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Formigas no lugar de pesticidas: pesquisadores brasileiros defendem uso de insetos para controle biológico nas lavouras

Formigas no lugar de pesticidas: pesquisadores brasileiros defendem uso de insetos para controle biológico nas lavouras

Ao longo das últimas décadas muitos foram os estudos que comprovaram os impactos negativos do uso de pesticidas tanto no meio ambiente quanto na saúde do homem, como por exemplo, desde afetar o poder de polinização e reprodução das abelhas até provocar o desenvolvimento de câncer em seres humanos.

Por essa razão, cientistas também têm realizado muitas pesquisas e estudos para buscar alternativas ao emprego de agrotóxicos para combater pragas agrícolas e insetos portadores de doenças. Um desses métodos é o chamado “controle biológico“, ou seja, a utilização dos próprios inimigos naturais desses insetos, vírus, parasitas e fungos.

Recentemente um grupo de pesquisadores brasileiros publicou um artigo em que descreve uma análise de 52 estudos de 17 diferentes cultivos e defende o uso das formigas para o controle de pragas.

“Nosso novo estudo constatou que as formigas arbóreas diminuem a abundância de alguns grupos de pragas, reduzem os danos às plantas e aumentam a produtividade das colheitas (serviços ecológicos). Embora as formigas também possam ter efeitos negativos (por exemplo, diminuição da abundância de inimigos naturais das pragas), os serviços e benefícios das formigas superam os efeitos negativos. Por fim, o uso das mesmas para controle de pragas é uma solução mais sustentável do que a utilização de pesticidas”, diz Diego Anjos, pesquisador do Programa de Pós-Graduação de Ecologia, Conservação e Biodiversidade da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e o principal autor do artigo, divulgado na publicação internacional Proceedings of Royal Society B.

De acordo com o grupo de cientistas, que inclui ainda pesquisadores de instituições da Espanha e dos Estados Unidos, o controle de pragas e a proteção de plantas fornecidos por formigas são potencializados nas agroflorestas em comparação com monoculturas (termo que significa a produção agrícola de um único produto, como por exemplo, apenas soja, trigou ou arroz, ao contrário da agrofloresta,  um modelo que associa o plantio de alimentos e a preservação das florestas).

O Conexão Planeta entrevistou Diego Anjos para saber mais detalhes da análise e entender melhor como as formigas podem ajudar a tornar o plantio no campo mais sustentável.

O que é uma formiga arbórea? E quantas espécies dela existem?
Formigas arbóreas (ou arborícolas) são espécies de formigas que normalmente fazem seus ninhos na vegetação. Atualmente, existem mais de 14 mil espécies de formigas descritas, sendo que boa parte dessas espécies estabelecem seus ninhos nos troncos, galhos e folhas das plantas.

Já se sabia que essas espécies de formigas serviam para o controle biológico?
Na verdade, já era conhecido que algumas espécies de formigas poderiam ser usadas no controle biológico. Há séculos atrás já existiam relatos do uso das formigas para controlar pragas do citrus na China.

Que tipos de pragas essas formigas arbóreas consomem?
Muitas destas formigas atacam e inibem a maioria dos insetos pragas como besouros, lagartas, larvas de moscas e percevejos. Ao contrário, alguns insetos pragas como pulgões não são atacados pelas formigas já que oferecem uma “recompensa” conhecida como a melada, substância açucarada que serve de alimento para as formigas.

É possível encontrar formigas arbóreas em todo o Brasil e em todo o planeta?
Sim, as formigas são encontradas em todos os continentes. Estes insetos só não são encontrados nas regiões polares. O Brasil apresenta uma das maiores diversidade de grupo de inseto, com pelo menos 2 mil espécies descritas. Nosso país também apresenta um grande número de pesquisadores especialistas neste grupo e excelentes coleções onde boa parte dessa diversidade pode ser encontrada para fins científicos.

