Desertificação é desafio global que ameaça Semiárido brasileiro

A desertificação é um dos processos ambientais mais graves da atualidade. Ela ocorre quando solos férteis, sob a pressão combinada de fatores climáticos e da ação humana, perdem progressivamente sua capacidade produtiva.
O desmatamento, o uso intensivo da terra, o sobrepastoreio, as queimadas e a má gestão da água aceleram esse processo. Já as mudanças climáticas contribuem para intensificar secas prolongadas e ondas de calor que fragilizam os ecossistemas.
De acordo com relatório “The Global Threat of Drying Lands”, da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), mais de três quartos de todas as terras do Planeta ficaram mais secas nas últimas três décadas até 2020 — em comparação com o período de anterior.
A organização também estima que 40% da superfície terrestre já se enquadra em regiões áridas ou semiáridas. Nessas áreas vive um terço da população mundial, em sua maioria em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Segundo Aldrin Martin Pérez Marín, pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), coordenador do Observatório da Caatinga e Desertificação e correspondente científico do Brasil junto à UNCCD, o problema não pode ser reduzido a uma questão ambiental.
“Esse processo […] toca a vida de milhões de pessoas, fragiliza a agricultura familiar, ameaça a segurança alimentar e coloca em risco o futuro da nossa Caatinga – bioma único, 100% brasileiro, que é, ao mesmo tempo, floresta, cultura e esperança”, afirma.
Semiárido brasileiro sob pressão
O Brasil também convive com esse problema. O Semiárido brasileiro é considerado uma das regiões mais vulneráveis do Planeta. Segundo o Insa, quase 30 milhões de habitantes, estão concentrados áreas onde a desertificação já é uma realidade.
Ainda conforme o Instituto, cerca de 85% do Semiárido apresentam algum grau moderado de desertificação, enquanto 9% estão desertificados. Para o pesquisador, compreender a gravidade da desertificação exige olhar para além dos números,e observar também seus efeitos sobre a vida das pessoas.
“Hoje, o País enfrenta desafios climáticos e ambientais que exigem não apenas ações urgentes, mas também uma mudança paradigmática na forma como lidamos com a convivência com a semiaridez. […] Nesse contexto, a desertificação tornou-se um dos maiores problemas ambientais enfrentados pelo Brasil, especialmente no Semiárido”, comenta Aldrin.
Além da degradação ambiental, há impactos diretos sobre a população. Famílias agricultoras ainda enfrentam quedas na produtividade, pecuaristas veem seus rebanhos morrerem pela falta de pastagem, e jovens acabam migrando para centros urbanos em busca de sustento.
“Se a terra adoece, adoece também o povo que dela depende. Agricultores familiares, povos indígenas, comunidades quilombolas e assentados da reforma agrária são os que mais sentem a degradação avançar”, explica o pesquisador.
Desertificação x mudanças climáticas
O fenômeno da desertificação está ligado às mudanças climáticas. A elevação das temperaturas médias, combinada à irregularidade das chuvas, gera um ciclo de degradação que se retroalimenta.

Segundo Aldrin, o processo de desertificação é uma espécie de ciclo vicioso. Inicia com a ocupação de uma área específica, seguida pela derrubada da vegetação nativa, e uso do solo para a pecuária ou agricultura.
Ele ainda completa: “com o uso excessivo e sem cuidados adequados, o solo começa a perder sua fertilidade, fica exposto ao vento e à água da chuva, que levam embora o material fértil, e empobrecem ainda mais a área”.
Esse ciclo é sentido de forma ainda mais intensa no Semiárido brasileiro. A agricultura de sequeiro, predominante na região, depende diretamente da regularidade das chuvas. Quando elas falham, a produção acompanha.
A configuração atual fragiliza a economia regional, gera insegurança alimentar e pressiona os serviços públicos urbanos diante da migração forçada. Portanto, o combate à desertificação é também uma estratégia de adaptação às mudanças climáticas.
A ICID III como espaço de soluções
Para tratar dessa questão, de 15 a 19 de setembro de 2025, Fortaleza sediará a III Conferência Internacional sobre Clima e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas (ICID III). O evento será realizado no Centro de Eventos do Ceará e reunirá autoridades nacionais e internacionais, pesquisadores, gestores públicos, setor produtivo e sociedade civil.
A programação conta com mais de 40 sessões temáticas para discutir mudanças climáticas, adaptação, gestão da água, financiamento verde, educação climática e políticas públicas para territórios vulneráveis.
A conferência é promovida pelo Governo do Ceará em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com realização da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará (Secitece), da Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Ceará (Sema) e da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).
Além disso, o evento conta com a coordenação executiva do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e com apoio de instituições como a UNCCD, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Embaixada da França no Brasil e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
“A ICID III, que será realizada em Fortaleza, é mais que um evento: é um grito coletivo para que o mundo reconheça que não haverá solução para a crise climática sem enfrentar a desertificação”, afirma Aldrin.

Já a secretária da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará, Sandra Monteiro, ressalta o papel do Estado no cenário internacional: “a ICID 2025 é um marco importante, não apenas por reunir especialistas de diferentes países, mas também por demonstrar o potencial do Ceará em apresentar soluções aplicáveis a contextos de vulnerabilidade”.
Um dos resultados esperados será a Carta de Fortaleza, documento que reunirá recomendações construídas durante o encontro e será apresentado na COP 30, em novembro, em Belém.
Uma agenda de futuro
O combate à desertificação precisa estar no centro das políticas públicas brasileiras e internacionais. Além de programas de recuperação ambiental, são necessários investimentos em pesquisa, incentivo à Agroecologia, inclusão social e mecanismos de financiamento adequados que permitam a adaptação de territórios vulneráveis.
Para o pesquisador do Insa, a regeneração da Caatinga mostra que a desertificação pode ser enfrentada com ciência e saberes locais: “A desertificação é um processo duro, mas não inevitável. A Caatinga nos ensina que é possível regenerar, que o Semiárido pode florescer quando ciência e saberes locais se encontram”
A secretária Sandra Monteiro pontua que a ICID III é também um momento de projetar soluções a partir do Ceará para o mundo. Para ela, a iniciativa é uma oportunidade de colocar em evidência o que o Ceará tem desenvolvido em termos de ciência e tecnologia, colaborando de forma efetiva para os debates da COP30.
Diante da urgência de enfrentar a desertificação e seus impactos sociais, econômicos e ambientais, o Semiárido brasileiro se coloca como território estratégico para o debate climático global.
Serviço
O que: III Conferência Internacional sobre Clima e
Desenvolvimento em Regiões Semiáridas (ICID III)
Quando: 15 a 19 de setembro de 2025
Onde: Centro de Eventos do Ceará – Fortaleza (CE)
Mais informações: icid2025.com.br
Inscrições gratuitas: ICID no Sympla