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Moradores e comerciantes da Praia de Maria Farinha estão isolados e ameaçados

Moradores e comerciantes da Praia de Maria Farinha estão isolados e ameaçados

Paulista (PE). Está na Constituição: as praias são bens públicos, e de acesso livre à população. Mas quando cheguei a Paulista, cidade que compõe a Região Metropolitana do Recife (RMR), não encontrei acesso ao mar em um perímetro de 1.200m. “Um belo dia (o principal acesso à praia) amanheceu cercado de segurança armado, com carro, parecia a guerra. O pessoal foi entrar, impediram. Chamaram advogado, Ministério Público, e disseram: tem que botar o acesso. Aí eles disseram ‘vamos botar até tal tempo’, e depois fechou e acabou mesmo”, relata Léo, motorista da Kombi que faz a linha de transporte complementar Ponte do Janga/Maria Farinha.

Por trás de uma cerca prateada, se elevam as folhas verdes de uma árvore. Na frente da cerca, um placa informa as condições, os dias e horários em que são permitidos os acessos à praia. Em destaque, também há uma frase falando sobre a importância de se cuidar do meio ambiente e recolher o lixo

Numa manhã de sol, dirigindo pela rodovia PE-001, ele me contou da sua insatisfação com o caso conhecido como “Portões de Maria Farinha”. De acordo com a Política Estadual de Gerenciamento Costeiro, a distância entre os acessos às praias pernambucanas não deve ultrapassar 250m. Mas isso não vem acontecendo em Paulista. Com o isolamento, a Praia de Maria Farinha tem recebido menos visitantes, o que vem causando prejuízos à comunidade que depende do turismo na região. São comerciantes que sobreviveram às manchas de óleo que atingiram as praias do Nordeste em 2019, e os dois anos de pandemia de Covid-19. Mas que agora não sabem até quando terão condições de permanecer. Alguns bares já se encontram abandonados.

Tudo começou em 7 de setembro de 2021, quando o principal acesso à praia começou a ser fechado parcialmente pela Votorantim. A multinacional detém a maior parte do terreno no perímetro de 1.200m. A passagem funcionava das 7h até às 17h para o público em geral, e das 7h até às 19h para moradores e comerciantes. “Passou daí: você podia ser assaltado, adoecer, ninguém abria”, conta Karina Agra, 47, conselheira de turismo do município, artista visual e ativista do movimento Salve Maria Farinha. Ela, que também tem um comércio na beira-mar, diz que o portão foi fechado totalmente no dia 28 de março de 2022. Desde então, a segurança no local piorou. São vários os relatos de arrombamentos a imóveis.

Também neste ano, a população foi notificada a comparecer à Diretoria de Controle Urbano de Paulista. Lá, foram informados que se encontravam em área irregular, e que deveriam sair. Também havia uma denúncia de suposta degradação ambiental.

Territórios que margeiam a costa numa faixa de 33m a partir da média do ponto alto da maré, assim como à beira de rios e lagoas que sofrem influência da maré, por lei, pertencem à Marinha. Mas a comunidade se encontra consolidada pelo tempo. A Prefeitura ofereceu uma indenização de R$ 10 mil por família para que reconstruíssem suas vidas, sendo 5 mil para quem tem apenas espaço de comércio.

Seu Antônio Lopes, de 69 anos, jamais imaginou passar por uma remoção depois de tudo que construiu em Maria Farinha. São 29 anos à frente do Recanto do Brega, onde mora. “Quando cheguei aqui era na base de candeeiro. Não tinha energia elétrica. Não tinha água. Não tinha nada. Eu praticamente fundei essa praia. Agora estamos nessa situação. A Votorantim fechou tudo. A Prefeitura não faz nada. Eu não posso ficar na rua não”, reclama. Também diz que com R$ 10 mil não conseguiria comprar casa em lugar nenhum.

Múltiplas dificuldades

isolamento físico da praia tem pressionado economicamente os comerciantes. Seu Antônio perdeu muitos clientes. Atualmente, o salário mínimo que recebe da aposentadoria é o que garante o seu sustento, o da sua esposa Patrícia, 48, e dos quatro cachorros. Patrícia tem mobilidade reduzida e me contou que se sente presa entre os bloqueios da Votorantim, e a linha de costa que tem recuado em direção ao continente. Quando uma praia perde mais areia do que recebe, seu balanço sedimentar fica negativo, e ela começa a entrar em um processo de erosão. Neste trecho de Maria Farinha, quando a maré está alta, apenas pessoas com saúde e boas condições físicas conseguem passar. E, ainda assim, se arriscando por cima das pedras, nos barrancos.

