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Córnea produzida com colágeno de porco pode restaurar visão de humanos

Córnea produzida com colágeno de porco pode restaurar visão de humanos

Em estudo piloto, biomaterial recuperou o sentido de 20 pacientes do Irã e da Índia que conviviam com ceratocone, condição que prejudica a córnea e pode causar cegueira

A deficiência visual afeta uma parte considerável da população mundial — e a córnea é umas das estruturas mais comprometidas nesses casos. Cerca de 12,7 milhões de pessoas em todo o mundo estão cegas por prejuízos nesta estrutura. Uma vez que o transplante de córnea por doador humano é algo dificil de se conseguir, pesquisadores da Universidade de Linköping (LiU) e do instituto de pesquisa LinkoCare Life Sciences AB, ambos na Suécia, desenvolveram um implante de córnea modificado por bioengenharia que promete restaurar a visão de deficientes visuais.

O implante desenvolvido pelos cientistas é feito de proteína de colágeno da pele de porco e se assemelha à córnea humana. Em um estudo piloto, a utilização deste material restaurou a visão de 20 pessoas com córneas doentes, a maioria das quais eram cegas antes de receber o implante. Os resultados promissores foram divulgados na revista Nature Biotechnology nesta quinta-feira (11).

Neil Lagali, professor do Departamento de Ciências Biomédicas e Clínicas da LiU, relata que estes resultados mostram que é possível desenvolver um biomaterial que atenda a todos os critérios para ser usado como implantes humanos. Isso auxiliaria no maior alcance dos pacientes, já que pode ser produzido em massa — atendendo países onde a necessidade é maior.

“Isso nos ajuda a contornar o problema da escassez de tecido corneano doado e do acesso a outros tratamentos para doenças oculares”, informa o professor, em comunicado.

Fabricando córneas

Atualmente, para aqueles que perderam a visão devido ao comprometimento das córneas, a única maneira de recuperar esse sentido é realizando um transplante com um doador humano. Mas partindo do princípio de que a córnea é constituída principalmente por colágeno, os pesquisadores usaram moléculas dessa proteína derivadas da pele de porco para criar uma alternativa para modelo humano.

No processo de fabricação do implante, os pesquisadores estabilizaram as moléculas soltas de colágeno, formando um material robusto e transparente que poderia suportar o manuseio e a implantação no olho.

Além de criar o modelo alternativo, os pesquisadores também desenvolveram um novo método minimamente invasivo para o tratamento de ceratocone, doença na qual a córnea se torna tão fina que pode levar à cegueira. Um paciente com a doença em estágio avançado só consegue resolver esta questão realizando uma substituição de córnea, que é feita com um procedimento cirúrgico extremamente invasivo.

“Com o nosso método, o cirurgião não precisa remover o próprio tecido do paciente. Em vez disso, é feita uma pequena incisão, através da qual o implante é inserido na córnea já  existente”, disse Lagali, líder do grupo de pesquisa que desenvolveu esse método cirúrgico.

Neste método não são necessários pontos, a incisão pode ser feita com precisão graças a um laser avançado ou , quando necessário, à mão com instrumentos cirúrgicos simples. O método foi testado pela primeira vez em suínos e acabou sendo mais simples e potencialmente mais seguro do que um transplante convencional de córnea.

Após essa etapa, o método cirúrgico e os implantes foram usados em pacientes no Irã e na Índia, dois países onde muitas pessoas sofrem de cegueira e baixa visão por conta de problemas na córnea e onde também há uma falta significativa de córneas doadas e opções de tratamento. Para o estudo, foram escolhidas 20 pessoas com ceratocone, das quais 14 já estavam cegas.

Em um estudo piloto, o implante restaurou a visão de 20 pessoas com córneas doentes (Foto: Thor Balkhed/Universidade de Linköping)
Em um estudo piloto, o implante restaurou a visão de 20 pessoas com córneas doentes (Foto: Thor Balkhed/Universidade de Linköping)

Mais uma vez os resultados foram positivos, após o implante do biomaterial, os pacientes apresentaram boa cicatrização, não apresentaram rejeição do material após o tratamento e, de acordo com os pesquisadores, a espessura e a curvatura da córnea voltaram ao normal. Os pacientes foram acompanhados por dois anos e nenhuma complicação foi observada durante esse período. Além disso, a visão dos participantes melhorou tanto quanto teria melhorado após um transplante de córnea com tecido doado. Depois de dois anos, nenhum deles estava mais cego.

Alternativa vantajosa

A pele de porco usada é um subproduto da indústria de alimentos, tornando-a de fácil acesso e economicamente vantajosa. Atualmente, o transplante de córnea com doador humano alcança apenas um em cada 70 pacientes necessitados, e normalmente são de países mais ricos. Países de baixa renda, onde o acesso é mais limitado, acabam ficando de fora.

“Fizemos esforços significativos para garantir que nossa invenção esteja amplamente disponível e acessível para todos e não apenas para os ricos. É por isso que essa tecnologia pode ser usada em todas as partes do mundo”, disse Mehrdad Rafat, pesquisador por trás do design e desenvolvimento dos implantes.

Além do benefício econômico, este biomaterial tem maior vida útil. De acordo com os especialistas, córneas doadas devem ser usadas dentro de duas semanas, enquanto as córneas de bioengenharia podem ser armazenadas por até dois anos antes do uso.

O tratamento para o caso de rejeição da córnea também apresentou vantagens. Enquanto nos transplantes convencionais o medicamento deve ser tomado por vários anos, neste novo método, foram necessárias apenas oito semanas.

Um estudo clínico maior, seguido da aprovação do mercado pelas autoridades reguladoras, é necessário antes que o implante esteja disnónivel para ser usado na área da saúde. Os pesquisadores também querem estudar se a tecnologia pode ser usada para tratar mais doenças oculares e se o implante pode ser adaptado ao indivíduo para uma eficácia ainda maior.