DNA da chuva permite mapeamento de espécies de forma não invasiva

Estudo pioneiro na Amazônia utiliza DNA ambiental da água da chuva para mapear espécies de forma não invasiva, apontando contrastes entre floresta nativa e áreas de plantio
A água da chuva que escorre pelas folhagens das florestas tropicais carrega um tesouro invisível: fragmentos de DNA deixados por animais e plantas. Essa assinatura genética, conhecida como DNA ambiental (eDNA), oferece uma janela única para a biodiversidade das copas das árvores, um dos ecossistemas mais inacessíveis e menos explorados do planeta. Uma pesquisa inovadora, conduzida em uma floresta antiga da Guiana Francesa, demonstrou o potencial dessa técnica para revolucionar o monitoramento ambiental.
O estudo, publicado na revista Science Advances, comparou a diversidade genética coletada pela água da chuva em uma floresta primária e em uma plantação de árvores próxima. Os resultados foram reveladores. A floresta nativa apresentou uma riqueza significativamente maior, com identificação de 155 taxa de plantas, 61 de vertebrados e 276 de insetos. Na plantação, os números foram inferiores: 111, 32 e 153, respectivamente. O contraste evidencia o impacto da substituição de florestas por monoculturas na vida silvestre.
A metodologia mostrou-se precisa e localizada. Testes de controle, que incluíram a pulverização de suco de cenoura no dossel, confirmaram que o sinal de DNA permanece detectável por um período entre 8 e 20 dias. A técnica também se mostrou espacialmente precisa, capturando assinaturas genéticas de organismos que vivem a dezenas de metros de distância do ponto de coleta, e não de quilômetros, como pode ocorrer com o eDNA coletado de rios ou do ar.
A abordagem é apresentada como uma alternativa eficiente e não invasiva. Diferente de outros métodos, que podem ser caros e intrusivos, a coleta de eDNA da água da chuva dispensa a necessidade de escalada de árvores ou de equipamentos complexos, reduzindo custos e o distúrbio ao ambiente. Enquanto o eDNA do solo revela principalmente a vida no chão da floresta, a água da chuva oferece um retrato fiel da vida no dossel.
A técnica abre caminho para um monitoramento em larga escala de ecossistemas ameaçados. A capacidade de detectar uma gama tão vasta de organismos – de anfíbios como a perereca Trachycephalus hadroceps a insetos como o gafanhoto Monachidium lunum – de forma tão prática fornece dados vitais para estratégias de conservação. Esta ferramenta pode ser fundamental para descrever a diversidade elusiva das copas das florestas tropicais e para informar políticas robustas de proteção ambiental.