Por conta da diabetes, Patrícia passou um ano cega, sendo obrigada a caminhar longas distâncias para chegar à parada de ônibus, de onde seguia ao médico. “Acabei de me operar de uma catarata. Você vê o meu olho como está latejando, saindo lágrimas ainda. Voltei a enxergar, graças a Deus. Mas vou precisar usar óculos, e não sei como vou comprar. A gente vive desse bar. E cadê dinheiro com um movimento (fraco) desse? Estamos sem acesso. Não tem banhista. Não tem cliente para consumir. Até quando vamos ficar nessa?”, diz indignada.

Num dia ensolarado, se vê a larga faixa de areia ao longo da costa, com vista para o mar à direita. Não há ninguém passeando na praia. Na esquerda, uma árvore de grande porte e construções criam uma área de sombra. Mais ao fundo, também à esquerda, a presença de fragmentos de restinga e coqueiros
Moradores, comerciantes e visitantes, que caminham pela faixa de areia, estão sem acesso à rua em um perímetro de 1.200 metros| Foto: Victor Moura

A Praia de Maria Farinha é a única que “resta” de Paulista. As demais ao sul, como Pau Amarelo e Janga, estão em avançado processo erosivo. Em 2021, o prefeito Yves Ribeiro (MDB) decretou estado de emergência por conta do “avanço do mar”.

Dinâmica Costeira e ações humanas

O geógrafo Sávyo Aguiar explica que a zona costeira sofre erosão naturalmente, porém ela é intensificada por meio de ações humanas. A expansão do Porto do Recife, ainda no século passado, barrou o transporte de sedimentos que alimentam as praias ao norte da capital.

A erosão começou em Olinda, e já há alguns anos reflete também em Paulista. Mas esse não é o único motivo. Em Pernambuco, segundo o último censo, 56% da população urbana mora no litoral. E muitas construções, algumas de grande porte, se encontram próximas de rios e mar. A urbanização inadequada somada à perda de vegetação nativa fez com que o território ficasse mais exposto a inundações e erosões.

“Se a gente tira restinga, se a gente desmata a Mata Atlântica, se a gente tira o mangue, pode se preparar: o efeito rebote vem muito rápido. A praia é um ambiente muito dinâmico. A onda não vem hoje, e só vem daqui dois, três meses. Ela está ali todo dia acompanhando a dinâmica atmosférica. Se não tem restinga sobre a faixa da areia, não só a onda vai causar erosão como o vento também leva a areia, que vai ser dispersada por aí”, diz o pesquisador.

Segundo o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, Paulista foi o município da Região Metropolitana do Recife que mais desmatou nos últimos 20 anos. Na Praia de Maria Farinha, o Ministério Público do Estado de Pernambuco (MPPE) investiga a denúncia de suposto desmatamento de 1,75 hectare de vegetação cometido pelo grupo Votorantim. O inquérito tramita no âmbito da 4.ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania de Paulista. A promotoria, junto à Prefeitura, tem analisado questões referentes à medida de compensação ambiental.

Um painel cinza enorme anuncia a chegada de um projeto imobiliário na Praia de Maria Farinha. O painel está à margem de uma rodovia, dentro de um terreno particular, protegido por uma cerca de cor prata. O terreno está praticamente virgem, com árvores e mato rasteiro
Painel à margem da rodovia PE-001 anuncia a chegada do projeto da Votorantim na região| Foto: Victor Moura

Quem passa pela PE-001, vê o outdoor da multinacional anunciando que vai trazer “desenvolvimento sustentável para Maria Farinha”. O site da Prefeitura do Paulista fala em um “grande complexo hoteleiro e imobiliário” numa área de mais 400 mil metros quadrados que “deverá gerar cerca de 3 mil empregos e impactar a região economicamente”.

