João do Clima: conheça o jovem de 15 anos que desafia a crise climática na ilha amazônica de Caratateua

Em conversa com Um Só Planeta, João Victor inspira e cobra ações efetivas contra a emergência climática, um problema que sua geração não causou, mas que sofre seus impactos
Da Ilha de Caratateua, conhecida popularmente como Outeiro, onde vivem cerca de 63 mil habitantes, na periferia de Belém, emerge uma voz potente no cenário do ativismo ambiental. Aos 15 anos, João Victor, mais conhecido como João do Clima, personifica a urgência da crise climática com uma maturidade e um conhecimento que fazem qualquer um “esquecer” sua pouca idade.
O engajamento de João com o tema começou cedo, impulsionado pela observação diária dos impactos da crise em seu próprio lar. “Eu via as mudanças climáticas e o efeito no meu dia a dia. Sempre fui uma criança e um adolescente muito curioso, que perguntava: ‘’Por que está muito quente? Por que acontece isso? Por que esse barranco cai?’. E fui começando a entender a situação”. Essa curiosidade transformou-se em um senso de missão, levando-o a se tornar um ativista climático.
Estudando sobre clima por conta própria, João fala com desenvoltura e apreensão sobre uma série de desafios socioambientais que afetam a ilha, como a vulnerabilidade do território, a ocupação desordenada e falta de arborização adequada e a erosão costeira – “recentemente, um morador caiu junto com um barranco numa área de deslizamento”, conta, chocado. Critica ainda programas de asfaltamento, defendendo a pavimentação ecológica com bloquetes, solução que permite a infiltração da água da chuva no solo, reduzindo o risco de enchentes.
João atua em diversas frentes. Participa do Comitê Popular de Mudanças Climáticas da Ilha, coordena a Juventude pelo Fórum de Desenvolvimento Sustentável das Ilhas e integra o GT da COP30, o grupo de trabalho de participação social para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025, que será realizada em Belém. No começo do ano, foi ainda empossado como conselheiro jovem do Unicef em Brasília e planeja a primeira conferência da juventude insular, que busca elaborar um plano de ação e uma “carta” para os líderes de estados que se reunirão na COP30.
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Mas foi a partir de 2023, ao saber do Diálogos Amazônicos — encontro para levar demandas sociais para a Cúpula da Amazônia, evento que reuniu presidentes e ministros de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela em Belém naquele ano — que João passou a ser voz ativa nos fóruns da cidade. “Ele entrou sozinho no site, se inscreveu, e disse ‘vô, me leva lá, vô’”, lembra seu José, de 79 anos. Desde então, ele acompanha o neto em vários eventos.
“Ele é um garoto muito esperto, muito inteligente, de uma sabedoria incrível, e que se expressa bem. Ele trouxe esse dom para defender a natureza”, acrescenta. No dia 8 de junho, João contagiou o público que lotava o Theatro da Paz, em Belém, durante a quarta edição do TEDx Amazônia. O encontro reuniu mais de 30 palestrantes de diversos países da bacia amazônica, promovendo debates inspiradores sobre regeneração ambiental, justiça climática, saberes tradicionais, e muita poesia e arte.
Em uma fala curta e impactante, o jovem chamou atenção para a extinção da Fundação Escola Bosque (Funbosque) pela Prefeitura de Belém como parte de uma reforma administrativa no começo do ano. Também conhecida como AfroBosque, a Fundação foi estabelecida após uma luta comunitária para preservar uma área significativa na ilha de Caratateua, tornando-se um centro de referência e educação ambiental, atendendo mais de mil alunos de comunidades ribeirinhas e insulares, por quase três décadas.
“Nós não estamos mais nos tempos das promessas. Nós estamos no tempo das escolhas. E lutar por instituições como a FUNBOSC é defender a própria esperança”, cravou João, ovacionado.
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Força da juventude ativista e os custos ocultos
João demonstra uma notável capacidade de conciliar seu intenso ativismo com a vida escolar. No ensino fundamental, as faltas eram frequentes, mas suas notas nunca caíram, graças a um esforço autodidata e ao apoio da direção da escola. Agora, no ensino médio, ele impôs limites às agendas, dedicando as manhãs aos estudos e as tardes ao ativismo, que inclui palestras, gravação de vídeos e muita pesquisa sobre clima.
Em sala de aula, sua paixão pelo meio ambiente é evidente: “Quando eu vi na ficha curricular que teria educação ambiental, quase que eu piro”, contou em entrevista exclusiva ao Um Só Planeta. Quanto à importância das tecnologias digitais, João reconhece que elas desempenham um papel fundamental na mobilização. Ele utiliza as redes sociais para divulgar suas atividades, denunciar problemas ambientais e engajar sua comunidade. A facilidade em se expressar e transmitir sua mensagem permite que ele vá longe e atinja muitas pessoas, ao mesmo tempo que preserva sua saúde – João tem uma deficiência física óssea que pode tornar longos deslocamentos uma atividade exaustiva para as articulações.
Apesar de todo o engajamento, o ativismo precoce também cobra seu preço. João revela ter ansiedade climática e sentir o peso da responsabilidade. Ele compartilha o episódio em que pessoas ligavam para ele no meio da noite na expectativa que tivesse uma solução para os incêndios florestais que castigaram o Pará no ano passado, chegando a encobrir a cidade de Belém e suas ilhas.
“Aquilo me deixava mais ansioso, porque querendo ou não, eu acabava colocando na minha cabeça que eu tinha que resolver”, desabafa. Não era para a gente estar assim, era para a gente estar curtindo a nossa infância, era para a gente estar curtindo a nossa vida, sabe?”, reflete João. Houve momentos em que pensou em desistir, lembra, e “ser só uma adolescente normal”.
No entanto, ele também faz questão de salientar que o ativismo não é feito apenas de sofrimento. “É um espaço gostoso, é um espaço onde tu conhece pessoas que também são da mesma luta, da mesma causa. Onde tu cria relacionamentos, cria amizade. Onde tu vive mais em contato com a natureza.” João também busca equilibrar sua agenda intensa com momentos de lazer e socialização, reconhecendo a necessidade de cuidar de sua saúde mental.
Sua história é um poderoso lembrete de que, embora a geração mais jovem não seja a causadora da emergência climática, ela é uma das que mais sente seus impactos e, paradoxalmente, a que está na linha de frente da luta. “E se um dia eu não conseguir fazer a diferença… eu vou tentar de novo. E de novo. Até conseguir. Porque a luta pelas ilhas e pela juventude não tem pausa”, escreveu em post recente nas suas redes sociais.
Sua luta aparece no documentário “A quem pertence o amanhã?” (veja abaixo), produzido pela iniciativa COJOVEM, que acompanha o cotidiano de três jovens lideranças amazônidas que, diante da degradação de seus territórios e da urgência climática, se mobilizam para propor soluções e manter vivos seus sonhos. Além de João, participam a jovem ativista Carla Braga, também de Caratateua, e Adams Almeida, da Ilha de Marajó, que tem sofrido com o aumento do nível do mar e erosão costeira.
Com eloquência e paixão pelo meio ambiente e seu território, a história de João, que pretende cursar faculdade de Direito, assim como a de outros jovens ativistas, não só inspira, mas também exige que gerações anteriores e os tomadores de decisão assumam sua parcela de responsabilidade, para que o “amanhã” que eles tanto defendem possa realmente pertencer a todos, e, principalmente, para aqueles em tenra idade ou que ainda estão por vir cresçam com a fé de que o futuro será justo e bom.
Veja abaixo o trailer do documentário “A quem pertence o amanhã”? :