Força do empreendedorismo move desenvolvimento sustentável da Amazônia
De São Paulo ao Amapá, passando pelo coração da Amazônia, empreendedores mostram que é possível gerar renda, manter a floresta em pé e transformar resíduos em oportunidades
O Brasil está descobrindo que as respostas para o desenvolvimento sustentável talvez estejam onde menos se esperava: nas mãos de pequenos e médios empreendedores, conectados com seus territórios, com a floresta e com a vida que dela depende.
Eles não costumam falam em metas climáticas, mas plantam, colhem, transformam e inovam com os recursos que têm — um modelo de negócio que cresce de forma silenciosa, feito de soluções inclusivas e realistas, nascidas da relação direta com a natureza.
Do Norte ao Sudeste do país, esse movimento tem rosto, nome e propósito. É o da empresária Letícia Feddersen, de São Paulo, que leva os sabores amazônicos ao mercado internacional; o da agricultora Irlanda de Almeida, do Pará, que cultiva o futuro em um pequeno lote familiar; o da empreendedora Bruna Freitas, do Amapá, que transforma resíduos da pesca em moda sustentável; e o do técnico agropecuário Elder Sarmento, que criou um sistema agroflorestal urbano que “refresca” uma cidade envolta pelo agronegócio.
Quatro trajetórias distintas — e uma mesma mensagem: a economia da Amazônia já está em curso, movida por quem vive e acredita na floresta.
Da floresta para o mundo: o sabor que traduz a Amazônia
A história de Letícia Feddersen, fundadora da SoulBrasil Cuisine, começa longe da floresta — mas é dela que vem o coração de seu negócio. Formada em Relações Internacionais, com MBA na Itália e mais de 25 anos de experiência no comércio exterior, Letícia poderia ter seguido qualquer caminho dentro da economia globalizada. Escolheu, porém, um que a aproximou do Brasil profundo.
“Queremos ser o megafone da biodiversidade brasileira”, resume. “O mundo precisa entender que há gente vivendo e empreendendo dentro da floresta.”
Com sede em São Paulo, a SoulBrasil transforma pimentas nativas, frutas e castanhas amazônicas em condimentos, molhos e geleias orgânicas de alto valor agregado. Produtos feitos com açaí, taperebá, pimenta baniwa e cupuaçu ganham embalagens sofisticadas e são exportados para eventos e feiras internacionais. Em 2024, Letícia representou o Brasil no evento de 80 anos da FAO, em Roma, onde apresentou os sabores da Amazônia como símbolos de uma economia viva e diversa.
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“Quando a gente leva esses produtos, as pessoas se encantam com a floresta. Elas percebem que sustentabilidade também pode estar em um pote de geleia, em uma embalagem de design, em algo bonito e viável economicamente”, explica.
Para Letícia, a bioeconomia não é um conceito — é uma prática que une ciência, estética e impacto social. A SoulBrasil atua com comunidades, capacita produtores e cria parcerias que fortalecem as cadeias locais. “É um tipo de empreendedorismo que não precisa escolher entre floresta e economia. Os dois andam juntos”, afirma.
Enquanto prepara um estande especial para a COP30, Letícia vê a conferência como uma vitrine para mostrar ao mundo que a Amazônia é mais do que um bioma — é uma marca de valor global, impulsionada por mulheres, por inovação e por propósito.
O plantio que virou floresta
A 2.000 quilômetros dali, no Pará, a agricultora Irlanda de Almeida também vive da biodiversidade, mas com os pés firmes na terra. “Eu sou trabalhadora rural de raiz. Nasci me entendendo como agricultora”, diz, com o tom calmo de quem aprendeu a medir o tempo pelas chuvas e pelas colheitas.
Irlanda chegou ao município de Belterra, em Santarém, no ano 2000. Comprou um pequeno terreno, de 15 por 100 metros, e começou cultivando macaxeira e mandioca, o básico para sustentar a família. Duas décadas depois, metade do espaço virou floresta.
“Hoje, a gente decidiu fazer um trajeto diferente, apoiado pelo Sebrae. Vamos dividir o terreno para o cultivo de hortaliças, frutíferas e árvores florestais. É trabalho e é esperança. O que plantamos agora, os filhos vão colher lá na frente”.