Na faixa de areia da praia, uma mulher negra com uma touca de cozinha está sentada numa cadeira plástica vermelha segurando uma bebê recém-nascida. Por trás da mulher, a fachada de uma bar, cuja porta está aberta. A parede do bar tem pintura na cor azul e a frase “Deus é Fiel” escrita. Também tem coqueiros desenhados e uma mulher negra de cabelo afro com uma camisa semelhante à bandeira do Estado de Pernambuco
Dona Elzyr segurando a sua neta em frente ao bar onde é dona e cozinheira. Ela teve o imóvel arrombado recentemente | Foto: Victor Moura

Sentada numa cadeira de plástico vermelha, segurando a sua neta no colo, Dona Elzyr, de 51 anos, me contou que tem gente na praia passando necessidade desde o fechamento do portão. Em 2018, após trabalhar a vida inteira como cuidadora de idosos, ela decidiu seguir o seu sonho de se tornar cozinheira e investiu R$ 50 mil na compra de um bar à beira-mar. Com os acessos dificultados, o movimento de pessoas na praia caiu, e a insegurança só faz piorar. Dona Elzyr teve o bar arrombado no único dia em que o deixou sozinho. Desde então seu filho tem morado no imóvel para protegê-lo. Elzyr é uma das poucas que tem casa própria fora de Maria Farinha. Mas conta que se preocupa com os demais que, ao contrário dela, não têm para onde ir.

Os comerciantes com quem conversei me relataram medo com o fim da suspensão temporária de despejos e desocupações pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que caiu no último dia 31 de outubro. “Nós (em Maria Farinha) não temos ajuda nenhuma. Yves Ribeiro (prefeito da cidade) nem conversa quer. Ele quer tirar a gente porque aqui atrás a Votorantim vai fazer um empreendimento muito grande, aí ele não vai querer esses barracos na frente”, diz.

Em 2018, a comunidade procurou a Defensoria Pública da União (DPU), que tem barrado a remoção desde então. O processo corre na Justiça Federal. Ainda está nas instâncias de recurso. Mas caminha para a retirada das construções irregulares em Maria Farinha. A Prefeitura, porém, precisa viabilizar a saída dos que moram e dos que trabalham. Por meio de reunião coletiva, a população pediu uma indenização de 70 mil por família, a inserção em uma unidade habitacional em até quatro anos, e a inclusão dos comerciantes em um próximo projeto de orla. A Prefeitura considerou a contraproposta muito alta.

O defensor público Ricardo Russell, que acompanha o caso, diz que tem pressionado o poder público a resolver por meio de acordo. Ele conta que, mesmo passado o dia 31 de outubro, a população deve permanecer na praia. “Nós, da DPU, entendemos que não há como se discutir uma saída imediata porque a Prefeitura ainda não deu a sua contrapartida que está na decisão judicial, que é garantir uma alternativa (de moradia e emprego) para as pessoas”, afirma.

Reparação justa

Ele acrescenta que a DPU vai tentar levar até as últimas instâncias, se possível até os tribunais superiores de Brasília, para impedir que a população saia. E, se for para sair, apenas com uma reparação justa. O problema é que os bloqueios de acesso à praia somados à intensificação da erosão costeira têm levado moradores e comerciantes ao desespero. Existe o risco de que um ou outro aceite qualquer oferta, e mine a luta coletiva.

Homem pardo de calção azul, de boné e sem camisa, se posiciona em frente a uma construção denominada como “Bar do China”. O bar tem um telhado inclinado, fachada amarela e portas azuis. Ao lado do homem tem uma árvore crescida
Paulo da Silva (Santos) mora e trabalha em Maria Farinha há mais de duas décadas. Com o bar fechado, tem sobrevivido da pesca| Foto: Victor Moura

É graças à pesca de rede e de mergulho que Paulo da Silva, de 53 anos, mais conhecido como Santos, tem garantido o sustento. Desempregado, ele chegou a Maria Farinha no início dos anos 2000. Na época, colocava oito filas de cadeira na faixa de areia. Hoje só coloca uma, e quando a maré está seca. O Bar do China, que administra, está fechado desde o fechamento do principal acesso.

