente acaba não usando mais essa espécie para o fim que foi intencionado, que foi gerado um conhecimento sobre, a gente também está perdendo um aspecto cultural”, destaca Padgurschi.
Além da ancestralidade, as espécies presentes na Amazônia também se destacam pelo potencial para serem utilizadas pelas indústrias farmacêutica e alimentícia. “Podemos trabalhar com a realidade que temos ali, e temos instrumentos institucionais no Brasil para isso, mas são necessárias políticas públicas e de fomentação”.
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Experimento AmazonFACE é realizado a cerca de 80 km de Manaus, em meio à floresta Amazônica — Foto: João M. Rosa/AmazonFACE
E depois?
A previsão é que o experimento científico comece em maio de 2025. Um dos objetivos é que os dados obtidos na próxima década ajudem a nortear políticas públicas pensadas justamente para quem depende direta ou indiretamente da floresta.
Para Carlos Alberto Quesada, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e um dos coordenadores do experimento, “entender como essas florestas vão ser afetadas [pelo aumento de CO₂] significa entender como nós vamos ser afetados”.
“Isso pode ter impactos em diversos outros setores da humanidade, desde a produção de alimentos à geração de energia, transporte, migração de populações. Entra uma cascata de efeitos de impacto muito forte. A gente não tem capacidade de preparação porque a gente não tem capacidade de saber realmente o que vai acontecer”, complementa Quesada.
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Araras pousam em uma árvore numa área de floresta amazônica em Manaus, em 26 de outubro de 2022 — Foto: REUTERS/Bruno Kelly/File Photo
Investimento milionário
Em 2014, o AmazonFACE se tornou um programa oficial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sob a execução do Inpa. Desde então, o governo brasileiro investiu R$ 32 milhões na iniciativa, enquanto o Reino Unido liberou o aporte de 7,3 milhões de libras (R$ 45 milhões).
Um artigo publicado pela equipe AmazonFACE em 2018 estimou que, caso a floresta entre em colapso ou atinja o ponto de inflexão, o dano socioeconômico ao longo de um período de 30 anos após esse momento crítico pode ficar entre U$ 957 bilhões e U$ 3,5 trilhões.
O experimento reúne aproximadamente 130 pessoas, incluindo pesquisadores, estudantes e cientistas sociais de cerca de 40 instituições. Essa é a primeira vez que uma tecnologia FACE (acrônimo para free air CO₂ enrichment, em inglês, ou enriquecimento de CO₂ ao ar livre) é usada em uma floresta tropical.
➡️ Em linhas gerais, a estrutura foi montada para analisar seis componentes:
- os fluxos e armazenamento de carbono;
- a ciclagem dos nutrientes dentro dos anéis;
- o fluxo de umidade da floresta para a atmosfera;
- a resposta de animais e plantas;
- os impactos socioeconômicos para populações da região Amazônica e do mundo;
- e modelos computacionais para formulação de hipóteses e projeções.
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Experimento AmazonFACE é liderado por cientistas da Unicamp, do Inpa e governo britânico — Foto: Maria Clara Ferreira Guimarães/AmazonFACE