Exageros no uso da tecnologia agravam níveis de ansiedade
No Brasil, país mais ansioso do mundo, acordar e não mexer imediatamente no celular se tornou um desafio
Há pouco mais de dez anos, acordar era um ritual que envolvia costumes básicos, como a higiene pessoal de cada um e a primeira refeição das pessoas. Hoje, no entanto, com o advento da tecnologia, as atividades relacionadas aos hábitos matinais passaram por mudanças notáveis. No Brasil, país mais ansioso do mundo, acordar e não mexer imediatamente no celular se tornou um desafio; specialmente para os jovens.
A Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 9% da população brasileira sofra de ansiedade ou outros transtornos que podem ser agravados através do estilo de vida adotado pelos indivíduos. Criado pela Fundação Getúlio Vargas, o Indicador de Confiança Digital (ICD) demonstra que grande parte das pessoas acredita que a tecnologia está diretamente atrelada ao aumento dos níveis de ansiedade da população.
Conforme indica o ICD 2021, os jovens compõem o grupo menos otimista em relação à tecnologia e seus benefícios para a sociedade. Em uma escala de um a cinco, pessoas entre 13 e 17 anos relatam se sentir 2,92 pontos confiantes diante da realidade digital. E uma das justificativas mais recorrentes para este índice é a afirmação de que a tecnologia gera angústia e ansiedade nos adolescentes. Com a chegada da pandemia de covid-19, a estudante Gabrielle Nóbrega viu seu tempo em frente às telas aumentar consideravelmente. Segundo a jovem, desde o início do isolamento social, cerca de oito horas de seu dia passaram a ser dedicadas exclusivamente às relações desenvolvidas em rede. Neste empo, a garota se divide entre as aulas ministradas on-line e as redes sociais, usadas por ela para expressar seus gostos: “Geralmente, sou bem ativa, gosto de falar sobre as coisas que tenho interesse, como filmes, séries e livros”.
Aos 16 anos, Gabrielle está no grupo de adolescentes paraibanos que, de acordo com os dados mais recentes da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), passam mais de três horas por dia em tempo de tela sedentário (aquele utilizado para realizar atividades diversas em frente às telas). Ao todo, 42,5% dos estudantes de escola pública da Paraíba estão inseridos nesta realidade. No ensino privado o número é ainda maior: 62,6% dos alunos matriculados em escolas particulares passam mais de um quinto do dia on-line.
Foi justamente por causa do aumento do tempo de conexão que Gabrielle percebeu a toxicidade que o ambiente digital fomenta. A jovem, usuária do WhatsApp, Instagram e Twitter, notou que, em alguma medida, as redes podem oferecer riscos aos internautas. “Todas as redes sociais têm um certo perigo, varia de acordo com os usuários e como a pessoa age na rede. O Twitter tem uma tendência maior a apresentar comentários perigosos e maldosos”, observa.
Para a psicopedagoga Thays Rodrigues, as redes sociais revolucionaram a comunicação, tornando-a mais ampla. Apesar disso, no entanto, a profissional afirma que seu uso em demasia pode causar muitos danos à saúde dos jovens, tais quais sedentarismo, problemas visuais, distúrbios do sono e introspecção (que, segundo Thays, pode causar ansiedade e depressão).
A psicopedagoga também aponta que a desenvoltura do pensamento crítico é um dos elementos que podem ser impactados na formação de adolescentes com acesso ilimitado às redes. “Estamos vivendo um período em que todos têm opiniões, mas nem todas as opiniões são fundamentadas. Isso interfere diretamente em questões de saúde física e mental, pois cada vez mais os jovens consomem discursos sem nenhuma base científica”, analisa. Depois de passar tanto tempo exposta, Gabrielle sente que, de fato, a digitalização das interações sociais pode moldar a opinião das pessoas. “Atualmente, a disseminação de uma ideologia ocorre virtualmente e é muito fácil ter sua opiniã mudada quando se está neste meio”, confirma a jovem.
