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Em importante acordo na COP28, países concordam em “transição”, mas não em eliminação dos combustíveis fósseis

Em importante acordo na COP28, países concordam em “transição”, mas não em eliminação dos combustíveis fósseis

Documento final reconhece que é necessária a redução do uso de combustíveis fósseis, mas não diz como isso será feito e não cita sua eliminação, que é uma meta já acordada para 2050

Quase 200 países presentes na cúpula climática da ONU, a COP28, concordaram com um acordo que, pela primeira vez, apela a todas as nações para que abandonem os combustíveis fósseis para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas.

Depois de duas semanas de negociações por vezes turbulentas nos Emirados Árabes Unidos, o acordo foi rapidamente aprovado pelo presidente da COP28, Sultão Al Jaber, na manhã desta quarta-feira (13). Ele recebeu uma ovação dos delegados e um abraço do chefe do clima da ONU, Simon Stiell.

Apesar do apelo de mais de 130 países, de cientistas e de grupos da sociedade civil, o acordo não incluía um compromisso explícito de eliminação ou mesmo redução gradual dos combustíveis fósseis. Ou seja: o acordo reconhece que é necessária a redução, mas não diz como isso será feito e não cita a eliminação, que é uma meta já acordada para 2050.

Em vez disso, alcançou um compromisso que apelava aos países para que contribuíssem para os esforços globais para a transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos “de uma forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a alcançar zero emissões líquidas até 2050 em mantendo a ciência”.

“O movimento climático mostrou seu poder, ao obter a inclusão do fim dos combustíveis fósseis no texto. Temos muito mais a alcançar nos próximos dois anos, especialmente em relação ao financiamento da transição energética, medidas de adaptação e compensação por perdas e danos, que são uma questão de vida ou morte para regiões como a América Latina. As comunidades tradicionais e as populações mais vulneráveis exigirão ainda mais fortemente que os governos promovam a justiça climática nos próximos dois anos, para garantir que tenhamos na COP30, no Brasil, um marco histórico dos avanços nessas áreas”, disse Peri Dias, gerente de Comunicação da 350.org para a América Latina.

Al Jaber argumentou que o acordo, alcançado no ano mais quente já registrado, foi uma resposta abrangente a um balanço global que concluiu que os países não estavam cumprindo os objetivos do histórico Acordo de Paris, particularmente um compromisso de tentar limitar o aquecimento global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.

“Entregamos um plano de ação robusto para manter o alcance de 1,5ºC”, disse ele. “É um pacote reforçado e equilibrado, mas não se engane, um pacote histórico para acelerar a ação climática. É o consenso dos Emirados Árabes Unidos. Pela primeira vez, temos linguagem sobre combustíveis fósseis no nosso acordo final”, afirmou.

Verdadeiro sucesso estará na implementação

Mas os países do Sul global e os defensores da justiça climática afirmaram que o texto ficou aquém do que era necessário em termos de redução de emissões e financiamento para ajudar os mais vulneráveis a lidar com o agravamento do clima e do calor extremos, e incluía uma linguagem que parecia aplacar os interesses dos combustíveis fósseis.

“A menção no texto da conferência de substituição do uso de combustíveis fósseis é inédita, mas totalmente em desacordo com a realidade de países que projetam um aumento em suas fontes sujas de energia que é 100% maior do que o permitido pelos limites do Acordo de Paris”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Os países agora precisam decidir que verdade irá prevalecer: a do texto da COP, ou a dos seus planos de explorar cada vez mais petróleo, carvão e gás”, completou ele.

“Apesar de não termos um plano claro sobre como se dará a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, o ganho real da COP28 foi colocar tais combustíveis no centro do debate, responsabilidade que nenhuma das 27 Conferências do Clima anteriores tinham assumido. Também celebramos que as partes tenham adotado a proposta dos negociadores brasileiros de se criar um conjunto de atividades para se alcançar a meta de limitar o aquecimento global em 1.5º. E como sabemos, não há como limitar o aumento da temperatura do planeta e seguir explorando os combustíveis fósseis nos próximos anos”, afirma Camila Jardim, especialista em Política Internacional do Greenpeace Brasil.

“A COP28 desenhou as bases para uma COP30, aumentando as expectativas para as próximas metas climáticas nacionais, as NDCs, que deverão ser estabelecidas no Brasil, em 2025. Agora, os países precisam construir com clareza os mecanismos de implementação, especialmente os que dizem respeito a financiamento, capacitação e transferência de tecnologia aos países em desenvolvimento, o que deverá ser debatido na COP29”, completa ela.

Para a The Nature Conservancy, o que os negociadores concordaram na manhã desta quarta-feira representa um passo na direção certa: um chamado para uma transição global que nos afaste de todos os combustíveis fósseis no texto final sinaliza que os governos estão finalmente abertos a lidar com o elefante na sala.

“A questão central nas negociações deste ano foi garantir o consenso global sobre a eliminação progressiva da utilização de combustíveis fósseis – na verdade, reduzir o fornecimento de petróleo e gás. Mas também precisamos reduzir a procura de combustíveis fósseis na economia global. Feito o Balanço Global, o próximo passo do Acordo de Paris é que os países desenvolvam planos e políticas climáticas nacionais mais ambiciosos até ao prazo de 2025. Apelamos a todos os países para que desenvolvam compromissos robustos em toda a economia, que também salvaguardem e maximizem a contribuição da natureza, na nossa jornada coletiva rumo a um mundo mais limpo e mais justo”, pontuou Andrew Deutz, diretor geral de Política Global e Financiamento para a Conservação na The Nature Conservancy.

Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Brasil, fala à mídia no décimo primeiro dia da Conferência do Clima COP28 da UNFCCC. — Foto: GettyImages
Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Brasil, fala à mídia no décimo primeiro dia da Conferência do Clima COP28 da UNFCCC. — Foto: GettyImages

“Estamos felizes com a decisão do estabelecimento de uma troca de para fazer o que a ciência nos diz, última janela de oportunidade para direcionar ações a 1,5ºC. Não podemos, como disse o presidente (da COP28, Sultão Al Jaber), sair daqui sem a firme decisão de enfrentar o debate do ritmo lento da descarbonização do planeta e uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”, disse a ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Brasil, Marina Silva, na plenária após o aceite do texto final.

Para Beto Mesquista, membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil e diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio, houve um avanço, “e é melhor ter algum avanço do que ficar parado”.

“Se a gente pode resumir o conteúdo geral do documento, eu diria que ele é muito forte em termos de sinais, de indicações, de recomendações, mas ainda muito débil, muito pouco assertivo, no que diz respeito a como essas recomendações e como essas situações podem ser implementadas. Um ponto que merece destaque é a sinalização de que a era do petróleo, a era do óleo e do gás fóssil, não deve terminar apenas quando acabar o petróleo ou acabar o combustível fóssil”, afirmou o especialista.