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Em atualização de texto histórico sobre clima, papa Francisco exorta “mundo rico” a fazer mudanças profundas para enfrentar a crise climática

Em atualização de texto histórico sobre clima, papa Francisco exorta “mundo rico” a fazer mudanças profundas para enfrentar a crise climática

Publicada em 2015, encíclica “Laudato Si” trata do cuidado com o meio ambiente e com todas as pessoas. Seu seguimento, “Laudate Deum”, versa sobre o que aconteceu desde então e o que ainda precisa ser feito

Oito anos depois de alertar, em uma tese histórica, sobre a devastação das mudanças climáticas provocadas pelo homem, o papa Francisco publicou na última quarta-feira (4) uma atualização para fazer um balanço e oferecer ideias para ação. Francisco disse que os países do “mundo rico” devem fazer mudanças profundas para enfrentar a crise climática, defendeu os manifestantes pelo clima e instou os governos a fazerem da próxima cúpula climática da ONU, a COP28, um ponto de virada.

No documento, o papa também afirma que tanto as mudanças climáticas quanto as suas causas provocadas pela humanidade não podem ser negadas. “Apesar de todas as tentativas de negar, ocultar, encobrir ou relativizar a questão, os sinais das alterações climáticas estão aqui e são cada vez mais evidentes. Ninguém pode ignorar o fato de que nos últimos anos temos testemunhado fenômenos meteorológicos extremos, períodos frequentes de calor incomum, secas e outros gritos de protesto por parte da Terra que são apenas algumas expressões palpáveis ​​de uma doença silenciosa que afeta a todos”, destacou.

O seguimento da encíclica “Laudato Si” (“Louvado seja você”), de 2015, ocorre poucas semanas antes do início da próxima rodada de negociações climáticas das Nações Unidas, que este ano acontece em Dubai, em meio a alertas de que o mundo está perigosamente fora do curso no cumprimento de seus objetivos em reduzindo as emissões de carbono. O documento divulgado hoje destaca o papel fundamental dos anfitriões da COP28, lembrando que os Emirados Árabes Unidos são um grande produtor de petróleo.

“Podemos continuar a esperar que a COP28 permita uma aceleração decisiva da transição energética. Esta conferência pode representar uma mudança de rumo, mostrando que tudo o que foi feito desde 1992 foi de fato sério e valeu a pena o esforço, caso contrário será uma grande desilusão e comprometerá tudo o que de bom foi alcançado até agora”, disse Francisco.

O novo texto papal, “Laudate Deum” (Louvor a Deus), é “um olhar sobre o que aconteceu e dizer o que precisa ser feito”, antecipou papa Francisco no mês passado. No novo documento, apelou a “uma aceleração decisiva da transição energética” dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, mas alertou contra a dependência de novas tecnologias, como a captura e armazenamento de carbono. “Supor que todos os problemas no futuro poderão ser resolvidos por novas intervenções técnicas é uma forma de pragmatismo homicida, como empurrar uma bola de neve ladeira abaixo”, afirmou.

Francisco chama a atenção ainda para o fato de que, sem uma ação decisiva, o mundo enfrentaria “um ponto sem retorno”: “As nossas respostas não têm sido adequadas, enquanto o mundo em que vivemos está em colapso e pode estar a aproximar-se do ponto de ruptura”, disse ele.

“O trabalho dos líderes espirituais em todo o mundo pode ser a nossa melhor oportunidade de controlar as coisas. Sim, os engenheiros fizeram o seu trabalho. Sim, os cientistas fizeram o seu trabalho. Mas já é hora de o coração humano fazer o seu trabalho. É para isso que precisamos dessa liderança”, refletiu Bill McKibben, ativista climático e cofundador da 350.org e do Third Act, ao The Guardian sobre o novo posicionamento oficial do papa.

Em “Laudate Deum”, o papa ressaltou ainda a necessidade de abandono dos “interesses de curto prazo de certos países ou empresas” e das forças políticas, dizendo que já era tempo de estarem à altura da situação. “Desta forma, demonstrem a nobreza da política e não a sua vergonha. Se estivermos confiantes na capacidade dos seres humanos de transcenderem os seus interesses mesquinhos e de pensarem em termos mais amplos, podemos continuar a esperar que a COP28 permita uma aceleração decisiva da transição energética, com compromissos efetivos sujeitos a monitorização contínua”, afirmou.

Laudato Si

O documento original, de 2015, que tinha quase 200 páginas, dirigia-se não apenas aos 1,3 bilhões de católicos do mundo, mas a todas as pessoas do Planeta, um apelo à solidariedade global para agirmos em conjunto para proteger “a nossa casa comum”. Fundamentada na investigação climática, afirmava claramente que a humanidade era responsável pelo aquecimento global e alertava que o ritmo rápido da mudança e da degradação tinha levado o mundo quase ao “ponto de ruptura”.

Mas também continha uma forte mensagem moral, com Francisco a culpar o consumismo, o individualismo e a procura do crescimento econômico por terem levado a que “o planeta fosse espremido até secar”, analisa a AFP. O pontífice também argumentou que os países ricos devem aceitar que são os maiores responsáveis pela crise climática e ajudar os países mais pobres que mais sofrem.

A encíclica gerou um debate global sem precedentes para um texto religioso, incluindo comentários em revistas científicas. Meses depois, houve um avanço nas negociações climáticas da ONU em Paris, nas quais especialistas disseram que o Vaticano desempenhou um papel significativo nos bastidores. Quase todas as nações da Terra comprometeram-se a limitar o aquecimento abaixo de 2ºC acima dos níveis pré-industriais, e idealmente abaixo de 1,5ºC.

Mas a ONU alertou no mês passado que o mundo não está no bom caminho para cumprir estes objetivos, enquanto monitores climáticos preveem que 2023 será o mais quente da história da humanidade.

“É hora de trabalharmos juntos para parar a catástrofe ecológica antes que seja tarde demais”, disse o papa no mês passado, em discurso em vídeo na Assembleia Geral da ONU.

Impacto

O impacto da “Laudato Si” persiste, no entanto, através de uma comunidade global homônima para partilhar ideias para ação, enquanto o Vaticano também criou uma plataforma que oferece orientação sobre o que pode ser feito.

No quinto aniversário da encíclica, em 2020, o Vaticano apelou aos católicos para que desinvestissem na indústria dos combustíveis fósseis – uma medida que diz ter trazido medidas concretas, embora seja difícil de confirmar.

O pequeno Estado da Cidade do Vaticano também se comprometeu a reduzir as suas emissões líquidas de carbono a zero antes de 2050, embora a sua contribuição para o total global seja minúscula.