Descoberta de nova espécie de margarida não se limita a mera curiosidade ecológica
Segundo Sérgio Tadeu Meirelles, os genes envolvidos na resistência dessas plantas podem servir para a inclusão naquelas que são usadas na alimentação ou em forragem para animais
Uma nova espécie de margarida (Wunderlichia capixaba) foi descoberta recentemente por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) e do Instituto Nacional da Mata Atlântica. A planta é natural do sul do Espírito Santo, região dos inselbergues (ilhas de montanhas). Mas a história é quase tragicômica: mal foi descoberta, já está em risco de extinção. Resumo da ópera: uma florzinha amarela foi descoberta nos inóspitos desfiladeiros capixabas – e aí? O professor Sérgio Tadeu Meirelles, do Instituto de Biociências da USP, explica a relevância dessa novidade: “Uma espécie nova é como um novo código, um novo livro onde estão registradas as formas de organismo. Um código novo pode conter instruções que ainda não foram vistas e que podem trazer informações importantes e potencialmente úteis para o homem em diversos aspectos”.
O fato de que a margarida cresce em um lugar tão incomum é um fator que acrescenta ainda mais importância: “A descoberta de uma espécie nova em um ponto isolado de nosso território pode acrescentar muito sobre os eventos do passado, da biosfera, que levaram a esse isolamento e, possivelmente, o efeito de mudanças climáticas no passado, algo bastante importante hoje em dia”.
Aplicações bem concretas
Apoiadas quase que só sobre pedra, a Wunderlichia capixaba tem muito pouco solo disponível para crescer, sem solo e sem lugar para armazenar água. “Se ela não tem acesso à água, também não tem acesso aos nutrientes, isso significa que a planta só tem aquele instante da chuva para poder absorver a água. Nós encontramos plantas que armazenam a água em alguns tecidos, plantas que obtêm água diretamente da atmosfera e plantas também que entram num tipo de dormência durante períodos sem chuvas e podem restabelecer o crescimento quando a chuva volta. São tolerantes à dessecação, muitas delas, e isso é um elemento interessante para a pesquisa no mundo inteiro”, afirma Meirelles.
Essa característica especial, segundo o botânico, não se limita a uma mera curiosidade ecológica. Para além da ciência como um fim em si, entender e documentar melhor essas plantas pode trazer resultados bem concretos: “Os genes envolvidos na resistência dessas plantas podem servir para a inclusão em plantas que são usadas na alimentação ou em forragem para animais. Existe bastante pesquisa nessa direção, mas ela continua, então ter posse dessa informação que está nessas plantas pode ser muito interessante para o homem”.
A região dos inselbergues
Mas, infelizmente, a região dos Inselbergues, por mais magnífica que seja, sofre com a falta de preservação. “As áreas de afloramento rochoso como essas são bastante sujeitas a danos por diversos fatores e um dos piores, um dos mais eficazes em destruir completamente a flora desses lugares é o fogo.” O último mês de agosto se tornou o segundo pior no Espírito Santo em quantidade de focos de incêndio desde 1998, quando os dados começaram a ser contabilizados.
“Como essas plantas crescem sobre um solo muito restrito ou muito pouco solo, elas têm um crescimento muito lento, e a planta fica completamente exposta ao fogo. Na hora que passa o fogo sobre a rocha, geralmente vindo de baixo, o resultado é a eliminação completa, não resta às vezes absolutamente nada, nem a marca do que existia ali sobre a rocha”, conta o professor. Ele acrescenta que não é da natureza do bioma do Espírito Santo sofrer com queimadas. Não é como o Cerrado, em que o fogo faz parte do ciclo natural; segundo ele, as queimadas nos inselbergues são “100% humanas” e desde o século 19 o fogo já era produzido pelos sitiantes para “limpar” o mato. Hoje a prática continua acelerando o processo de desmatamento e perda de biodiversidade.
*Sob responsabilidade de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira