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Da baixa imunidade às novas variantes: o que está por trás do aumento das doenças respiratórias

Da baixa imunidade às novas variantes: o que está por trás do aumento das doenças respiratórias

Dados da Fiocruz mostram salto de 43% na faixa etária de 0 a 11 anos; Pernambuco tem fila de bebês para UTI

Nesta segunda e terça-feira, dois bebês, de onze e um mês, morreram com uma infecção viral na fila de espera para um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na rede pública de saúde de Pernambuco. O estado vive um surto de infecções respiratórias em crianças, com 45 pessoas à espera de um leito na UTI pediátrica, que está com taxa média de 82% de ocupação, segundo a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE). A pasta afirmou que o número de solicitações para a unidade intensiva chega a ser 3,5 vezes maior que o do último ano, o que “extrapola qualquer planejamento”.

Em nota, a SES-PE atribuiu esse crescimento à “maior exposição das crianças aos diversos vírus” após períodos mais severos da pandemia. E essa explosão que o estado nordestino vive não acontece apenas lá. Segundo informações do sistema InfoGripe da Fiocruz, que utiliza dados do Ministério da Saúde, nos quatro primeiros meses de 2022 foram registrados no país 35.603 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em crianças de 0 a 11 anos, um aumento de 43,1% em relação ao mesmo período de 2021, quando esse número era de 24.878.

Essa incidência é significativamente maior entre aqueles de 0 a 4 anos, com a faixa etária sendo responsável por 21.049 dos casos de SRAG nos primeiros meses de 2022. Já as crianças de 5 a 11 anos contabilizam 3.829 ocorrências no mesmo período. As SRAGs são síndromes respiratórias associadas a uma série de vírus, como o da Covid-19 e o da gripe.

Por isso, parte desse aumento pode ser explicado pela chegada da variante Ômicron no início do ano, que provocou um impacto maior na população infantil do que nas demais faixas etárias, explica o pesquisador em saúde pública na Fiocruz Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe.

— Na população adulta, a variante não provocou tantas internações graças à vacinação. O público de 0 a 4 anos, que não tem vacina, e de 5 a 11, que estava ainda começando o esquema vacinal, teve um impacto muito grande. E essa cobertura é baixa até hoje — afirma Gomes.

No entanto, embora a partir de fevereiro o país tenha vivido uma melhora no cenário epidemiológico da Covid-19, com os casos de SRAG na população adulta caindo, a situação de infecções respiratórias em crianças continuou a subir. Na primeira semana de fevereiro, logo após o pico da variante Ômicron no Brasil, foram registrados 1.022 casos de SRAG na faixa de 0 a 11 anos, enquanto nos últimos sete dias de abril esse número foi de 2.615, um crescimento de 155,9%.

Em relação apenas aos testes positivos para infecções virais, nesse mesmo período o Hospital Infantil Sabará, em São Paulo, observou um aumento de 2.300%. E tanto os testes positivos na unidade, como os casos de SRAG no Brasil, continuam em patamares elevados nas primeiras semanas de maio.

Fatores por trás do aumento

A pediatra do Hospital Copa D’Or Clarisse Savastano vive essa realidade e conta que, apenas nesse mês, teve oito crianças que atende em seu consultório internadas com pneumonia, um número muito acima do comum. Para ela, um possível motivo é que o tempo em que os pequenos estiveram em isolamento social, embora tenha os protegido da Covid-19, possa agora ter levado a uma proteção menor contra outros vírus respiratórios característicos da infância.

— A gente tem visto, principalmente nas crianças menores, um agravamento das doenças. Casos graves com vírus que normalmente causavam apenas resfriado comum, especialmente nessa época do ano. Uma possibilidade é que as crianças que passaram pela pandemia não tiveram aquele primeiro contato que acontece na pracinha, na primeira fase de formação do sistema imune. Então elas estariam com uma imunidade mais baixa mesmo — afirma a especialista.

O pediatra e presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri, explica que em todo o outono, pelas baixas temperaturas e acúmulo de pessoas em locais fechados, há um aumento expressivo dos casos de doenças respiratórias, mas concorda com Clarisse que a baixa imunidade pode estar provocando esse crescimento fora do normal em 2022.

