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Dispersores de sementes, macacos somente consomem baunilha após aprendizado social

Dispersores de sementes, macacos somente consomem baunilha após aprendizado social

Frutos da baunilha podem conter substâncias tóxicas aos mamíferos, por isso os macacos aprendem a manipular as favas antes de comê-las

Manter a floresta de pé e ao mesmo tempo realizar o cultivo da baunilha significa promover o desenvolvimento sustentável. É que não são apenas os humanos que apreciam os frutos da baunilheira. Na natureza, várias espécies de vertebrados consomem esses frutos e disseminam suas minúsculas sementes. No caso da Vanilla pompona, espécie nativa do Brasil e cultivada no Cerrado, os principais dispersores de sementes são pequenos mamíferos, como ratos, marsupiais e macacos.

O que não se sabia, e acaba de ser revelado por um estudo realizado pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, é que o hábito alimentar dos primatas envolve aprendizado social. Ou seja: populações de macacos que nunca tiveram contato com os frutos de baunilha não os consomem por não saberem como fazê-lo. No entanto, aqueles que vivem no mesmo hábitat que as baunilhas consomem as sementes normalmente.

A baunilha é uma especiaria de alto valor comercial, extraída das favas de espécies de orquídeas do gênero Vanilla. Em seu hábitat natural, a baunilha atrai insetos e, mais raramente, aves como polinizadores, além de vertebrados que dispersam suas sementes. Agora os pesquisadores verificaram, estudando populações de Vanilla pompona, a importância dos primatas na manutenção dessa espécie de baunilha, com a ressalva comportamental de consumir os frutos apenas em seu hábitat natural, no caso, o Cerrado.

Segundo o responsável pela pesquisa, o professor Emerson Pansarin, do Departamento de Biologia da FFCLRP, o cuidado dos macacos está relacionado à presença de cristais de oxalato de cálcio na parede dos frutos, uma substância tóxica aos mamíferos que pode causar danos à boca e ao esôfago e levar à morte por asfixia.

Como consequência, os animais precisam aprender a consumir esses frutos com segurança, pois “não sabem quais os riscos que a introdução de um alimento desconhecido pode oferecer”.

A introdução de um novo tipo de alimento na dieta das populações de primatas comumente “é precedida de um período de escassez de alimentos”, explica o professor.

Homem branco de cabelos castanhos em primeiro plano. No fundo da imagem, uma montanha e o céu.
Emerson Ricardo Pansarin, coordenador do Laboratório de Biologia Molecular e Biossistemática de Plantas da FFCLRP – Foto: Arquivo pessoal

Ao comparar o comportamento dos macacos do Cerrado com os do campus da USP em Ribeirão Preto, a pesquisa comprovou que os animais da população que ocorre no campus da USP apenas examinam os frutos da baunilha, pois precisam aprender como consumir os frutos de forma segura. Após a incorporação do novo alimento à dieta, a informação é transmitida aos demais membros do grupo a partir do aprendizado social.

Produção da baunilha preserva florestas

Atualmente, são conhecidas 110 espécies de Vanilla em todo o mundo; dessas, cerca de 37 espécies são nativas do Brasil, que possui a maior biodiversidade de baunilhas. Pesquisas recentes indicam que o País possui condições favoráveis (vegetação, solo e clima) para o cultivo da baunilha. No entanto, apenas três espécies, além de um híbrido natural, têm sido cultivadas em escala comercial.

Vanilla pompona é cultivada comercialmente nas Américas Central e do Sul, em Trinidad & Tobago e no México (primeiro produtor mundial de baunilha). No Brasil, a V. pompona é distribuída pelas regiões Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte, sendo encontrada principalmente nos biomas da Floresta Amazônica e do Cerrado. A espécie cresce em florestas alagadas e matas ciliares onde macacos forrageiam em busca de alimento.

Foto de frutos de uma espécie de baunilha. Ao fundo, folhas verdes da planta.
Frutos de Vanilla pompona – Foto: Retirada do artigo

Os macacos ingerem as sementes juntamente com as substâncias nutritivas produzidas no interior do fruto. As sementes consumidas passam pelo trato digestivo dos primatas e são dispersas através das fezes. O professor Pansarin afirma que as espécies de baunilha produzem sementes duras e esclerificadas (enrijecida por tecido responsável pela sustentação da planta), que são “resistentes aos ácidos digestivos dos animais”. Esses ácidos escarificam as sementes, descompactando o solo – o que é importante para que a germinação ocorra no início da estação chuvosa, sincronizando os processos biológicos envolvidos na germinação. No aparelho digestivo do animal, “a testa da semente (camada mais externa) é danificada, melhorando a absorção da água e as trocas gasosas entre as sementes e o meio”, afirma.

A viabilidade dessas sementes, de acordo com Pansarin, foi verificada “a partir da coleta das sementes presentes nas fezes”. Segundo o pesquisador, as sementes foram desinfetadas e semeadas in vitro (colocadas em um meio de cultura apropriado para a germinação). Esse processo, realizado no laboratório, é chamado de cultura assimbiótica, pois a germinação ocorre sem o auxílio do fungo micorrízico (na natureza, este fungo é necessário para que a germinação ocorra). Assim, além de fornecer alimento para os animais, o cultivo da baunilha em sistemas agroflorestais (produção que integra mata, animais e a cultura agrícola no mesmo espaço) é uma “importante ferramenta para a conservação e recuperação das florestas”, afirma Pansarin. Esse modelo de cultivo garante a proteção das relações entre a baunilha e outras espécies de animais e vegetais.

Foto de um macaco com as patas em frutos de baunilha. Ao redor, folhas secas.
Macaco manipulando frutos de Vanilla pompona – Foto: Reprodução do artigo

Criação de espécies resistentes ao clima extremo

Laboratório de Biologia Molecular e Biossistemática de Plantas (LBMBP-USP), responsável pelo estudo que observou os primatas como dispersores de sementes de baunilha, se dedica ao estudo de diversos aspectos relacionados à história natural das baunilhas neotropicais, com foco na preservação destas espécies.

Coordenado pelo professor Pansarin, o LBMBP vem, inclusive, produzindo espécies híbridas de baunilhas com a finalidade de “melhorar o perfil aromático dos frutos e criar plantas resistentes às mudanças climáticas”, informa. O laboratório LBMBP produziu o primeiro híbrido registrado para o Brasil. Nomeado de Vanilla Ludmila’s Gold, o híbrido foi registrado na plataforma The Royal Horticultural Society.

O artigo Monkey as seed dispersers of Neotropical Vanilla involves social learning está disponível on-line e pode ser lido aqui.

Mais informações: Emerson Pansarin, pelo WhatsApp (16) 98813-5118, ou pelo e-mail epansarin@ffclrp.usp.br

*Estagiária sob orientação de Rita Stella

**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado