Mudanças climáticas podem tornar alguns tipos de fungo mais resistentes e letais

Segundo João Nóbrega de Almeida Júnior, está havendo uma substituição dos fungos que crescem em temperaturas menores para aqueles que crescem em temperaturas maiores e esses fungos são potencialmente patogênicos
Um estudo realizado por pesquisadores da Duke University apontou que as mudanças climáticas estão tornando os fungos patogênicos — ou seja, aqueles que causam doenças — mais resistentes devido à aceleração de suas mutações genéticas. Uma lista divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em outubro de 2022, aponta para os patógenos fúngicos mais críticos, mas informa sobre pelo menos outros sete fungos de prioridade alta e que afetam em especial os países mais quentes. O relatório mostra também que há evidências de que a distribuição geográfica dos fungos está aumentando devido às mudanças climáticas.
Espalhamento pelo planeta
Normalmente, os seres humanos têm uma vida livre de infecção fúngica. “A maioria dos fungos no ambiente cresce a temperaturas abaixo de 30 graus, a gente tem uma barreira contra esses fungos que, a priori, estão em grande quantidade no planeta, que são os fungos que só crescem em temperaturas abaixo de 35 graus”, explica João Nóbrega de Almeida Júnior, médico infectologista, doutor e pós-doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP.
O aumento da temperatura global, entretanto, tem mudado a relação desses fungos com o corpo humano. “Está havendo uma substituição desses fungos que crescem em temperaturas menores para aqueles que crescem em temperaturas maiores e esses fungos são potencialmente patogênicos”.
Segundo o especialista, o artigo da Duke tem um caráter ainda experimental, mas contribui com hipóteses que chamam a atenção para o problema. “O artigo da Duke falou do Cryptococcus, e é interessante que ele fala que o aumento da temperatura vai favorecer mutações no genoma do Cryptococcus, de maneira que ele pode se tornar mais resistente e mais virulento, mais resistente aos antifúngicos ou tratamentos, com uma capacidade maior de infectar as pessoas”, diz o especialista.
Mudanças genéticas
O estudo mostra que, em temperaturas mais elevadas, há elementos genéticos transponíveis, os transposons, que se deslocam pelo fungo e alteram sua expressão genética. “Eles [transposons] vão se deslocando no genoma do fungo e se inserindo em importantes regiões e genes que, se houver mutação, vão causar resistência aos tratamentos, em genes que vão ser silenciados ou ser hiper expressos, depende de onde esses transposons vão se alocar”, explica Nóbrega.
Além dos genes, proteínas importantes contribuem para a ocorrência de mutações. “Existem proteínas, por exemplo, que a gente chama de heat-shock proteins, que vão ser expressas com aumento de temperatura e vão mudar a transcrição de proteínas e fatores de virulências dos fungos”.
Assim como alguns fungos podem se alterar geneticamente e se tornarem mais resistentes, outros podem não sobreviver a tais mudanças. Segundo Nóbrega, o aumento da resistência não é um fenômeno esperado para a maioria das populações fúngicas. “Não é que 100% dos fungos do ambiente vão sofrer mutações severas e vão se transformar em super bichos. Uns vão perder até o que a gente chama de fitness, vão ficar menos adaptados e vão morrer, as mutações vão ser deletérias e vão matar o microrganismo. Um percentual menor deles vai ter essa propriedade, vai ter uma adaptação melhor e vai causar problemas”.