O projeto dela é acompanhado por técnicos que orientam o plantio agroflorestal e o manejo sustentável do solo. O que antes era apenas um lote produtivo se tornou um laboratório de regeneração, com diversidade de espécies e equilíbrio entre produção e conservação. “Cada muda que a gente planta é uma semente de futuro”, diz.
Irlanda representa o rosto, muitas vezes invisibilizado, da transição ecológica brasileira: o das mulheres rurais amazônicas que reinventam o modo de produzir, com respeito à terra e autonomia financeira. O trabalho delas é silencioso, mas essencial — garante soberania alimentar, recupera solos degradados e mantém a floresta viva.
Resíduo que vira renda: o couro da Amazônia
Mais ao norte, no Amapá, a empreendedora Bruna Freitas encontrou na cadeia da pesca um novo elo para a economia circular da Amazônia. À frente da startup Yara, trabalha com espécies como pirarucu, pescada amarela e corvina, e opera com um curtume verde — um processo limpo, que reaproveita a água e dispensa produtos químicos agressivos.
As peles são tratadas, tingidas e transformadas em couro para bolsas e pulseiras de smartwatch. Assim, ela transforma o que antes seria lixo em bolsas, acessórios e couro sustentável. “Nosso trabalho evita que toneladas de pele de peixe sejam descartadas”, explica. “A gente capacita pescadores e cooperativas para o manejo correto do material e transforma esse resíduo em um produto de alto valor agregado.”
A Yara emprega 15 pessoas amazônidas e, em novembro, lança seu e-commerce com entrega em todo o país. “A Amazônia precisa mostrar que sustentabilidade e geração de renda podem andar juntas. Quando o resíduo vira renda, a natureza passa a ter valor real para quem vive dela”, diz Bruna.
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“O couro de peixe é só o começo. Nosso foco é provar que o lixo de hoje pode ser o luxo sustentável de amanhã”, conclui.
A agrofloresta que resfria a cidade
No Pará, o técnico agropecuário Elder Sarmento de Freitas criou um projeto que une produtividade e restauração ambiental. Em um terreno de menos de um hectare, ele implantou um sistema agroflorestal urbano que mistura cupuaçu, mel, açaí, hortaliças e galinhas caipiras. “Estamos em uma cidade inserida dentro de uma floresta”, explica. “A temperatura de Belterra mudou de 20 anos para cá. Reflorestar é trazer de volta à nossa qualidade de vida”.
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Ao lado da irmã e de dois colaboradores, Elder desenhou o espaço como um ecossistema funcional: as árvores maiores sombreiam as hortas, as colmeias garantem polinização, e o mel complementa a renda. Tudo é aproveitado, tudo se conecta. Com a marca Beltbom, ele vende o que produz diretamente ao consumidor e planeja abrir uma loja para visitantes. O próximo passo é certificar o terreno como área de captura de carbono.
“O que a gente faz aqui é provar que dá pra viver bem e produzir sem destruir”, diz Elder. “O clima está mudando, mas a gente também pode mudar — com o que tem, com o que planta, com o que acredita.”
Sua experiência resume o espírito de uma nova geração amazônica: técnica, consciente e orgulhosa da própria origem. O trabalho de Elder não apenas gera renda; ajuda a refrescar a cidade e a devolver vida ao solo.
A economia que cresce com a floresta
A diversidade dessas histórias é também o seu maior elo. São caminhos distintos, de estados diferentes e realidades singulares, mas que apontam para o mesmo horizonte: o de uma Amazônia empreendedora, criativa e sustentável.
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De São Paulo ao Amapá, passando pelos interiores do Pará, esses projetos demonstram que o desenvolvimento sustentável não é uma abstração política, mas uma rede de ações concretas, de gestos cotidianos. E além disso, ele e elas provam que a bioeconomia não é um luxo — é uma necessidade de sobrevivência, com inclusão, tecnologia e identidade cultural.
Esses empreendedores não esperam políticas prontas: constroem suas próprias. Transformam pele de peixe em bolsa, mandioca em floresta, mel em sistema regenerativo, fruta em sabor internacional. E assim, enquanto o mundo discute metas de carbono, o Norte brasileiro oferece exemplos vivos de uma economia em harmonia com a natureza.
