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Entenda como a monocultura de árvores exóticas ameaça a Mata Atlântica

Entenda como a monocultura de árvores exóticas ameaça a Mata Atlântica

Em muitos estados brasileiros, sobretudo no bioma Mata Atlântica, cada vez mais é possível observar extensas áreas de silvicultura ou florestas plantadas para uso econômico. Predominantemente monoculturas de árvores exóticas, essas áreas são geralmente objeto de controvérsia relacionada a seus potenciais impactos ambientais e sociais.

No Brasil, 9,55 milhões de hectares (equivalente a 1,1% do território nacional) são ocupados atualmente por florestas plantadas. Dessa extensão, 96% é coberta por somente dois gêneros de árvores exóticas: o eucalipto (Eucalyptus spp) e pínus (Pinus spp). A silvicultura com espécies nativas — particularmente araucária (Araucaria angustifolia), seringueira (Hevea brasiliensis) e paricá (Schizolobium amazonicum) — vem aumentando, mas ainda ocupa somente cerca de 1% da área de plantio florestal industrial no país.

Nos últimos 30 anos, a área total de silvicultura quase triplicou no Brasil (veja no gráfico abaixo), enquanto a área ocupada por floresta nativa foi reduzida em 12% na Amazônia e em 29% na Mata Atlântica nesse mesmo período.

Expansão da silvicultura no Brasil nos últimos 30 anos. Fonte de dados: Ibá – Indústria Brasileira das Árvores (2021) e FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (2020). (Foto: TNC Brasil)

A Mata Atlântica é o bioma onde se encontra a maior proporção da área de silvicultura no Brasil, 34% do total. A cada 100 hectares de florestas na Mata Atlântica, 11 são ocupados por florestas plantadas com espécies exóticas. Santa Catarina e Paraná concentram mais da metade dos mais de 3,8 milhões de hectares de silvicultura praticada na Mata Atlântica, seguidos por São Paulo, Minas Gerais e Bahia (confira o gráfico a seguir).

Distribuição de florestas plantadas nos estados da Mata Atlântica com área de silvicultura superior a seis mil hectares. Fonte de dados: Mapbiomas. Elaborado pela TNC Brasil. (Foto: TNC Brasil)

Com apenas 12,5% de sua cobertura florestal original devido a séculos de intensa ocupação humana, a Mata Atlântica apresenta uma paisagem florestal bastante fragmentada (mostrada no mapa abaixo). Embora protegida pela Lei da Mata Atlântica (lei nº 11.428), aprovada em 2006, que proíbe o desmatamento de floresta primária e regulamenta o uso da biodiversidade e de recursos naturais, esse bioma continua sendo alvo de perda de vegetação nativa.

Estima-se que cerca de um terço das espécies arbóreas estejam em vias de extinção na porção da Mata Atlântica na região nordeste do país.

Distribuição de florestas nativas e de áreas de silvicultura na Mata Atlântica entre 1990 e 2020. Fonte de dados: Mapbiomas. Elaborado pela TNC Brasil. (Foto: TNC Brasil)

Ao longo das três últimas décadas, o desmatamento de floresta primária na Mata Atlântica diminuiu acentuadamente, mas não foi zerado, ao passo que a perda de vegetação secundária foi 2,5 vezes maior entre 2010 e 2019 do que de 1990 a 1999.

Já a área de silvicultura quase triplicou na última década comparativamente à década de 1990. No geral, em termos de área ocupada, a expansão da silvicultura tende a contrabalancear a perda de floresta nativa na Mata Atlântica. Nos últimos dez anos, para cada hectare de floresta nativa perdida, primária e secundária juntas, foram plantados em média 0,84 hectare de floresta com espécies exóticas. Essa expansão não se deu por substituição direta da floresta nativa, mas por plantio em áreas abertas há muito tempo, e se concentrou em algumas regiões.

Tendências de perda de vegetação primária e secundária e de expansão da silvicultura na Mata Atlântica nas últimas três décadas. Fonte de dados: Mapbiomas. Elaborado pela TNC Brasil. (Foto: TNC Brasil)

Da área de floresta plantada atualmente na Mata Atlântica, bem como no Brasil, a maioria (73%) é destinada ao cultivo de eucalipto e 24%, ao pínus, que predomina na região sul do país. O restante é ocupado por outras espécies, entre elas a acácia, a araucária e o paricá.

