Mulheres lideram 69 soluções para o oceano na COP30, mas financiamento e governança ainda emperram avanços
Mutirão Azul revela protagonismo feminino na ação climática marinha. Conferência marca avanços, mas também expõe desafios.
O protagonismo de mulheres na ação climática marinha ganhou relevância na COP30. O Mutirão Azul, iniciativa liderada pela enviada especial para Oceano, Marinez Scherer, e parceiros, identificou 69 soluções baseadas no ambiente marinho, das quais mais de 60% são lideradas por mulheres.
As iniciativas incluem projetos de comunidades tradicionais, organizações não governamentais, escolas, governos e empresas, formando um portfólio considerado capaz de acelerar a implementação de ações climáticas no oceano.
Aliás, a conferência em Belém marcou também a entrada definitiva dos oceanos na política climática global. O tema apareceu pela primeira vez no documento final da COP, acompanhado de compromissos para restauração de manguezais e recifes, adaptação costeira e a criação de uma força-tarefa global para integrar soluções marinhas aos planos climáticos nacionais.
Ao mesmo tempo, especialistas apontam a necessidade de avanços para a agenda azul: a ausência de metas vinculantes, a necessidade de instrumentos financeiros robustos e a urgência de mecanismos eficazes de governança.
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Centralidade
“A COP30 marcou um ponto de virada para o Oceano. O tema ganhou centralidade política e foi reconhecido como peça-chave no enfrentamento da crise climática”, afirma Scherer.
Ela lembra que os meses preparatórios e as duas semanas de negociações consolidaram ações transversais envolvendo ecossistemas costeiros e soluções baseadas no Oceano. Esse movimento resultou no Pacote Azul (Blue Package), que reúne iniciativas já existentes e replicáveis, evitando a necessidade de “reinventar a roda”.
Além disso, a COP30 lançou a primeira ferramenta global para monitorar a implementação da ação climática oceânica e impulsionou os Ocean Breakthroughs, que traduzem o Pacote Azul em metas rastreáveis, criando uma base inédita para transparência e acompanhamento.
Força-tarefa
Outro resultado relevante foi a criação da Força-Tarefa Oceânica, codirigida por Brasil e França, com o objetivo de acelerar a integração de soluções marinhas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). A iniciativa se articula ao Blue NDC Challenge, que ampliou seu alcance em Belém e hoje reúne quatro das dez maiores economias globais.
A conferência também marcou a adesão do Brasil ao Painel de Alto Nível para uma Economia Oceânica Sustentável, assumindo o compromisso de gerir de forma sustentável os 3,68 milhões de km² de águas sob jurisdição nacional até 2030. Com isso, quase 40% das Zonas Econômicas Exclusivas globais estão cobertas por compromissos formais de gestão oceânica 100% sustentável.
Financiamento: o maior gargalo
Apesar do avanço institucional, especialistas alertam que o financiamento continua insuficiente. A sócia-presidente da Systemiq Latam e cofundadora da AYA Earth Partner, Patrícia Ellen, considera que a COP30 deu um passo histórico ao incluir explicitamente o Oceano no documento final, mas afirma que a mudança real depende de recursos concretos.
“Hoje, menos de 1% do financiamento climático global vai para oceanos — um número incompatível com sua importância para carbono azul, resiliência costeira, biodiversidade e segurança alimentar”, afirma Patrícia Ellen.
Ela destaca que o reconhecimento político abre acesso potencial aos US$ 300 bilhões para adaptação e aos US$ 1,3 trilhão anuais necessários ao financiamento climático em países emergentes. “Isso abre uma janela real para investimentos em costas, manguezais, recifes, pesca sustentável, proteção marinha e ‘blue carbon’”.
Mas, alerta para o risco de que as promessas permaneçam no campo declaratório. “Sem mecanismos de governança, monitoramento e responsabilização, o risco é que oceanos permaneçam subfinanciados, mesmo com toda a retórica”.
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Riscos
Ellen também aponta o desafio de alinhar a agenda oceânica à industrialização verde. “Há o desafio de alinhar agendas para que ‘economia azul’ não vire degradação azul”. Scherer reforça a necessidade de tratar a transição energética com urgência, reduzir a dependência de combustíveis fósseis e ampliar o financiamento para países vulneráveis. Para ela, todas essas agendas “se conectam, direta ou indiretamente, ao Oceano”.
Apesar dos avanços, especialistas concordam que a COP30 “abriu uma porta”, mas que a travessia ainda depende de implementação consistente. “A determinação em atravessá-la será o que definirá se entregaremos resultados à altura da urgência climática”, afirma Patrícia Ellen. Scherer converge: “Agora, o desafio é avançar da mensagem para a implementação. O oceano não pode esperar — e o planeta também não”.