Santos, que é pai de dois filhos, um deles com autismo, diz que não tem condições de comprar mercadoria, muito menos de contratar funcionários. Está tudo parado. Relembra com saudade do tempo em que a praia lotava. “A Votorantim quer fazer uma praia privada para eles. Existe praia privada, não. Por que o rico quer fazer isso? Eles colocaram (no outdoor do projeto) que vai ter quatro ruas de acesso à praia. Mas só que as ruas vão ficar dentro do condomínio. E quem for morar dentro do condomínio vai deixar alguém passar? Vai nada”, comenta.

Enquanto conversávamos, a espécie de caranguejo que dá nome à praia passou por cima do seu pé. Surgiu de dentro da areia como se também quisesse falar. “Até ele me conhece. Está vendo? Não deixo ninguém pegar. Isso aqui é maria-farinha. Vou mandar maria-farinha sair?” Questiona.

Por meio de nota, a Votorantim informou que o cercamento de sua propriedade, de 4.7 hectares (ou 47 mil metros quadrados), foi realizado de forma gradual, com respeito à legislação e após comunicação com os órgãos públicos. Diz que manteve o acesso aos pedestres por 6 meses (entre setembro de 2021 e março de 2022), com a devida sinalização, para que moradores e comerciantes pudessem se adaptar.

Importante destacar novamente que, mesmo se tratando de área privada, a Política Estadual de Gerenciamento Costeiro determina que a distância entre os acessos à praia, que é pública, não deve ultrapassar 250m. É competência do poder público assegurar esse direito. Atualmente em Maria Farinha a distância é quase cinco vezes maior que a permitida.

Quanto a isso, a Votorantim afirmou que o terreno se encontra em fase de loteamento, envolvendo um potencial empreendimento imobiliário socioambientalmente sustentável. As obras ainda não começaram. Diz que no fim pretende entregar novos acessos à praia, em quantidade superior ao que determina a legislação. “O projeto contempla ainda a destinação de áreas privadas para usos públicos, como praças, áreas verdes, sistema viário e estacionamento público, além de promover desenvolvimento, geração de emprego e de renda e o fomento ao turismo no município de Paulista”, detalha.

Já em relação ao suposto desmatamento, afirma que obteve autorização legal para o manejo de vegetação em uma área que corresponde a apenas 1% da propriedade (ou 0,047 hectare), um valor bem menor do que o investigado pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco, que é de 1.75 hectare.

Como resposta, disse que todas as informações solicitadas e as licenças previamente obtidas foram entregues ao MPPE nos autos do inquérito civil. Informa que fez estudos próprios, na companhia de técnicos ambientais e chegou à conclusão de que ⅔ da área da propriedade é formada por solo exposto ou gramado.

No que diz respeito à vegetação arbórea, segundo a multinacional, “metade é de espécies invasoras não-nativas, introduzidas pelo homem, e não há espécies endêmicas, raras ou em extinção onde ainda há resquícios de vegetação nativa”. A Votorantim também diz que mapeou as espécies de animais, afugentando ou capturando e soltando esses animais em local adequado nas proximidades.

Representando o movimento Salve Maria Farinha, Karina Agra fala em processo de gentrificação, que é quando comunidades de baixa renda são “expulsas” para dar espaço a classes mais abastadas. Ela critica a atuação do prefeito Yves Ribeiro (MDB), que, na sua opinião, tem atuado em favor da multinacional e contra a população que ele representa e que o elegeu.

Desespero

“Muita gente está desesperada. As casas estão virando escombros e os comércios, cemitérios. Querem construir condomínios de classe A e B do Rio Timbó até a beira-mar. E sustentabilidade, na real, não existe. É uma inverdade”, afirmou durante a entrevista. A Prefeitura do Paulista foi procurada no dia 5 de outubro, via e-mail e telefone. Deu retorno, por meio de assessoria, em um primeiro contato. Ficou de enviar uma resposta oficial. Mas nada disse.

Questionei a respeito do motivo de as pessoas estarem sendo removidas. Se ela (a Prefeitura) está dando suporte à população paulistense, e qual valor pretende oferecer como reparação. Perguntei também sobre o perímetro sem acesso à praia entre o Veneza Water Park e o terreno da Votorantim. Por último, quis saber a posição da Prefeitura em relação ao empreendimento que está para ser construído em Maria Farinha, do ponto de vista social, ambiental e climático, uma vez que o município possui sérias vulnerabilidades nesses setores.