A silvicultura provê inúmeros produtos de origem renovável, incluindo móveis, livros, pisos laminados, painéis de madeira, papel higiênico e embalagens. Por esta razão, quando praticada em regiões consolidadas há tempos, contribui para a diminuição da pressão de desmatamento de florestas nativas.

Em áreas de florestas nativas muito fragmentadas, como na Mata Atlântica, o plantio florestal comercial pode contribuir para a formação de corredores ecológicos, o que reduz a exposição da fauna a áreas abertas. Também contribui para a remoção de gases de efeito estufa da atmosfera. Estima-se que, a cada ciclo de sete anos, 1 hectare de eucalipto retire da atmosfera 187 toneladas de CO2.  Contudo, é importante destacar que um dos múltiplos usos dos produtos da silvicultura é a produção de carvão vegetal, cuja queima devolve para a atmosfera todo o CO2 sequestrado, além de liberar metais e outras partículas no ar.

Apesar de muitas empresas de silvicultura com espécies exóticas buscarem práticas socioambientais mais sustentáveis e inclusivas, a atividade carrega consigo um histórico de impactos negativos tanto no âmbito ecológico quanto no socioeconômico. Isso inclui desmatamento, conflitos agrários oriundos da concentração fundiária, deslocamento de agricultores familiares e suas consequências em termos de marginalização, subemprego, diminuição de renda e insegurança alimentar.

Do ponto de vista ambiental, muitos estudos têm focado nos impactos da monocultura de eucalipto sobre o ciclo hidrológico e de nutrientes, solo, biodiversidade etc. Por exemplo, florestas de eucalipto interceptam menos água da chuva que florestas nativas e geram resíduos orgânicos (folhas e galhos) insuficientes para cobrir adequadamente o solo, aumentando o escorrimento de água na terra e favorecendo processos erosivos e perda de material orgânico.

Além disso, devido ao rápido crescimento, apresentam maior consumo de água em comparação com a vegetação de menor porte, com floresta natural ou plantações com espécies de crescimento lento. Como resultado, em algumas situações, as florestas de eucalipto podem afetar a umidade do solo e o nível do lençol freático. Esses impactos dependem, no entanto, de vários outros fatores, como altitude do plantio, profundidade do lençol freático, condições do solo, nível de precipitação.

Nesse contexto, muitos dos impactos negativos do plantio de eucalipto poderiam ser minimizados com manejo adequado e que leve em conta, previamente, as características das áreas de plantio.

Além disso, impactos negativos da silvicultura podem ser reduzidos por meio de plantios mistos combinando espécies exóticas e nativas ou, ainda melhor, apenas com plantio de espécies nativas. O propósito é que essas paisagens multifuncionais contribuam para a manutenção da biodiversidade e para uma oferta estável de serviços ecossistêmicos, enquanto, no nível comercial, aumentem a oferta de suprimentos.

Plantações florestais com espécies nativas têm um papel importante na promoção de paisagens sustentáveis nos trópicos, contribuindo para a conservação do solo e da água e para a manutenção da biodiversidade. Espécies nativas podem suprir boa parte do mercado de madeira e celulose global e regional, diminuindo a pressão sobre áreas de florestas naturais.

No entanto, a adoção de espécies florestais nativas em projetos silviculturais na Mata Atlântica ainda é baixa. Um dos principais motivos é a falta de investimentos públicos e privados voltados ao desenvolvimento de tecnologia silvicultural para as espécies nativas da região. Além disso, a criação de linhas de crédito, como as que fomentaram o plantio de eucalipto e pínus nos anos 1970, também incentivaria produtores rurais a utilizarem essências nativas em projetos de silvicultura.

Seja qual for a combinação de espécies, as florestas plantadas com fins comerciais, seguindo ciclos de corte pré-estabelecidos, devem ser entendidas como um uso econômico do solo e não como vetor de reposição permanente de florestas nativas, as quais representam sistemas biodiversos socioecológicos muito mais complexos.