Anchor Deezer Spotify

Especialistas em saúde mental dão dicas sobre como reagir a notícias trágicas sem entrar em depressão

Especialistas em saúde mental dão dicas sobre como reagir a notícias trágicas sem entrar em depressão

Crise econômica. Pandemia. Ataques à democracia. Aquecimento global. Guerra. Violência, muita violência. O mundo não dá trégua, e o noticiário também não. Mas, às vezes, a sequência de notícias duras provoca uma sensação de desânimo que pode afetar a saúde mental de algumas pessoas. Uma vez que não dá para fingir que as coisas não estão acontecendo e se manter informado é absolutamente essencial nos dias de hoje, é preciso desenvolver ferramentas para lidar com tudo isso da melhor forma.

Uma pesquisa da Associação Americana de Psicologia feita em 2017 mostrou que mais de 50% dos americanos diziam se sentir estressados, ansiosos, cansados e com dificuldades para dormir em razão das notícias ruins. De lá para cá, não há motivos para imaginar que o cenário tenha melhorado, pelo contrário.

De acordo com o psicólogo Stélios Sdoukos, da The School of Life, o noticiário pode contribuir para deixar a pessoa mais pessimista e ansiosa, aumentando sintomas depressivos. O vínculo não é, necessariamente, direto, no entanto, o contexto de desesperança interfere.

— As pessoas se sentem cada vez mais afetadas pelas notícias, como crimes hediondos como o do médico que estupra pacientes ou de um homem que mata a família toda. Não há como ficar indiferente. Hoje estamos expostos às notícias o tempo todo e precisamos desse contato para entender o que está acontecendo ao nosso redor. Mas o mal-estar é legitimo porque é coerente com aquilo a que somos expostos, ser afetado mostra que nossa humanidade está presente — explica Sdoukos.

Se você é uma das pessoas que anda desanimada com as notícias, veja como lidar com elas de forma positiva:

Aceite o mal-estar

Você fica sabendo de um crime chocante pelo jornal ou pela TV. Sente um aperto no peito, revolta ou tristeza. De acordo com o psiquiatra Ricardo Krause, presidente nacional da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins (Abenepi) a solução não é ignorar esses sentimentos.

— É preciso se permitir sentir as emoções. As pessoas associam emoção ao descontrole e acham que é algo ladeira abaixo, como se ficar triste em um momento significasse ficar deprimido ou desesperado depois. Então, fazem de conta que não estão sentindo nada. Mas não é assim. Quando você não trata da coisa no início, ela progride — explica o médico, salientando que o uso abusivo de álcool e drogas muitas vezes vem dessa tentativa de mascarar os sentimentos.

Tenha consciência

Pare, pense, entenda que algo está acontecendo. É preciso que a pessoa tenha um tempo para assimilar o impacto de uma notícia ruim, sem deixar evoluir o desespero.

Anotar os sentimentos em um diário de papel ou fazer um acompanhamento em aplicativos como o Daylio, com um registro diário de emoções, é muito saudável.

— Faz com que a pessoa não aja no automático. Quando alguém nomeia os sentimentos, presta atenção neles. Quando não presta atenção, torna-se meramente reativo. Inteligência emocional não é só saber lidar com os outros e conter emoções, é saber das suas próprias emoções e agir com consciência delas — diz Krause.

Stélios Sdoukos sugere uma estratégia usada na Terapia de Aceitação e Compromisso (da sigla ACT, em inglês):

— É importante observar os pensamentos. Quando penso “nada vai dar certo para mim”, é importante se afastar disso, adicionando uma frase: “Observo que estou tendo o pensamento que nada vai dar certo para mim”. Isso ajuda a mente a processar que é só um pensamento e não uma verdade absoluta. O manejo não vem da eliminação dos sintomas de ansiedade, mas de uma outra relação com emoções que gostaria de eliminar.

Segundo o psicólogo, para lidar com a ansiedade gerada por essa exposição é importante entender o que pode lhe deixar mais ou menos ansioso. Algumas situações são mais difíceis de serem processadas e “pode ser coerente se afastar, trabalhar sua relação com o consumo de um assunto específico”.

Busque a mudança

O sentimento de indignação diante de alguma notícia pode servir como estopim para uma reflexão — e talvez até para uma ação — crítica e produtiva na sociedade.

— Quando a pessoa lê sobre o crime do anestesista (preso por estuprar uma mulher sedada na sala de parto), ela rechaça. Mas será que na nossa cultura, na nossa comunidade, não alimentamos isso com piadas machistas? No caso da morte de um homem que fazia uma festa com tema de um partido, vale refletir sobre como as pessoas falam de política hoje. O diálogo não existe, está todo estereotipado. Então, se a pessoa sinaliza concordância com um lado, o outro pode transformar um almoço de família numa guerra, quando a interação deveria ser diferente. A gente não dispara o tiro, mas pode disparar tiros simbólicos — diz Sdoukos.

Ricardo Krause considera que partir para a ação pode ser positivo tanto na esfera pessoal, quanto na coletiva:

— O que posso fazer para modificar isso? Agir, fazer coisas, trabalhar comunitariamente, distribuir comida, construir casa, contar história para criança, conversar com idosos. Há muito a ser feito. E aí você faz uma coisa para mudar aquela situação e isso neutraliza a sensação de impotência. É fantástico porque você não se sente paralisado.

O poder da palavra

Evite empregar um discurso pessimista depois de ler alguma coisa que te desanima. Krause alerta que é importante saber que a forma de falar, mesmo que para si mesmo, tem impacto:

— É sério e as pessoas não levam a sério a força das palavras. A comunicação não violenta é um caminho de prestar atenção no que se fala e como se fala. Substitua frases como “está tudo uma droga mesmo”, “é o fim do mundo” ou “pior não pode ficar” por coisas como “vamos achar uma solução” ou “vai passar”. Quando diz algo com esperança, você não permite que o ciclo de desespero se concretize.

Seu universo

Se muitas coisas não vão bem, muitas outras mostram a beleza da vida e inspiram gratidão. É preciso saber onde encontrar isso, seja no seu microcosmo (sua casa, sua família, seu trabalho), seja dentro de si. É para isso que devemos voltar os olhos nos momentos de desalento.

— É importante construir uma vida que tenha sentido para a gente, que vale a pena ser vivida. Os pensamentos podem nos arrastar para um piloto automático e nos levar a uma vida não alinhada com nosso propósito. Esses valores, o que faz o coração bater mais forte, são o porto seguro para voltar — diz Sdoukos.

Krause concorda que é importante separar as coisas negativas do noticiário da vida cotidiana:

— Quando estou com medo, vou lembrar de coisas boas, ver uma cena que me emocione, fazer um carinho num cachorro, tomar um sorvete, brincar com meu filho… É preciso uma caixa de ferramentas contra as coisas que nos deixam desconfortáveis.

O próprio noticiário pode ajudar a trazer esse alívio, com informações sobre coisas prazerosas, como cultura, viagens e gastronomia, além de dicas e orientações para uma vida melhor.