Anchor Deezer Spotify

Estudo aponta medidas para lidar com mudanças climáticas e insegurança alimentar no Triângulo dos Cocais (MA)

Estudo aponta medidas para lidar com mudanças climáticas e insegurança alimentar no Triângulo dos Cocais (MA)

os perigos climáticos são condições e eventos que representam uma ameaça imediata à saúde, segurança, bem-estar ou à propriedade das pessoas. São fatores como calor, falta de água, chuvas fortes, queimadas descontroladas, chuvas imprevisíveis e desmatamento

Os efeitos das mudanças climáticas estão se tornando mais tangíveis e recorrentes em nosso dia a dia: ondas de calor fora de estação, inundações causadas pelo excesso de chuvas, secas mais prolongadas. Se até recentemente as pessoas tinham mais dificuldade de perceber as consequências da emergência climática, nos últimos meses os fenômenos acentuados dispararam o sinal de alerta. Além das perdas para toda a população, há um entendimento sobre a forma como as mudanças climáticas afetam ainda mais as pessoas em situações de vulnerabilidade socioeconômica, em especial meninas e mulheres.

É nesse cenário que a ONG Plan International Brasil lança o Estudo de Contexto – Mudanças Climáticas e Insegurança Alimentar no Triângulo dos Cocais Maranhenses, que analisa os riscos e impactos causados pelas mudanças climáticas em um nível municipal e comunitário. A pesquisa também se propôs a entender como esses riscos e impactos interferem na segurança alimentar das comunidades dos municípios de Codó, Peritoró, Timbiras, na região conhecida como Triângulo dos Cocais Maranhenses. O estudo teve o apoio da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

É nesta região que acontece o projeto Água, Saúde e Vida, financiado com recursos do Norma Group e da Foundation Center, com o apoio da Plan International Alemanha, para melhorar as condições de vida e saúde das crianças, especialmente das meninas, por meio da implementação e revitalização de sistemas de água, realização de oficinas temáticas com as famílias, formação de comitês comunitários e implantação de hortas comunitárias.

Os três municípios têm características semelhantes, sendo que Codó é o maior deles, com uma população de 114.269 pessoas – Timbiras tem 26.484 e Peritoró, 20.479. É uma região com presença expressiva de comunidades tradicionais de matriz africana ou de terreiro, sendo que Codó concentra 30 comunidades quilombolas, Peritoró tem 12 e Timbiras, 4. Em comum, os municípios também têm históricos de alta vulnerabilidade social – no Maranhão, cerca de 60% da população enfrenta a pobreza, com uma renda mensal de R$ 665,02.

Riscos e perigos climáticos

O estudo foi conduzido em uma abordagem híbrida, com entrevistas e grupos focais presenciais e on-line com 64 abordagens entre partes interessadas, grupos focais e participantes do projeto com um grupo de 115 pessoas (72 mulheres); 24 entrevistas em profundidade com 41 pessoas (24 mulheres); e 40 abordagens de grupos focais e beneficiários, somando 74 pessoas (48 mulheres).

Diante do cenário delicado da posse de terra na região, os impactos causados pelas mudanças climáticas aprofundam as consequências para a população e tornam o dia a dia ainda mais desafiador. A Região dos Cocais se caracteriza por uma transição entre os biomas Amazônia, Cerrado e Caatinga, o que evidencia um contexto bem específico no clima, com alto volume de chuvas concentrado entre os meses de fevereiro e abril e temperatura média anual de 26,5 °C. Os dados mais recentes das estações meteorológicas mais próximas apontam uma tendência de aumento das temperaturas máximas e mínimas anuais e que o volume de chuvas tende a ser menor na estação seca.

O estudo aponta uma série de riscos, perigos e impactos climáticos para a região. Os riscos, que se caracterizam pelo potencial de causar problemas para todas as pessoas, estão listados em três grupos: produtivos e econômicos, à saúde e ao bem-estar, e ao patrimônio. A seguir, alguns exemplos de riscos:

  • As incertezas sobre o clima e a falta de água afetam a variedade e a quantidade de alimentos que as pessoas podem cultivar.
  • Menos campos de pastagem e menos produção de alimentos dos animais por causa da falta de água e das queimadas descontroladas.
  • As pessoas da região às vezes ficam isoladas durante um tempo por causa das inundações, isso impede que elas façam outras atividades além da agricultura.
  • As pessoas estão ganhando menos dinheiro com suas produções de agricultura porque estão perdendo parte de suas produções.
  • O clima muito quente faz com que as pessoas tenham dificuldade para trabalhar e estudar, e a falta de água causa desidratação.
  • As pessoas não conseguem cuidar adequadamente de sua higiene pessoal e nem produzir alimentos por causa da falta de água.
  • As mulheres estão sentindo mais os sintomas da menopausa e com desconfortos maiores durante o período menstrual. Elas têm dificuldade de se manterem limpas e precisam se afastar da escola ou do trabalho por causa disso.
  • As pessoas estão tendo novos ou piores problemas de saúde por causa do calor grande, da fumaça, da qualidade ruim da água e dos alimentos.
  • Aumento de casos de diarreia e de infecção urinária.
  • Morte de animais pela queimada descontrolada nos quintais de criação e áreas comunitárias.
  • Contaminação de águas de poços devido a inundações.

