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O lado sujo do futebol: relatório investiga como esporte contribui para crise climática

O lado sujo do futebol: relatório investiga como esporte contribui para crise climática

Documento revela que a pegada de carbono do futebol equivale às emissões anuais da Áustria, com patrocínios de alto carbono sendo a principal fonte

O futebol, paixão mundial que mobiliza bilhões de torcedores e movimenta fortunas, também tem um impacto ambiental alarmante. O novo relatório Dirty Tackle – the growing carbon footprint of football (em português, Dirty Tackle – a crescente pegada de carbono do futebol), elaborado pela Scientists for Global Responsibility e o New Weather Institute, estimou que a pegada de carbono do esporte é de aproximadamente 64 a 66 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e), volume semelhante às emissões anuais de gases de efeito estufa da Áustria.

São várias as fontes de emissões, como uso de energia do estádio, construção e renovação, mercadorias e viagens de torcedores e times para as partidas, mas a principal são os acordos de patrocínio com corporações de alto carbono – são responsáveis por cerca de 75% do total, afirmam os pesquisadores.

Em artigo, os autores do documento Stuart Parkinson e Andrew Simms explicaram que corporações de alto carbono usam acordos de patrocínio com esportes e outras atividades culturais para promover sua marca e, crucialmente, aumentar as vendas de seus produtos poluentes.

“De muitas maneiras, a proeminência das emissões patrocinadas não é surpreendente. Nos últimos anos, times de futebol de elite – e, crucialmente, seus órgãos dirigentes – têm aumentado acordos lucrativos de patrocínio com setores de alto carbono, incluindo corporações de petróleo e gás, companhias aéreas, fabricantes de automóveis e redes de fast food”, eles escreveram.

E acrescentaram: “Todo esse financiamento de alto carbono despejado no futebol está ajudando a normalizar ainda mais comportamentos e estilos de vida que estão desestabilizando o sistema climático, ameaçando nossa sociedade e ecossistemas naturais. Esforços para coibir viagens aéreas, SUVs que consomem muita gasolina, consumo de produtos de origem animal e inúmeras outras atividades de alta poluição estão sendo prejudicadas por essa ‘colonização’ do espaço cultural”.

Viagens de fãs e construções de estádios

O estudo também analisou outras duas importantes fontes de emissões de gases de efeito estufa no futebol: viagens de torcedores para as partidas, especialmente de carro e avião; e construção de novos estádios, especialmente para grandes torneios. Os dados foram extraídos de relatórios de sustentabilidade de clubes e órgãos governamentais, artigos acadêmicos e outros relatórios de pesquisa.

Em relação às viagens da torcida, uma partida média em uma liga de elite doméstica masculina – como a Premier League inglesa – gera cerca de 1.700 tCO2e, sendo que metade disso se deve aos deslocamentos, principalmente de carro. Para uma partida internacional – por exemplo, na Liga dos Campeões da UEFA – isso aumenta em cerca de 50% devido a viagens aéreas, e ainda mais se for uma semifinal ou final.

No caso de uma partida na final da Copa do Mundo masculina, a projeção é de 44.000 tCO2e e 72.000 tCO2e – entre 26 vezes e 42 vezes o de um jogo de elite doméstico. As emissões de partidas da Copa do Mundo são equivalentes a entre 31.500 e 51.500 carros médios do Reino Unido dirigidos por um ano inteiro.

No quesito construção, o estudo cita como exemplo, a Copa do Mundo FIFA de 2022, quando sete novos estádios permanentes foram erguidos, com estimativas de que as emissões ligadas à sua construção totalizaram 1,6 milhão de toneladas de CO2.

Mudança de cenário

Jogadores e clubes de futebol sempre conviveram com sol e chuva, mas, nos últimos tempos, assim como o restante da humanidade, tem sofrido cada vez mais com climas extremos, muitas vezes resultando no cancelamento ou adiamento de partidas.

Mas mudar o cenário ainda é possível. Parkinson e Andrew Simms salientaram que o foco principal para a ação climática neste esporte deve ser uma rápida eliminação gradual de acordos de patrocínio com corporações de combustíveis fósseis, companhias aéreas e outras empresas altamente poluentes.

Outra prioridade é reduzir o número de partidas internacionais visando diminuir as viagens aéreas. E, hoje, são muitos deslocamentos. Por exemplo, a Liga dos Campeões da UEFA masculina terá 189 partidas nesta temporada, 64 a mais que na temporada anterior. A próxima Copa do Mundo, que será disputada no Canadá, nos Estados Unidos e no México, terá 104 partidas – ante 64 em 2022.

Os autores destacaram que algumas medidas estão sendo tomadas para mudar o cenário. Por exemplo, um grupo de mais de 100 jogadoras de futebol feminino pediu o fim do acordo de patrocínio da Aramco, a maior empresa de petróleo e gás do mundo, sediada na Arábia Saudita, com a FIFA. Já o clube alemão Bayern de Munique retirou a Qatar Airways como patrocinadora de camisas após protestos de fãs sobre preocupações com direitos humanos.

Além disso, alguns clubes e órgãos governamentais assinaram o Quadro de Esportes para Ação Climática da Organização das Nações Unidas (ONU), que inclui metas para reduzir as emissões pela metade até 2030 e atingir o net zero até 2040.

Há ainda times que são pioneiros em ações de baixo carbono. Um exemplo notável é Forest Green Rovers, da Inglaterra. Seu estádio é alimentado por energia 100% renovável, o campo é orgânico, cortado por um cortador de grama robótico movido a energia solar, e a água da chuva é reutilizada nas instalações do clube.

“Mas precisamos urgentemente de mais ambição, tanto para proteger a sociedade quanto o esporte em si. Dado o alcance cultural do futebol, uma ação forte neste setor pode mudar a conversa global sobre questões climáticas e ajudar a conter a crescente onda de desastres climáticos como o de Los Angeles”, completaram os autores do relatório.