Como foi realizado o trabalho de vocês?
Nosso estudo consistiu em sintetizar todos os estudos que haviam considerados as formigas como agentes do controle biológico. Criamos um extenso banco de dados com estas informações, mais de 50 estudos foram considerados, oriundos de todos os continentes e nas mais diversas culturas agrícolas. Portanto, este banco de dados nos possibilitou estabelecer padrões gerais e além de investigar novos aspectos.

Quais foram os principais resultados obtidos?
Nós mostramos que as formigas realmente podem ser usadas no controle biológico de pragas agrícolas. Além disso, em plantações com diversidade de cultivos como agroflorestas ou culturas sombreadas, as formigas são mais eficientes no controle de pragas do que em monoculturas.

As culturas diversificadas, ou seja, com várias espécies de plantas sendo cultivadas ao mesmo tempo, apresentam naturalmente maior abundância e diversidade de formigas. Como as formigas são importantes agentes do controle biológico de pragas, neste ambientes as formigas são mais eficientes nesta função ecológica.

De que maneira as formigas fornecem serviços ecológicos e aumentam a produtividade?
Ao atacarem ou inibirem os insetos praga, a presença das formigas faz com que as plantas sofram menos danos em suas folhas ou frutos. Com menos danos, ocorre um aumento de produtividade das plantas no final da colheita devido, por exemplo, a uma maior produção de frutos ou grãos, ou frutos mais saudáveis, maiores etc.

Como é possível implementar o controle biológico com formigas sem que elas mesmas se transformem em pragas na lavoura?
É preciso cautela no uso das formigas no controle biológico. O primeiro ponto é que nem todas as formigas são eficientes no controle de pragas. Além disso, essa eficiência é influenciada por vários fatores como a espécie praga, os outros inimigos naturais dessa praga (ex. vespas, aranhas), o tipo de cultivo em que ela está estabelecida e muitos outros fatores ambientais.

Na prática, como funciona o uso de formigas na lavoura? Como um agricultor pode implementá-lo na sua propriedade? Essas formigas se reproduzem facilmente em qualquer solo e clima?
O primeiro passo é conhecer quais formigas ocorrem naturalmente nas plantas da lavoura a ser estudada. Em seguida, são necessários experimentos em campo para testar a eficiência das formigas em diminuir a abundância da praga da lavoura. Caso encontrem-se resultados positivos, a(as) espécie(es) de formiga(as) mais eficiente, pode-se dividir as colônias desta espécie e espalhar novos ninhos na lavoura. Este último procedimento, normalmente é realizado em laboratório, e no campo para aumentar as chances de sobrevivência dos novos ninhos de formigas pode-se fornecer alimentos para estas colônias.

Vocês acreditam que esse tipo de prática, usando formigas ou outro tipos de controles biológicos, são viáveis em grande escala no Brasil?
Sim, mas são necessários mais estudos, principalmente em campo. Nosso estudo reforça o futuro da agricultura, a agricultura sustentável. Porém, nem sempre as formigas serão os melhores agentes no controle de pragas, em alguns casos pode ser necessário um manejo integrado. Outros insetos também são importante agentes no controle de pragas como joaninhas, bicho lixeiro (Chrysopidae) e vespas. De todo modo, o uso de formigas, desde que elas sejam eficientes, pode fornecer menos custos ao produtor e diminuir a quantidade de pesticidas na lavoura e consequentemente no ambiente.

Há ainda grande resistência de agricultores em implementar controles mais naturais para substituir o uso de pesticidas?
Ainda existe uma certa resistência, principalmente devido ao resultado mais rápido ao médio e longo prazo do que controle biológico. Contudo, o resultado do controle biológico é sustentável ao longo do tempo, desde que haja um manejo adequado. Além disso, o uso de pesticidas eleva muito o custo de produção, deixa resíduos no solo e na água e ao longo do tempo perde eficiência já que muitas pragas desenvolvem resistência aos agentes químicos mais usados. Mais do que isso, sem o pesticida, o agricultor pode elevar os preços de venda com uma qualidade premium do seu produto final. Por fim, eu acredito que a nova geração de agricultores está mais preocupada com o desenvolvimento sustentável.

Suzana Camargo
Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.