Já os perigos climáticos são condições e eventos que representam uma ameaça imediata à saúde, segurança, bem-estar ou à propriedade das pessoas. São fatores como calor, falta de água, chuvas fortes, queimadas descontroladas, chuvas imprevisíveis e desmatamento. Participantes do estudo relataram que o verão de 2023 “foi longo demais”. O inverno começar e terminar na hora certa é muito importante para a agropecuária local, é no inverno que aumenta a produção de alimentos, inclusive as reservas para o verão. A demora para o início ou um final antecipado podem provocar perdas na colheita. O estudo destaca que “todos os meios de vida baseados na agricultura podem ser afetados pelos perigos climáticos”.

“A Plan International está ativamente engajada no enfrentamento global às mudanças climáticas, um fenômeno cada vez mais comum em nossas vidas. Nosso foco tem se direcionado às experiências das meninas, um grupo particularmente vulnerável a uma série de elementos como idade, gênero, etnia e classe social. Esses elementos aumentam sua exposição aos desafios socioeconômicos, situando-as em uma posição de grande risco diante dos efeitos das mudanças climáticas”, afirma Cynthia Betti, diretora executiva da Plan International Brasil.

Insegurança alimentar

A vulnerabilidade social é um fator de risco para uma alimentação não saudável e tende a ser agravada em cenários de extremos climáticos. Os eventos climáticos graves, por sua vez, podem prejudicar os recursos que as famílias agricultoras têm, criando ou agravando situações de insegurança alimentar. Na região do Triângulo dos Cocais, o clima muda ao longo do ano, o que faz com que as pessoas precisem mudar a forma como produzem alimentos. Isso significa que o clima afeta diretamente a quantidade de comida disponível e o dinheiro que as famílias ganham. Assim, todas as comunidades da região estão expostas aos perigos climáticos. Os riscos afetam as comunidades tanto no acesso aos alimentos quanto na disponibilidade, na utilização e na estabilidade. A situação é ainda mais complicada porque do ponto de vista monetário, as famílias ficam descobertas ao não conseguir produzir e vender alimentos. Elas não têm muito dinheiro guardado.

Vulnerabilidades que atingem crianças, meninas e mulheres

O estudo aponta uma série de vulnerabilidades que atingem as crianças, sobretudo durante a primeira infância, dos 0 aos 6 anos. A falta de água e o calor ajudam a criar situações negativas para a saúde e podem estar ligadas ao aumento dos casos de diarreia no verão. Isso preocupa porque o Maranhão é um dos estados com maior proporção de crianças com peso baixo e muito baixo para a idade, na comparação com a média nacional.

Além disso, os dias aumentam a poeira no ambiente, já que muitas estradas vicinais são de terra. Casas próximas às estradas recebem muita poeira quando os carros passam. Com isso, há um aumento no volume de casos de asma tanto em crianças quanto em adultos. Os problemas respiratórios também pioram no tempo seco com as queimadas. O calor forte ainda prejudica as condições de bem-estar. Muitos jovens relatam dificuldades de concentração, pressão baixa, sensação de falta de ar, crises de ansiedade e necessidade de voltar para casa antes do fim das aulas.

Para meninas e mulheres, as vulnerabilidades incluem números expressivos de casamentos infantis e gestações durante a adolescência. Elas também precisam se deslocar para lugares distantes para ter acesso a cuidados com a saúde e ficam responsáveis por tarefas domésticas e de cuidados, que incluem buscar água para suas famílias. Nas comunidades alcançadas pelo projeto Água, Saúde e Vida, 49% das meninas e mulheres têm dificuldades para manter a higiene durante seu período menstrual. Elas vivem em comunidades que receberam um poço artesiano e que até então não tinham acesso à água. Ainda assim, a maioria das casas não têm banheiros internos.

Recomendações

O estudo faz uma série de recomendações para a região, entre elas descobrir e incentivar maneiras de as famílias guardarem comida para que tenham o suficiente durante o ano todo, promover estratégias de gestão da água, apoiar as famílias na produção de alimentos em seus quintais e as hortas comunitárias. Os resultados do estudo serão divulgados a decisores políticos, participantes de projetos e outras organizações.

Fonte:  Envolverde