Método “produz água” com recuperação físico-hídrica de bacias hidrográficas
Após décadas de experimentos científicos, engenheiro agrônomo traz nova abordagem para lidar com a crise hídrica.
O período de estiagem na maior parte do país compromete os reservatórios de água que abastecem as principais hidrelétricas. Com menos água, a produção de energia se torna mais cara e o risco de apagões e desabastecimento volta a assombrar a população. Pesquisas indicam que a escassez de chuva para a geração de energia é a maior dos últimos 91 anos. Produzir água por meio de recuperação físico-hídrica das bacias hidrográficas, de forma sustentável e com investimentos mais baratos do que os empregados atualmente é a solução proposta pelo doutor e consultor Rinaldo de Oliveira Calheiros, responsável pela coordenação da equipe de sustentabilidade Hídrica da Synergia Socioambiental.
O método desenvolvido e empregado por Calheiros resulta em “Aumento da Disponibilidade Hídrica para Empreendimentos, Municípios e Regiões”, título de seu projeto, e se tornou uma solução ambiental da Synergia para setores público e privado. Desenvolvida e aprimorada ao longo dos últimos anos, a metodologia se baseia na aplicação da chamada infraestrutura verde (soluções baseadas na natureza) que é mais sustentável e economicamente mais atraente do que os métodos tradicionais, conhecidos como infraestrutura cinza (baseado em obras de engenharia civil), podendo ser aplicada em qualquer bacia hidrográfica do País.
Essa solução atende tanto governos e entidades públicas que queiram aumentar a capacidade de produção e disponibilidade de água das bacias hidrográficas de suas regiões, quanto empreendimentos imobiliários, indústrias, mineradoras e o agronegócio, setores tradicionalmente dependentes de grande quantidade de água.
Estudo em Vinhedo
No interior de São Paulo, a cidade de Vinhedo, com 80 mil habitantes, decidiu apostar nesse método que prevê um aumento do volume do lençol freático da bacia hidrográfica na extensão de seu território correspondente até 11 centímetros. Essa medida, que para o olhar de um leigo pode parecer pequena, é capaz de substituir a reserva de água de quatro represas, quantidade necessária para dar conta do consumo do município, garantindo que não venha sofrer com falta d’água ou racionamento. Aplicar o método de produção de água por meio de tecnologia verde representaria um investimento 50% menor do que a construção de represas.
Um dos grandes diferenciais da solução da Synergia é a possibilidade de quantificação da produção de água a partir da recuperação, graças à aplicação de modelo computacional que automatizam os cálculos, garantindo precisão e agilidade nos processos. Comparando o custo estimado de construção de represas (R$77.807.968,28) com a metodologia da Synergia (R$36.042.700,29), os cofres públicos de Vinhedo ganham em economia, preservação ambiental e qualidade de vida para sua população.
O mesmo princípio foi aplicado na cidade de Extrema, em Minas Gerais. Na região rural do município, o método de infraestrutura verde, dentro do Programa Conservador das Águas, possibilitou que os proprietários rurais fossem beneficiados pela recuperação físico-hídrica das bacias, que passaram a absorver mais água da chuva e, consequentemente, aumentaram a produção de água cuja maior beneficiada foi a região metropolitana de São Paulo.
Crise hídrica
Calheiros lembra que a crise hídrica nacional tem origem tanto na ocupação e utilização dos solos de forma desordenada, sem planejamento, degradatória, quanto pelo agravamento das mudanças hidrológicas climáticas envolvendo o regime de chuvas que tem mudado muito nos últimos anos. Porém, destaca que a região sudeste, por receber grande parte das indústrias, adensamento populacional, irrigação e diversos outros usos, tem sido a mais sacrificada pela, cada vez mais recorrente, escassez hídrica.
“A escassez hídrica é cada vez mais iminente e parece ser inexorável. Fica cada vez mais claro que a única alternativa efetiva de evitar isso, ou pelo menos minimizar seus efeitos, é a aplicação de soluções baseadas na natureza. E isso não se trata de transformar tudo em grandes florestas, mas de adaptar nosso sistema de ocupação das áreas e nossos sistemas produtivos em atividades que respeitem os processos hidrológicos naturais, minimizando os impactos, racionalizando o uso e aumentando a produção de água”, defende ele.
Calheiros também lembra que, no que se refere à água, desde as mais antigas civilizações procurou-se resolver os problemas combatendo os efeitos e não a causa. “A ação destruidora do ser humano chegou até o momento em que a natureza não conseguiu mais “cobrir a nossa conta” e, hoje, somos exigidos para corrigir esse erro”. Ele ainda ressalta que isso não implica em limitar a atividade econômica, mas integrá-la ao ecossistema de forma sustentável.
Como funciona
O método para produção de água por meio de recuperação físico-hídrica das bacias tem como ponto chave o aumento da capacidade de retenção de água da chuva pelo solo. Isso porque a ação do homem sobre a natureza vem causando impermeabilização do solo. O método, com suas ações sistemáticas, prevê a recuperação desse solo, para que ele retome sua capacidade de absorção, infiltração e percolação da água da chuva, aumentando assim as reservas hídricas subterrâneas. A solução parece lógica, no entanto é o planejamento dessa recarga em etapas sucessivas e específicas atuando em cada plano da paisagem que torna o método diferenciado e eficiente.
Calheiros explica que com a produção de água desta forma é possível recuperar rios e córregos que secaram, pois “ao aumentar a retenção de água pela infiltração no solo, a água que escorreria superficialmente e seria perdida em poucas horas ao abandonar a bacia hidrográfica na parte mais baixa do terreno através dos córregos é preservada abastecendo os lençóis subterrâneos, que por sua vez, irão abastecer as nascentes e os córregos através do fluxo de base. É essa água, que vem do fluxo de base, que diferencia os rios e córregos permanentes daqueles sazonais como os do Nordeste, por exemplo”, explica.
Calheiros ainda ressalta que “existe um conceito generalizado de que as ações de conservação de infraestruturas verdes só renderão resultados para as gerações futuras”, mas em tal alternativa isto não é verdadeiro, uma vez que o projeto vai muito além da recuperação da mata ciliar. Pelo contrário, é uma solução ágil, ética e mais econômica.
“O diferencial do modelo é que ele está baseado na paisagem como um todo, começando pela mata de topo de morro onde é possível evitar o começo da erosão do solo e, principalmente, incluindo a área de meia encosta, com práticas como o terraceamento, a adequação da porosidade dos solos, a proteção das estradas rurais, entre outras ações, que fazem com que a retenção da água da chuva aconteça”, detalha o especialista.
Em até um ano após o início do processo de recuperação da área já é possível notar um aumento significativo na vazão das nascentes, córregos e rios daquele sistema hídrico.