Insegurança dos adolescentes pode estar relacionada à falta de diálogo
Ainda que, atualmente, os jovens reconheçam as vantagens oferecidas pelas inovações tecnológicas, o ICD 2021 destaca que esta parcela da população também está, cada dia mais, ciente dos riscos e danos que a presença digital pode causar em suas vidas. Cerca de 53% dos jovens brasileiros, com idade entre 13 e 17 anos, sentem que a tecnologia os deixa mais ansiosos e, de acordo com Thays Rodrigues, isso está atrelado a diversos fatores, como a disseminação de conteúdos negativos.
Como afirma a psicopedagoga, a insegurança dos adolescentes pode até mesmo estar ligada à falta de diálogo e às questões relacionadas a opinião própria e autoconfiança já citadas: “Os prejuízos no desenvolvimento de um pensamento crítico levam os jovens a se sentirem pressionados para seguir os padrões apresentados nas redes sociais”. Thays explica que esta dinâmica faz os adolescentes se sentirem insatisfeitos diante de seus estilos de vida ou mesmo frente a seus próprios corpos. “Em geral, são comparações feitas entre pessoas economicamente desfavorecidas e pessoas com padrões de vida diferentes, ricas”, constata.
Bombardeados por discursos com modelos de vida, gostos e corpos ideais, quase 17% dos alunos de escolas públicas paraibanas já se sentiram ou estão insatisfeitos com o próprio corpo. Os dados são da PeNSE e enfatizam que, devido ao maior acesso a conteúdos digitais, entre os alunos de instituições privadas esse número é ainda maior, representando 27,1% dos jovens paraibanos.
Cobradas pelos padrões ostentados nas redes, 16,2% das adolescentes brasileiras afirmaram à PeNSE que já se sentiram ameaçadas, ofendidas ou humilhadas nas redes sociais. Gabrielle Nóbrega enxerga espaços como o Instagram, por exemplo, como uma zona instável, onde tudo pode acontecer. Na opinião da jovem, a pressão estética é, sem dúvidas, a mais evidente: “Sempre existe um padrão para a pessoa, tanto mental quanto fisicamente. É a busca pela perfeição, com um belo corpo e uma bela mente”.
Monitoramento
Diante deste cenário tão agressivo para esse público que, devido à pouca idadeainda lida com muitas indecisões, Maria das Dores Silva ac mpanha o dia a dia da filha Ellen Mayra da Silva nas redes sociais. “Eu fico observando as redes que ela usa porque, assim, me sinto mais segura e consigo confiar nela também”, explica.
Ellen, que tem 16 anos, não se importa com o acompanhamento da mãe, pois acredita que, de alguma forma, o monitoramento pode ser bom. “Considero todas as redes sociais agressivas. Sempre tem ente brigando”, Ellen comenta que não são raras as vezes em que as pessoas são vítimas de “haters”, os odiadores digitais.
Para a jovem estudante, o tempo que dedica a redes sociais como o Tik Tok é um período de distração. Por conta do receio de ser atingida por outros usuários, Ellen desenvolveu seu próprio método de consumo digital: observar mais do que interagir. “Eu acredito que as redes sociais podem ser nocivas para as pessoas; sou mais do tipo silenciosa”, explica a garota.
Limites
Thays Rodrigue afirma que, no contexto digital, tudo é muitoinstável e, por isso, é necessário identificar ameaças e impor limites ao cotidiano on-line: “Algo que crítico é consumo demasiado de discursos de influenciadores que produzem conteúdo sem nenhuma base científica, tendo consciência do poder que exercem sobre pessoas que os ac mpanham diariamente”. A psicopedagoga nota que a maioria dos seguidores de personalidades conhecidas como “influenciadoras digitais” é amplamente afetada pelo que, na rede, é vendido como verdade.
“Quando as pessoas consomem dessa maneira, não desenvolvem um saber crítico, simplesmente aceitam como verdade absolu a aquele conteúdo que, muitas vezes, pode ser prejudicial em questões de saúde física”, afirma Thays. A psicopedagoga lembra que, atualmente, muitas pessoas têm aderido à onda de procedimentos estéticos desnecessários, por exemplo, e que assistir a tudo isso atrás de uma tela pode prejudicar a saúde mental das pessoas. Por isso, para sair deste ciclo de ódio, Thays recomenda que a cautela seja aliada do bom senso.
“Os prejuízos no desenvolvimento de um pensamento crítico levam os jovens a se sentirem pressionados para seguir os padrões apresentados nas redes sociais”