Mudanças Climáticas

Em maio deste ano, o prefeito Yves Ribeiro decretou estado de emergência e calamidade por conta das fortes precipitações. Devido às mudanças climáticas, as chuvas estão vindo mais intensas, dentro de um menor intervalo de tempo. “O mar está ‘avançando’ muito. Aqui está menos porque tem esse barranco. A gente fez essa proteção. Agora lá para baixo o mar está destruindo tudo, chegando na casa do povo. Quem tem dinheiro, faz uma coisinha, uma proteção. E quem não tem?”, questiona Dona Elzyr. No que se refere a políticas públicas, pouco tem sido feito para aumentar a resiliência diante de possíveis eventos extremos, sobretudo nas localidades mais empobrecidas e racializadas.

Faixa de areia apresenta sinais de erosão costeira. À esquerda, o mar. Na direita, imóveis com estruturas danificadas pela força das marés. Tijolos, tocos de madeira e sacos de areia foram colocados para conter o avanço da água salgada. Na praia, dois banhistas sentados debaixo de um guarda sol azul. Ao fundo, uma moradora caminha com sacolas nas mãos
Sinais de erosão costeira na Praia de Maria Farinha, a mais preservada de Paulista. A população tem improvisado formas de se proteger| Foto: Victor Moura

No ano passado, o geógrafo Sávyo Aguiar apresentou uma dissertação de mestrado sobre o processo erosivo ao longo dos 14 quilômetros do litoral de Paulista. Ele conta que para além de danificar estruturas, a erosão costeira também impacta negativamente pessoas que dependem diretamente da praia, como comerciantes e pescadores.

Explica que “a capacidade de ser ferido” cai à medida que cresce o poder aquisitivo, uma vez que grandes empreendimentos possuem condições de rapidamente erguer seus próprios diques e muros de contenção. Sávyo também diz que o “avanço do mar” no litoral pernambucano tem como principal culpado as ações humanas em nível local. É um problema do agora. Já o aumento do nível médio dos oceanos é um fenômeno climático global que deve aparecer somente a longo prazo.

“Sei nem como dar um adjetivo para a situação de Paulista, porque é muito embaraçosa. Chega a ser até burrice (sic) querer construir na beira da praia, no litoral que está extremamente vulnerável, a não ser que se faça uma engorda. E, ainda assim, não quer dizer que ela vai ser 100% eficiente. A questão é que são interesses que não visam a sustentabilidade do local, mas sim o lucro mesmo. É passar por cima de uma situação que já não está muito boa”, comenta.

Em setembro de 2022, o ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou o artigo 10 da Lei 7.661, instituída em 1988. Ela determina que praias são bens públicos e, portanto, não podem ser vendidas. No mês seguinte, o ministro voltou atrás dizendo defender apenas a venda de terrenos em frente ao mar, que pertencem à Marinha. No Brasil, a maior parte da população mora na Zona Costeira, o que levou a Mata Atlântica à posição de bioma mais devastado. O litoral é visado por interesses particulares desde as caravelas portuguesas. E atualmente, mais de 500 anos depois, enfrenta as consequências da ocupação inadequada do território. Com um agravante para este século: a vulnerabilidade da região diante das mudanças climáticas, que tendem a se intensificar.

Se o novo complexo hoteleiro e imobiliário de Maria Farinha vai ser ou não sustentável, legal e adequado à realidade social e climática do município, cabe aos órgãos de fiscalização investigar. Fato é que a praia mais valorizada de Paulista, onde ainda existe alguma faixa de areia, se encontra hoje praticamente abandonada, sem acesso, sem recreação, sem segurança, sem economia. Moradores e trabalhadores que fomentaram o turismo na região por mais de 40 anos estão sendo forçados a sair com um valor muito abaixo do necessário para recomeçar com dignidade. De acordo com o cadastro feito pela própria comunidade, são 56 famílias nessa situação.

“A Justiça se preocupa em fechar o acesso à praia e acabar com a vida dos pobres, dos barraqueiros que estão aqui para receber os turistas e ganhar o pão para colocar na mesa. A praia é pública. É direito de todo ser humano. Foi papai do céu que fez para gente”, diz Patrícia, que voltou a enxergar o azul à sua frente há cerca de dois meses, profundamente triste com tudo que vem acontecendo.