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Mesmo com baixa taxa de liberação, concentração de elementos tóxicos em brinquedos acende alerta​

Mesmo com baixa taxa de liberação, concentração de elementos tóxicos em brinquedos acende alerta​

Pesquisador adverte sobre potencial tóxico da exposição crônica a chumbo e bário, encontrados em alta concentração em brinquedos; taxas de bioacessibilidade foram baixas

Crianças de até 18 meses de idade costumam levar brinquedos à boca, seja para aliviar um desconforto da dentição, seja como uma forma de explorar o mundo. Feito com o objetivo de avaliar a segurança desses brinquedos para a saúde infantil, um estudo publicado na Exposure and Health encontrou 44,3% dos objetos analisados excedendo os limites regulatórios brasileiros para o bário e outros 32,9%, chumbo.

Segundo o pesquisador Bruno Alves Rocha, primeiro autor do estudo, tanto o bário quanto o chumbo são exemplos de elementos químicos potencialmente tóxicos (EPT) presentes na confecção de brinquedos de plástico vendidos no mercado varejista brasileiro. O problema, alerta Rocha, é que a exposição crônica a esses elementos, mesmo que em doses baixas, está associada a danos neurológicos, problemas de desenvolvimento e risco aumentado de câncer.

A pesquisa foi realizada com base na bioacessibilidade em que, além de se verificar a concentração total de um elemento na composição do brinquedo, também se avalia a quantidade da substância que pode ser liberada pelo brinquedo e absorvida pelo organismo quando uma criança leva o objeto à boca, por exemplo.

Homem de barba e cabeça raspada, vestindo um jaleco branco, de braços cruzados. Ele está posicionado de frente, levemente de lado, olhando para a câmera com expressão séria. O fundo é totalmente preto, destacando a figura.

Bruno Alves Rocha – Foto: Arquivo Pessoal

Como resultado, apesar de terem encontrado baixas taxas de bioacessibilidade, os pesquisadores destacaram as preocupações com a saúde em relação ao chumbo, crômio e cádmio, particularmente sob condições de alta exposição.

Rocha afirma que essas baixas taxas de bioacessibilidade foram uma boa notícia: “significa que a maior parte do contaminante fica presa dentro do plástico”, diz. Contudo, o pesquisador alerta que mesmo uma taxa baixa pode ser perigosa se a concentração total do elemento tóxico for muito alta. Por isso, segundo ele, é necessário levar em conta os dois números: concentração total e bioacessibilidade. “Em alguns brinquedos que analisamos, mesmo com baixa bioacessibilidade, a concentração total do elemento químico tóxico era tão alta que ainda assim representava um risco à saúde das crianças”, diz.

Os dados da pesquisa, na avaliação do pesquisador, documentam a existência de “um problema grave e generalizado de segurança dos brinquedos no Brasil”, já que foi realizado com base nos limites de segurança estabelecidos pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e pela União Europeia, para determinar as concentrações dos EPTs.

Ele conta que este foi o primeiro estudo brasileiro que sistematicamente integrou a análise de bioacessibilidade com a avaliação de risco dessas substâncias nos brinquedos, tendo sido realizado por um grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP em parceria com colegas da Universidade Federal de Alfenas (Unifal).

Potencial tóxico para bário, chumbo, antimônio e crômio

Ao todo, a equipe analisou 70 brinquedos de plástico (carrinhos, bonecas, brinquedos educativos, instrumentos musicais e figuras de animais destinados a crianças de até 12 anos) pequenos o suficiente para serem levados à boca. Todos os objetos foram adquiridos em shoppings, lojas especializadas, mercados de rua e grandes varejistas de Ribeirão Preto, SP.

Para as análises, pequenas amostras do plástico dos brinquedos passaram por moagem e, a seguir, por dissolução para liberar os elementos químicos num processo chamado digestão ácida assistida por micro-ondas. Por fim, as amostras foram analisadas por espectrometria de massa com plasma indutivamente acoplado, técnica que consegue detectar e medir múltiplos elementos químicos de forma simultânea, mesmo que estejam em concentrações muito baixas.

“Nem todo o contaminante que está no plástico vai de fato entrar no corpo da criança. Algumas vezes esse elemento pode ficar de forma presa sem que seja liberado para ser absorvido pelo corpo”, informa Rocha, adiantando que eos cientistas criaram, em laboratório, condições para simular o que acontece quando uma criança coloca o brinquedo na boca. “Colocamos as amostras dos brinquedos em uma solução que imita o suco gástrico do estômago e medimos quanto do elemento tóxico se dissolve”, diz sobre os testes de bioacessibilidade.

Conta o pesquisador que esses elementos potencialmente tóxicos são adicionados durante a fabricação de brinquedos; são pigmentos, estabilizantes no processamento de PVC, um tipo de plástico resistente, e auxiliares de processamento. Os testes analisaram elementos regulamentados pelo Inmetro para a fabricação de brinquedos, incluindo bário, chumbo, antimônio e crômio.

Como resultados das análises, verificaram a alta concentração de bário em 44,3% das amostras, atingindo máximas superiores a 15 mil mg/kg, quando tanto o Inmetro quanto a União Europeia estabelecem 1 mil mg/kg como limite para o elemento. Já o chumbo foi outro elemento químico cujo limite permitido foi ultrapassado em 32,9% das amostras, com um pico de cerca de 337 mg/kg contra os 90 mg/kg permitidos pelo Inmetro.

Mais de 44% das amostras ultrapassaram os limites regulatórios brasileiros para concentração de bário – Foto: Bruno Alves Rocha

Falta controle de qualidade e fiscalização

O estudo identificou também uma correlação entre níquel e cobalto entre os EPTs presentes nas amostras, o que, adianta Rocha, sugere fontes de fabricação comum. Essa informação, segundo o pesquisador, é muito valiosa para a fiscalização da indústria de brinquedos porque aponta para um problema específico do processo produtivo que pode ser rastreado e corrigido. Outro resultado importante indica falta de controle de qualidade desse setor produtivo: a inconsistência no uso de bário, manganês e cobalto, elementos que mais variaram entre os 70 brinquedos analisados.

Rocha afirma que os produtos que estão fora das regulamentações estabelecidas pelo Inmetro chegam facilmente aos consumidores. “O País enfrenta grandes desafios para controlar brinquedos importados, especialmente de locais com padrões de fabricação menos rigorosos”, diz. Mas, quando quase metade dos brinquedos analisados excede os limites para o bário, “isso é uma evidência direta de que a vigilância da rotina não está funcionando de forma adequada.”

Para o pesquisador, os resultados da pesquisa apontam soluções para o problema já que identifica os elementos mais problemáticos e as falhas na fiscalização. “Nesse estudo, oferecemos um framework científico que pode ser usado pelas autoridades para priorizar suas ações”, finaliza.

Mais informações: e-mail farmbrunorocha@gmail.com, com o pesquisador Bruno Alves Rocha

*Estagiária sob supervisão de Rita Stella

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado