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Marca de azeite brasileiro conquista inédito certificado de ‘carbono negativo’

Marca de azeite brasileiro conquista inédito certificado de ‘carbono negativo’

Lagar H é a primeira fabricante a comprovar que retira mais carbono da atmosfera do que emite

O Brasil responde por menos de 1% da produção global de azeite, mas já conta com marcas de prestígio internacional. Uma delas conseguiu recentemente um feito inédito no segmento: a fabricante de azeite de oliva extravirgem Lagar H, de Cachoeira do Sul (RS), tornou-se neste ano a primeira empresa do setor no mundo a comprovar que tem produção “carbono negativo”.

Isso significa que o volume de carbono que a companhia retira da atmosfera é maior do que suas emissões de gases de efeito estufa. O saldo considera todo o processo de produção, que vai do cultivo de azeitonas à fabricação e distribuição do azeite.

Segundo Glenda Haas, azeitóloga e diretora da Lagar H, desde que entrou em operação, em 2014, a empresa tinha entre seus objetivos não só oferecer um produto de alta qualidade, mas também a construção de um modelo de gestão de referência.

“Nosso entendimento era de que, se fôssemos investir nessa atividade, o negócio já tinha que nascer com foco em ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança). Nós sempre buscamos produção de alta qualidade, as melhores tecnologias, responsabilidade com a natureza e com os funcionários e uma boa governança”, disse.

A Lagar H começou a fazer o levantamento de suas emissões de gases de efeito estufa há dois anos. A ideia de verificar o balanço de carbono surgiu depois disso, quando a empresa contratou uma consultoria para ajudá-la a se enquadrar nas diretrizes do Sistema B Brasil, que inclui metas de boas práticas sociais e ambientais, de transparência e também de equilíbrio entre lucro e propósito.

“Já em uma análise inicial, os consultores perceberam que estávamos muito avançados ambientalmente. O prédio do lagar (como é chamado o local em que se extrai o azeite) já tinha sido construído para usar energia limpa e para dar tratamento adequado à água. Com isso, fomos incentivados a também medir nossas emissões de carbono”, conta a empresária.

Segundo o balanço, a remoção de carbono da companhia foi 1.266% superior ao volume total de suas emissões. Somadas todas as atividades da empresa, incluindo a agroindústria e os olivais, a Lagar H emitiu 55,8 toneladas de CO2 equivalente (tCO2e) e retirou da atmosfera (ou “sequestrou”) 715,99 tCO2e.

No inventário de emissões de gases de efeito estufa de 2022, a FAU Agricultura e Meio Ambiente, responsável pelo trabalho, verificou que a Lagar H emitiu 80% menos carbono do que no ano anterior. A redução deveu-se, principalmente, ao cálculo do volume de carbono capturado pelos olivais.

Com o relatório em mãos, a fabricante de azeite buscou o respaldo de uma certificação oficial. A certificadora SGS ficou com a responsabilidade de analisar os dados, uma tarefa que incluiu, também, visitas técnicas à fazenda.

Instalado dentro do olival em Cachoeira do Sul, cidade que fica na região central do Rio Grande do Sul, a cerca de 200 quilômetros de Porto Alegre, o lagar próprio da empresa foi todo projetado e erguido com os requisitos necessários para a obtenção do certificado de construção verde LEED (Leadership in Energy and Environmental Design). O documento atesta as práticas sustentáveis que se adotou na construção e também na operação da planta produtiva.

Para reduzir seu impacto ambiental e social, a Lagar H investiu, por exemplo na instalação de painéis de energia solar e na construção de estruturas de tratamento de água e de efluentes. Além disso, os resíduos da produção do azeite viram ração animal e adubo ou, em outros casos, são destinados a valas de compostagem.

A empresa adota práticas de agricultura regenerativa, com as quais tenta garantir a fertilidade do solo e evitar ou, no mínimo, reduzir a aplicação de defensivos. A Lagar H foi uma das primeiras empresas da indústria de azeites no país a receber do Ministério da Agricultura a certificação de Produção Integrada (PI), que garante ao consumidor que o alimento é seguro, tem origem conhecida e é produzido em conformidade com boas práticas agrícolas.

Modelo para o mundo

A inédita certificação de emissões negativas de carbono já atraiu a atenção de integrantes dessa indústria no exterior. O Conselho Oleícola Internacional (IOC, na sigla em inglês), por exemplo, convidou a empresa para relatar sua experiência a produtores de vários países em um workshop que ocorrerá em Madri, na Espanha, entre os dias 17 e 19 de outubro.

Glenda Haas acredita que o encontro servirá para mostrar às demais empresas do segmento que a própria natureza da produção de azeite pode gerar oportunidades econômicas no mercado de carbono. “Os pomares de oliveira são sequestradores de carbono naturais. Existem 11 milhões de hectares de olivais em todo o mundo. Se todos fizerem boas práticas ambientais, como fizemos, pode haver incentivo para nosso setor negociar créditos de carbono no futuro”, afirma.

Lagar H surgiu pela iniciativa de Willy Haas; Glenda, sua filha, buscou especializações para tocar o negócio — Foto: Carlos Ferrari/Divulgação

Lagar H surgiu pela iniciativa de Willy Haas; Glenda, sua filha, buscou especializações para tocar o negócio — Foto: Carlos Ferrari/Divulgação

Através das oliveiras, prazer e negócios

A história do Lagar H começou no ano 2000, quando o pai de Glenda, Willy Haas, comprou uma fazenda em Cachoeira do Sul (RS), sua cidade natal. “Na época, eu já queria produzir azeite”, lembra ele, “mas como todo mundo que consultei me falou que não era possível plantar oliveira no Brasil, investi no gado de corte”.

No entanto, 13 anos depois, ao ver projetos bem-sucedidos de olivais em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, Haas decidiu retomar o plano original. “Compramos as primeiras mudas e fizemos o plantio”, conta.

Willy incentivou sua filha a administrar o empreendimento. Formada em direito na PUC-SP e em administração na Fundação Getulio Vargas (FGV), Glenda Haas viu nesse convite uma oportunidade de juntar um prazer com os negócios.

“Sempre gostei de ir a restaurantes, de entender sobre alimentos e de apreciar vinhos. Quando meu pai começou a falar sobre azeite de oliva, comecei a pesquisar e descobri que era o segundo alimento mais saudável que existia, mas também o mais fraudado”, comenta ela. “Para mim, isso foi um divisor de águas, que me levou a estudar esse setor e criou o desejo de fazer azeite de excelência no Brasil”.

Os estudos de Glenda sobre o setor começaram ainda na academia, com um trabalho de mestrado sobre regulação do mercado de azeite no Brasil. Mas a imersão no mundo do azeite de oliva levou a advogada e administradora a fazer cursos sobre essa atividade nos Estados Unidos, Portugal, Itália, Espanha e Grécia.

O plantio das primeiras árvores ocorreu em 2014, e a colheita das primeiras azeitonas, em 2019. A marca Lagar H surgiu apenas em 2021. Desde então, os azeites produzidos pelos Haas já ganharam mais de 70 prêmios no Brasil e no exterior.

Segundo Glenda Haas, o investimento total na Lagar H, entre plantações, fábrica, equipamentos e outros itens, já soma R$ 25 milhões. As melhorias e adequações no local devem se estender até 2025, segundo o cronograma.

Hoje, a Lagar H tem 170 hectares de oliveiras, dos quais 60 estão em produção. Os olivais cultivados na propriedade em Cachoeira do Sul reúnem oliveiras de oito variedades diferentes. A empresa produz de 20 mil a 25 mil litros por ano de azeite de oliva extravirgem e espera alcançar 100 mil litros nos próximos anos com a entrada de produção de novos pomares.

O lagar fica dentro do olival, o que permite que as azeitonas sejam extraídas no menor tempo possível, preservando o frescor da matéria-prima. As frutas são colhidas e transportadas em caixas especiais para que, então, se extraia seu óleo. Para o processamento das azeitonas, usa-se um maquinário italiano adaptado às condições locais, peculiaridades da colheita e variedade das azeitonas.

Depois da extração, o líquido é conservado em tanques de aço inox com nitrogênio em sala climatizada, sem contato com a luz. O envase é feito no local.

Além da produção própria, o lagar também realiza o processamento de azeitonas para terceiros. Na última safra, a indústria da Lagar H fabricou azeites para marcas de quatro clientes.

O mais novo investimento da companhia é em um espaço para recepção de turistas na propriedade. No local, que terá capacidade para receber até 100 pessoas, os visitantes poderão, além de ver os olivais, provar o azeite de oliva extravirgem.