— O que tem de diferente nesse ano é que o aumento comparando com os últimos dois anos é muito expressivo. Isso porque o protagonismo da Covid-19 não deixou que os outros vírus respiratórios circulassem tanto, o que fez com que tivéssemos acúmulos de crianças nascidas de 2019 para cá sem exposição a nenhum tipo de vírus. Isso faz com que seja alto o número de suscetíveis agora nessa idade — afirma Kfouri.

Os especialistas ressaltam que todos esses fatores acontecem no momento em que o país flexibiliza as medidas restritivas, como máscaras e distanciamento social, tornando a contaminação tanto pela Covid-19, como pelos demais vírus respiratórios, ainda mais propícia.

— Antes, a gente ainda tinha uma série de cuidados em vigor e o início do ano letivo em 2021 ainda foi de forma híbrida em muitos locais. Então o risco de as crianças serem expostas a vírus respiratórios era muito mais baixo. Neste ano a gente está vendo o inverso, abrimos mão de uma série de cuidados, o que fez com que outros vírus respiratórios voltassem com muita força em fevereiro e março na volta às aulas — explica Gomes, da Fiocruz.

Risco elevado em crianças

Isso acontece no contexto em que, no geral, as crianças são mais suscetíveis a infecções respiratórias. Como o sistema imunológico desse grupo ainda está em formação, e não desenvolveu uma série de anticorpos e imunidade celular, elas acabam sendo mais afetadas por esses patógenos.

Essa realidade leva hospitais pediátricos a estarem com a capacidade cheia em diversos pontos do país. Além dos casos em Pernambuco, Santa Catarina afirmou, nesta segunda-feira, por meio da Secretaria Estadual de Saúde, que “tem crescido o número de consultas de crianças com sintomas respiratórios, e a taxa de ocupação de leitos de UTI pediátrico para tratamento de síndromes respiratórias em crianças no Estado tem alcançado índices de 100%”. Unidades em São Paulo, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Sul e Espírito Santo também têm relatado ocupação elevada de leitos.

Lá, a predominância é de casos ligados à Influenza, vírus causador da gripe, que podem ser evitados pela vacina. Porém, segundo dados do Ministério da Saúde, em 2021, apenas 74,5% das crianças foram imunizadas, o que preocupa especialistas por ser considerado significativamente abaixo dos 90% recomendado e não indicar um bom sinal para o desempenho da campanha neste ano.

— Uma coisa importante para esse aumento dos casos é o calendário vacinal, que deixou de ser atualizado. Nesse período, o fato de muita gente não ter vacinado seus filhos para a gripe deixou mais uma porta de entrada para uma infecção respiratória — explica Clarisse, do Copa D’Or.

Nessas faixas etárias, além da Covid-19 e da Influenza, há a prevalência alta de infecções por outros agentes, como os adenovírus e rinovírus, que causam resfriado, e, principalmente nas crianças de 0 a 4 anos, o Vírus Sincicial Respiratório (VSR). O último boletim da Fiocruz reforçou que há um aumento significativo neste grupo das SRAG relacionadas ao VSR. Um levantamento do Instituto Todos pela Saúde mostrou ainda que, na última semana, mais de 40% dos casos de infecções respiratórias de crianças foram pelo vírus.

Ele é um patógeno conhecido pelos especialistas e perigoso especialmente para crianças, uma vez que grande parte dos adultos foram infectados quando pequenos e desenvolveram anticorpos que perduram durante a vida. Um estudo publicado recentemente na revista científica The Lancet estimou que mais de 100 mil crianças de até 5 anos no mundo morreram devido à infecção causada pelo VSR em 2019, e cerca de 33 milhões tiveram um quadro respiratório provocado pela contaminação.

Esses vírus não costumam provocar grandes preocupações, já que a maioria das crianças é infectada e apresenta sintomas leves. Porém, isso costumava acontecer em momentos diferentes da infância de cada um, sem sobrecarregar os hospitais. Agora, pela realidade em que um alto número de crianças está suscetível ao mesmo tempo, os pediatras orientam que os pais estejam atentos a lugares fechados, com aglomerações, e deem preferência à interação ao ar livre, onde há menos risco de infecção.

Eles também reforçam que, em caso de sintomas, não se deve colocar o pequeno em contato com outras pessoas, como na escola, pois isso favorece a disseminação de um vírus.

— Os sinais mais frequentes são sintomas gripais, falta de ar, cansaço, febre alta, fatores que os pais devem estar em alerta e, se for o caso, conversar com o seu pediatra ou procurar um serviço de saúde — orienta Kfouri.