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COP30: oceano foi reconhecido como peça-chave para o clima

COP30: oceano foi reconhecido como peça-chave para o clima

Se a COP30 de Belém (PA) terminou no último sábado (22) com progressos modestos na agenda de combate à crise climática, ela foi histórica no que diz respeito aos oceanos, avaliam ambientalistas.

“A COP30 marcou um ponto de virada para os oceanos. O tema ganhou centralidade política e foi reconhecido por líderes, especialistas e pela sociedade como peça-chave no enfrentamento da crise climática”, resume a bióloga brasileira Marinez Scherer, enviada especial da conferência para os mares.

O reconhecimento foi traduzido na menção aos oceanos em um dos principais documentos finais da conferência do clima da ONU, intitulado “Mutirão global”. O Mutirão é uma iniciativa classificada pela presidência brasileira da COP30 como um “método contínuo de mobilização que começa antes, atravessa e segue além da COP30”.

Outro destaque foi o lançamento da Força-Tarefa Oceânica, iniciativa anunciada por Brasil e França que busca a fixação de metas governamentais de preservação dos mares. A proposta já tem a adesão de 17 países.

Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície do planeta e são responsáveis pela absorção de cerca de 30% do gás carbônico carbono liberado na atmosfera. Segundo Scherer, entretanto, até a COP 30 menos de 1% do financiamento climático era voltado a soluções para esses ambientes.

Scherer foi a responsável por organizar os debates sobre oceanos em eventos da COP30. Um dos seus objetivos era tentar mudar esse cenário de subfinanciamento.

Ela diz ter deixado a conferência do clima da ONU satisfeita pela criação da força-tarefa e pelo anúncio do chamado Pacote Azul, plano que reúne uma série de ações de governos e organizações não governamentais em prol dos oceanos. O pacote deve receber aportes de até R$ 615 bilhões por ano.

“Conseguimos concretizar importantes ações envolvendo soluções climáticas baseadas no oceano e ecossistemas costeiros, que estão relacionadas também a outros setores”, comemora. “A mensagem que emergiu em Belém foi inequívoca: para que o oceano continue sendo o principal regulador do clima do planeta, é indispensável garantir a saúde dos ecossistemas costeiros e marinhos.”

“Eu acho que a expectativa se concretizou. Desde a COP27 [realizada em Sharm El Sheikh, no Egito], existe um movimento crescente de trazer o oceano para a pauta climática”, acrescenta o professor de Oceanografia da Universidade Federal do Pará, Eduardo Martinelli. “Realmente, o oceano é o ator principal da regulação do clima. Mais importante que a floresta tropical.”

‘O mar se encontrou com a floresta’

Na avaliação da ONG Oceana Brasil, o aumento da relevância dos oceanos nos debates sobre o aquecimento global foi uma das novidades mais positivas da COP30.

“Finalmente, o mar se encontrou com a floresta”, declarou a organização em um comunicado divulgado nesta segunda-feira (24). “Ambos são importantes reguladores climáticos do planeta. Mas, até aqui, o mar não tinha ainda recebido a atenção que merece nas negociações.”

“Eu estive na COP30 e muitas pessoas se interessaram pelos oceanos”, conta o oceanógrafo Ademilson Zamboni, diretor-geral no Brasil da Oceana. “O tema foi a novidade da conferência, e foi muito bem recebido.”

Para a Oceana, o governo brasileiro teve papel fundamental nessa mudança, especialmente com os discursos do presidente Lula na cúpula de líderes mundiais realizada antes da COP30, em novembro, e na Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, que aconteceu em Nice, na França, em junho.

A organização acredita que eventos paralelos à COP30 realizados em Belém também contribuíram para afirmar a relevância dos oceanos para o combate à crise climática.

Durante esses encontros, a Oceana lançou um guia com orientações a gestores públicos para a aplicação de medidas de adaptação da pesca aos impactos das mudanças do clima no Brasil e defendeu um marco legal nacional mais forte para o setor. Já o Instituto Voz dos Oceanos manteve uma casa na capital paraense onde diferentes eventos sobre o assunto foram realizados.

Para Marina Corrêa, analista de conservação do WWF-Brasil, a COP30 marcou um avanço decisivo na integração entre oceano e clima. “É possível dizer que a COP30 foi muito importante para assentar o caminho para o oceano na agenda das próximas COPs”, diz.

Para professor da USP, avanços foram menores do que os necessários

No entanto, a avaliação positiva sobre a consolidação dos oceanos nos debates da COP não é unânime. Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, pondera que os avanços obtidos durante a conferência do clima no que diz respeito à proteção dos mares foram menores que os prometidos e necessários. Para ele, o resultado da Conferência de Belém é frustrante.

“O resultado final da COP30 é desanimador e é desproporcional a um esforço que foi colocado por todo mundo, não só na COP, mas no processo que levou à COP”, diz. “Na COP em si, tivemos um pavilhão de oceano, agendas, eventos paralelos e até uma enviada especial. Mas não se vê o oceano mencionado com destaque na declaração final da conferência.”

De fato, a palavra “oceano” é mencionada uma única vez no “Mutirão global”. No entanto, Zamboni, da Oceana, pondera que, diante do histórico de debates da COP e da quantidade de pessoas focada exclusivamente na redução do efeito estufa, incluir os mares no texto final do evento é um “baita resultado”. “Ainda é pouca coisa, mas já está de bom tamanho”, afirma.

Para Turra, contudo, mesmo o Pacote Azul anunciado durante a conferência do clima é pequeno diante das necessidades de proteção do ambiente marinho e a urgência do aquecimento global. “Ele ajuda no sentido de fomentar as ações relacionadas ao oceano que podem contribuir com a agenda climática, mas não necessariamente resultará no volume que se precisava”, afirma.

O professor da USP lembra que a COP31, em 2026, será realizada parte na Austrália e parte na Turquia. Antes da conferência, haverá discussões em ilhas do Oceano Pacífico, que já sofrem com os efeitos da elevação do nível do mar decorrente do aquecimento global. Ele espera que isso ajude a sensibilizar autoridades para que os oceanos recebam maior atenção. “Que a agenda do oceano não seja meramente uma alegoria, que seja um elemento central nas discussões e nos caminhos para a gente superar as dificuldades”, pontua.

Mariana Andrade, porta-voz do Greenpeace Brasil, concorda. Ela diz que na conferência do clima do ano que vem a organização exigirá “mais coerência, participação social e metas vinculantes que ancorem o oceano nas decisões climáticas”. “E 2026 será ainda mais estratégico, com a primeira COP dedicada à biodiversidade marinha em águas internacionais. O momento de fortalecer a agenda oceânica é agora.”