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Novas gerações se mobilizam e cobram responsabilidade de todos em busca de um futuro melhor

Novas gerações se mobilizam e cobram responsabilidade de todos em busca de um futuro melhor

Mais conscientes que os adultos, crianças e adolescentes já sentem na pele efeitos dos extremos climáticos

Todo dia de aula, a Escola Municipal de Educação Fundamental Adolfina Diefenthaler, em Novo Hamburgo (RS), pesa todas as sobras dos pratos dos alunos. Em 2015, a escola reparou que 3,6 quilos de alimentos eram desperdiçados pelas crianças. Mas os professores sabiam que não era por mal. Os estudantes só precisavam ser educados. E assim o fizeram. Em pouco tempo, isso caiu para cerca de 300 gramas.

— A gente faz a pesagem do desperdício e bota o resultado num quadro no refeitório. Claro que tem dias que as sobras aumentam. É um trabalho contínuo. A gente identifica quem deixa sobras e começa o trabalho pedagógico com eles— diz Claudia Soares, professora da escola gaúcha.

Especialistas apontam que a educação escolar tem papel fundamental no ensino do consumo consciente. O tema está previsto na vida escolar em quatro momentos, segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que reúne as competências e habilidades que todo aluno precisa aprender, do 3º ano do ensino fundamental até o 3º do ensino médio.

Num desses momentos, os alunos precisam aprender a identificar como os anúncios publicitários estimulam o consumo desenfreado. Já quando os alunos estão mais velhos, a BNCC prevê que coloquem a mão na massa e, junto com os professores, criem projetos para encontrar soluções.

— A escola é um espaço propício. É possível mudarmos a maneira de ver e agir sobre o ambiente que está próximo de nós, desde que instrumentalizados com práticas adequadas de intervenção. — afirmou Leandra Amaral, doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) autora do artigo “Consumo consciente por meio da educação ambiental na escola”.

Escolas privadas também têm se empenhado em tratar do assunto. No Colégio Matriz Educação, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, os estudantes estão fazendo experiências na aula de biologia para descobrirem modos de produção sem a necessidade de testar em animais. Já na Escola Sá Pereira, em Santa Maria (RS), os alunos estão montando um sistema de coleta seletiva que será expandido para o entorno.

Um relatório de 2022 da First Insight em parceria com a Universidade da Pensilvânia aponta que, nos EUA, a Geração Z , com nascidos de 1997 a 2012, está profundamente comprometida em fazer escolhas que se alinham com seus valores, colocando a saúde do planeta em primeiro lugar, com redução do consumo.

Atualmente, esse grupo já tem entre 12 e 27 anos e, quanto mais o tempo passa, mais membros dessa geração se tornam adultos e sua voz coletiva se torna uma força ainda maior no mundo. De acordo com a First Insight, o Bank of America prevê que até 2031 a renda da Geração Z ultrapassará a de sua próxima geração mais velha, a Geração Y, e eles se tornarão “a geração mais disruptiva de todos os tempos”.

Nativos digitais

No Brasil, a geração Z já é 20% da população, e há indícios de que guarde semelhanças com seus contemporâneos americanos. Uma característica marcante, apontam especialistas, é que são 100% nativos digitais, identificando papel importante nas redes sociais.

— No geral, a minha geração é mais preocupada com as questões socioambientais do que a dos meus pais e muito mais do que a dos meus avós, porque a gente está vendo o que antes era estatística acontecer, vivemos em cores as consequências da crise climática — afirma Ursula Abiahy, de 24 anos, educomunicadora ambiental e autora do projeto Pedagogia Sustentável.

Celso Honda, por exemplo, já sente sinais de ecoansiedade — a angústia de que o mundo está em risco e que a própria pessoa e seus parentes não terão um lugar saudável para viver. Ele tem 14 anos. Morador de Brasília, Honda cobra da família escolhas sustentáveis. Há três anos, fez a mãe comprar uma mochila mais cara porque carregava muito peso e estava vendo que as mais baratas quebravam com facilidade. Está feliz da vida até hoje usando a mesma.

— Tem muita coisa para se pensar antes de comprar. Primeiro, preciso mesmo daquilo? Depois, preciso comprar algo novo ou posso utilizar o que eu já tenho? O objeto é feito com material ambientalmente correto? Foi produzido com mão de obra escrava? A fabricante tem compromisso ambiental? Ele tem mais durabilidade? Senão, não vale a pena comprar — enumera o adolescente.

A bióloga e comunicadora Camila Rodrigues, de 24 anos, tem se dedicado nas redes a produzir conteúdo sobre os enormes desafios climáticos e conta que muitas crianças e adolescentes a procuram com sintomas de ecoansiedade.

— O principal fator para ter essa conscientização agora foi o acesso às redes sociais, que fornecem mais informações — afirma. — Quando eu estava na escola, a crise climática ainda não era tratada com a urgência necessária.

Influência das redes sociais

Apesar de mais conscientes, crianças, adolescentes e jovens adultos são bombardeados por ofertas de produtos nas redes sociais. O espaço se potencializa por apresentar a propaganda direcionada a cada consumidor específico, sabendo exatamente o gosto de cada um e mirando no ponto fraco.

Valen Serikawa, de 23 anos, está com as unhas curtíssimas, roídas para que desconte a vontade de consumir. No começo de 2023, a influenciadora digital, que produz conteúdo sobre produtos de beleza, gastou mais do que devia e passou seis meses sem comprar. Agora, busca um equilíbrio.

— Recebia caixas todos os dias na minha casa. Eram encomendas que eu fazia, e aquilo parecia ser a minha razão para trabalhar. Quando consegui parar, foi como me livrar de uma obsessão — afirmou a influenciadora da agência Gobatto.br.

Doutora em Geografia Política e Meio Ambiente pela USP, Fabiana Pegoraro explica que, na sociedade de consumo, comprar além das necessidades está mais relacionado ao valor social da mercadoria que à sua utilidade. Ela lembra que o filósofo Jean Baudrillard analisa que os objetos e os usos a eles atribuídos são símbolos de ascensão social.

— O consumo deixa de estar relacionado à satisfação de uma necessidade para se tornar a obtenção de um objeto de valor atribuído e reconhecido por um determinado grupo social. Crianças e adolescentes são absorvidos por essa lógica, que acaba prevalecendo sobre as questões ambientais — avalia Fabiana. Além disso, a exposição à lógica do consumo excessivo e da ostentação relacionados ao sucesso pode trazer sentimentos de frustração, exclusão social e fracasso. Um perigo para a saúde mental.

A boa notícia é que, ao mesmo tempo, é pelas próprias redes sociais que se organizam movimentos de conscientização ambiental e anticonsumista. Nos últimos três meses, o TikTok tem sido inundado pela tendência underconsumption, que desafia as influencers de beleza a usarem seus produtos até acabarem. Assim, se glamouriza o não desperdício com a valorização do minimalismo, contrariando tendências que exibem armários abarrotados de cremes, perfumes e loções.

— Já tive um período de consumismo exagerado. Foram surtos que tinha e comprava, às vezes não conseguia nem pagar. Agora sou uma ex-consumista, trabalhei na terapia e tenho uma relação saudável. Só compro o que quero muito. Como tendência, o consumo exagerado está prestes a acabar. Já estamos vendo as influenciadoras no TikTok defendendo um estilo mais minimalista. E isso tudo tem a ver com essa geração mais consciente e mais sustentável — analisa a criadora de conteúdo digital sobre beleza e autocuidado Heloísa Andrade, de 21 anos. São crianças e jovens dando exemplo aos demais.