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Financial Times: O Brasil realiza uma COP climática como nenhuma outra

Financial Times: O Brasil realiza uma COP climática como nenhuma outra

Diário britânico faz uma avaliação objetiva dos resultados da COP30: O evento marcou uma mudança, afastando-se de promessas chamativas para enfrentar as complexidades reais de reduzir emissões.

A primeira cúpula climática da ONU realizada à beira da Amazônia. A primeira a ser tão amplamente rejeitada pela administração dos Estados Unidos. E a primeira desde que o mundo ultrapassou 1,5 °C de aquecimento global durante um ano inteiro do calendário.

Também acabou sendo a primeira com um local assolado por calor extremo, enchentes — e até um incêndio que paralisou as negociações durante boa parte do penúltimo dia.

Ainda assim, a conferência na abafada cidade brasileira de Belém conseguiu realizar algo que esses grandes encontros anuais já deveriam ter feito há anos: uma mudança, afastando-se de promessas chamativas para enfrentar as complexidades reais de reduzir as emissões de carbono.

Os delegados se debruçaram sobre regras do comércio global, minerais críticos, um caminho para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e outras questões há muito consideradas tóxicas ou irrelevantes para as COPs climáticas.

Pode-se perguntar, com razão, por que demorou tanto, especialmente no caso dos combustíveis fósseis. Queimar carvão, petróleo e gás é de longe a maior causa do aquecimento global. Mas a natureza pesada da tomada de decisões na COP significa que 30 anos dessas reuniões não produziram nada parecido com um quadro de referência sobre como e quando os países devem abandonar esses combustíveis.

Dezenas de governos buscaram preencher essa lacuna em Belém, pedindo um roteiro de transição dos combustíveis fósseis — movimento que levou os participantes a expor, com clareza, os muitos obstáculos que atualmente bloqueiam a transição.

Como disse Susana Muhamad, ex-ministra do Meio Ambiente da Colômbia, em uma reunião, países que tentam encerrar as exportações de petróleo hoje enfrentam uma profusão de riscos: queda nos preços das ações das empresas de energia, questionamentos do FMI sobre pagamentos da dívida e preocupações das agências de classificação de crédito sobre notas de investimento. Sem um quadro internacional para a transição, ela afirmou: “quem vai colocar sua economia em risco primeiro?” Pois é.

Outros fatores financeiros ajudam a explicar por que o mundo aposentou cerca de 300 gigawatts de energia a carvão na década desde o Acordo de Paris de 2015, mas adicionou quase 600 GW a mais — e com outros 600 GW ainda em andamento, como disse o professor de Harvard Akash Deep aos participantes. Embora existam opções de energia mais limpa, os combustíveis fósseis ainda são a escolha racional para muitas economias em rápido crescimento porque são mais fáceis de financiar, explicou ele.

À medida que as negociações se estendiam até a última hora na sexta-feira, o destino do roteiro permanecia incerto, mas o impulso dado em Belém levou uma série de países a intensificar o trabalho sobre ele no próximo ano, possivelmente em parceria com instituições internacionais.

Passos mais firmes foram dados para enfrentar outra questão que subiu ao topo da agenda desta COP: as regras do comércio global.

As tarifas abrangentes de Donald Trump podem ter ajudado a concentrar a atenção em um tema que há muito pairava à margem dessas discussões. Da mesma forma, as tarifas ocidentais sobre veículos elétricos chineses alimentaram preocupações de que o ritmo da transição energética global será desacelerado se barreiras contra a principal fonte mundial de tecnologias verdes ganharem força.

Mas o ponto de tensão em Belém foi o pioneiro imposto de fronteira de carbono da União Europeia, que deve entrar em vigor em janeiro.

Uma série de nações atacou o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira do bloco, ou CBAM, que visa impedir que indústrias domésticas sejam prejudicadas por importações de países sem o robusto sistema europeu de precificação de carbono. Atualmente, exige que empresas paguem cerca de €80 por tonelada de poluição de carbono.

A Arábia Saudita esteve entre os que atacaram o que alegou ser uma injusta “transferência econômica dos pobres para os ricos, disfarçada de ação climática”, que enfraqueceria os esforços de países menores para descarbonizar.

Mas vários outros países estão de olho em medidas semelhantes, em meio a sinais de que o CBAM está impulsionando a disseminação da precificação de carbono. Pesquisadores afirmam que mais de 40 esquemas em 37 países foram lançados, considerados ou implementados desde que o plano da UE foi discutido pela primeira vez em 2019.

De forma útil, o Brasil aproveitou a COP30 para lançar um fórum em que países possam debater o que parecem ser tensões crescentes entre comércio e clima. Apenas mais um espaço de conversa? Talvez, mas foi revigorante ver realidades econômicas imediatas introduzidas em um processo que muitas vezes parece distante dessas preocupações.

Da mesma forma, os países fizeram um raro esforço para incluir os minerais críticos, centrais para a transição energética, nas negociações formais da COP. Combater a desinformação climática — outro problema raramente enfrentado de forma direta nesses encontros — também foi apoiado por vários países. E um pioneiro fundo de US$ 5,5 bilhões para proteção de florestas tropicais foi lançado.

Para deixar claro, estamos falando mais de um passo hesitante do que de uma guinada completa em relação ao “business as usual” da COP. Os negociadores ainda passaram horas debatendo textos legais que confundiriam qualquer observador externo, sem falar daqueles que entendem a velocidade com que o mundo avança rumo a mudanças climáticas inéditas.

Não há garantia de que os novos esforços trarão melhorias significativas. Ainda assim, o Brasil iniciou o trabalho há muito atrasado de redesenhar como o mundo enfrenta um dos maiores desafios da nossa era. Pode não ser a resposta final, mas é um começo.

Leia a publicação original em: https://www.ft.com/content/8e8f960f-1b25-4c10-b4a5-a0c745ad9054