Impactados pelas mudanças climáticas, Pantanal e Amazônia têm clima mais propenso ao fogo em 44 anos
Dados de monitoramento do risco de fogo mostram que seca, calor e ventos fortes, intensificados pelo aquecimento global, fazem biomas virarem “barris de pólvora” em 2024
As condições climáticas extremas no Pantanal e na Amazônia em 2024, de seca, calor e ventos fortes, elevam o perigo de fogo ao patamar mais alto em 44 anos, de acordo com informações do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ).
O índice DSR, usado para avaliar essa situação de risco, é até este mês de agosto o maior desde quando o grupo de pesquisa iniciou seu monitoramento, em 1980, na comparação do mesmo período em anos anteriores, para ambos os biomas. Atuar na prevenção, em vez do combate ao fogo, é o melhor caminho, segundo os pesquisadores.
Segundo nota técnica publicada esta semana pelos especialistas da UFRJ, o regime de seca nos últimos 12 meses no Pantanal, aliado a altas temperaturas, levou ao “elevado acúmulo de material combustível” em toda a região. Quando rios secam, o leito exposto revela matéria orgânica inflamável, restos de árvores e plantas aquáticas que, junto à vegetação seca e a turfa, servem de lenha para incêndios florestais.
Na Amazônia, julho (11.434) e agosto (14.790) já somam quase o dobro de focos de incêndio de todo o primeiro semestre. A área queimada este ano supera todas as medições do Lasa/UFRJ para o período desde 2012. São até agora 2,95 milhões de hectares, território quase 20 vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
Da mesma forma que ocorre no Pantanal, o tempo seco com calor acima da média afeta a vegetação e fornece condições para o alastramento dos incêndios, que na Amazônia são frequentemente associados ao desmatamento seguido de fogo. No caso da floresta tropical, a flora menos adaptada é ainda mais vulnerável.
Perigo de fogo no Pantanal
- Índice acumulado no ano é o maior desde 1980
- Perigo de fogo vem acima da média desde junho
- Níveis atuais eram comuns apenas a partir do fim de agosto
- Área queimada pode chegar a 2 milhões de hectares este ano
- Número de focos de incêndio de julho e agosto supera 1º semestre
Perigo de fogo na Amazônia
- Pior condição de seca, calor e ventos desde 1980
- Área queimada no período é a maior desde 2012 e equivale a 20x cidade de SP
- Julho superou 11 mil focos de incêndio, recorde em duas décadas
- Agosto beira 15 mil focos, e 2º semestre já tem quase dobro de incêndios do 1º
Calor, ar seco e vento forte: tudo que o fogo gosta
Estudo publicado no último dia 8 pelo coletivo científico WWA (World Weather Attribution), com participação do Lasa, mostra que as mudanças climáticas tornaram 40% mais intensas as condições que ocorreram no Pantanal em junho, quando a temporada de incêndios iniciou mais cedo do que o esperado. Eventos extremos dessa magnitude no bioma, que tinham probabilidade de ocorrer a cada 160 anos em um cenário sem o aquecimento global, agora apresentam tendência de se repetir a cada 35 anos, afirmam os pesquisadores.
“O índice [DSR] reflete como as condições meteorológicas estão colaborando para uma rápida e intensa propagação do fogo”, observa Renata Libonati, pesquisadora do Lasa/UFRJ. A especialista frisa que a medição aponta a situação natural de seca, mas que, para haver incêndio é preciso iniciá-lo.
Este ano, o Pantanal já passa de 10% de sua área total afetada por queimadas. A observação da pesquisadora vai no sentido de se evitar o manejo do fogo em meio a condições tão perigosas, em que as chamas podem se espalhar rapidamente. Os incêndios que ocorrem no Pantanal são majoritariamente de origem humana. O uso do fogo no bioma está proibido temporariamente e cometê-lo é considerado crime, com pena de 2 a 4 anos de prisão.
Área queimada pode chegar a 2 milhões de hectares no Pantanal
Apesar de o número de focos de incêndio registrados este ano no Pantanal estarem dentro da média, a intensidade e área que um único foco pode danificar aumenta com condições climáticas favoráveis ao fogo. A área queimada em 2024 já alcançou 1,4 milhão de hectares, extensão equivalente a quase dez vezes a cidade de São Paulo.
O dano das queimadas ultrapassa 2020 para o mesmo período, aponta o Lasa. Naquele ano, trágico para o Pantanal, até agosto foram 796 mil hectares queimados, com um saldo final em dezembro de cerca de 3,6 milhões de hectares.
De acordo com cálculos do laboratório usando modelo estatístico baseado no histórico de perigo de fogo e focos de incêndio no Pantanal, considerando as condições de janeiro a agosto, a probabilidade de as queimadas excederem 2 milhões de hectares em 2024 é de 80%.
Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que contabiliza focos de incêndio em biomas do país, mostram que o número de incêndios de julho e agosto já supera o total do primeiro semestre no Pantanal, mesmo com um mês de junho atípico, com 2.639 focos. Em 2020, o mesmo mês contabilizou 406 incêndios.
Filhote de onça-pintada atravessa ponte para fugir do fogo no Pantanal, em MS
Incêndios mais concentrados e violentos
A potência do fogo em 2024 vem sendo confirmada em diferentes frentes científicas. O estudo internacional State of Wildfires, publicado esta semana, faz um balanço dos incêndios florestais no mundo entre 2023 e 2024, e aponta mudanças de comportamento nas queimadas, sob influência das mudanças climáticas causadas pelas atividades humanas. A equipe de 44 pesquisadores, inclusive do Brasil, aponta que no último ano o fogo está mais violento, mesmo que atingindo uma área ligeiramente menor do planeta.
No estado do Amazonas, que vem passando por uma grave seca após um período de influência do fenômeno climático El Niño, o fogo vem se alastrando por áreas antes não atingidas, aumentando seu raio de atuação em 200% desde 2002. Condições secas e quentes fazem com que um único foco de incêndio faça mais estragos.
“Eventos extremos de secas e ondas de calor, ventos fortes, frequentes, são condições ideais para grandes propagações, rápidas e intensas. Vai ter uma área queimada maior, porém não necessariamente com mais focos de calor, que depende de fontes de ignição e propagação do evento”, explica Libonati.