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Compostos presentes em corantes têxteis são carcinogênicos e não têm regulamentação no Brasil

Compostos presentes em corantes têxteis são carcinogênicos e não têm regulamentação no Brasil

Substâncias utilizadas para tingir roupas que têm em sua composição aminas aromáticas trazem riscos principalmente aos grupos mais vulneráveis, como grávidas, recém-nascidos e crianças

Pesquisadores brasileiros e espanhóis encontraram taxas elevadas de aminas aromáticas (AAs), substâncias presentes em corantes que podem causar danos à saúde, em 48% dos tecidos destinados a vestuário de grávidas, recém-nascidos e crianças de até 3 anos de idade nos dois países. As concentrações desses compostos orgânicos, em mais da metade das roupas comercializadas no Brasil (55%), estavam acima dos limites aceitos em normas nacionais e internacionais.

A escolha das roupas de grávidas, bebês e crianças se justifica, segundo os pesquisadores, pela vulnerabilidade, já que esses grupos são mais propensos a efeitos adversos após exposição às substâncias químicas. Os cientistas informam ainda que, em longo prazo e em situações de exposição crônica, essas substâncias aumentam os riscos de desenvolvimento de câncer.

A pesquisa, publicada na Environmental Research, é resultado do pós-doutorado de Marília Cristina de Oliveira Souza junto ao Laboratório de Toxicologia Analítica e de Sistemas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP. A orientação foi do professor Fernando Barbosa, da FCFRP, junto a seu colega espanhol José Luis Domingo, da Universidade de Rovira i Virgili.

Marília Cristina de Oliveira Souza - Foto: Arquivo Pessoal

Marília Cristina de Oliveira Souza – Foto: Arquivo Pessoal

Marília Oliveira e equipe analisaram 240 amostras de diferentes têxteis, produzidos no Brasil e na Espanha, avaliando a presença de AAs. O critério, segundo a pesquisadora, foram as regulamentações em vigor na União Europeia, Regulamento (CE) n.º 1272/2008 – que classificou 22 AAs como carcinogênicas, proibindo o uso desses compostos em produtos têxteis – e no Brasil pela ABNT NBR 16787 de 07/2019 – Materiais têxteis — Segurança química em têxteis — Requisitos e métodos de ensaio, uma normativa criada de maneira voluntária pelo setor têxtil devido à carência de regulamentação no País.

No estudo, foram determinadas as concentrações de 20 AAs regulamentadas, verificando-se que 16 delas estavam com valores acima de 5 mg/kg (limite aceito) em amostras comercializadas no Brasil. Na Espanha, foram 11 as AAs que ultrapassaram esse limite. Os maiores níveis estavam em roupas de tecido sintético de cor rosa. Entre os maiores riscos para o Brasil, os pesquisadores destacaram as altas concentrações do composto 3,3-diclorobenzidina (amina associada a potencial risco de câncer) em roupas de recém-nascidos e crianças pequenas.

Danos ao DNA e câncer

Aminas aromáticas, ensina Marília Oliveira, são compostos químicos orgânicos que apresentam ampla distribuição ambiental e podem causar danos potenciais à saúde humana. A pesquisadora explica que nas roupas, através do contato com as bactérias presentes na pele, os corantes compostos pelas AAs podem ser degradados ou decompostos nas chamadas aminas primárias, que são absorvidas pela pele em uma proporção significativa.

De acordo com o que já existe de evidências científicas até o momento, a Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC) classifica algumas AAs utilizadas na produção têxtil em 3 grupos: os carcinógenos (Grupo 1 – o-toluidina, 2-naftilamina, 4-aminobifenil), os prováveis carcinógenos (Grupo 2A – 4-cloro-o-toluidina) e os possíveis carcinógenos (Grupo 2B – 4-cloroanilina, 3,3-dimetilbenzidina).

Segundo a pesquisadora, “o perfil carcinogênico das AAs se dá principalmente com a ocorrência do câncer de bexiga e está diretamente relacionado à ativação metabólica do grupo amino e à geração do intermediário reativo durante o metabolismo”, o que significa dizer que resulta em estresse oxidativo e danos ao DNA e proteínas do organismo. Mas lembra ainda que podem causar outros riscos à saúde, incluindo alergias na pele, dermatites, um distúrbio sanguíneo chamado metemoglobinemia e hemólise aguda (destruição de glóbulos vermelhos).

Falta regulamentação no Brasil

O estudo observou que, comparativamente, o Brasil apresenta maiores cargas de AAs em produtos têxteis que a Espanha; fato que, adverte a pesquisadora, pode estar relacionado com a ausência de regulamentação dessas substâncias no País.

Pela falta de lei específica para a utilização das AAs e outros produtos químicos, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), informou ao Jornal da USP que vem sediando e participando de reuniões como a Comissão de Estudo da série de normas de segurança química em têxteis, concluída em 2019 com o lançamento da normativa ABNT NBR 16787. E, também, vem orientando as empresas sobre o tema com a Cartilha de Segurança Química, realizada em parceria com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX) e a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

Ainda segundo a Abit, encontra-se tramitando no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 6.120, de 2019, que estabelece o Inventário Nacional de Substâncias Químicas, a avaliação e o controle do risco das substâncias químicas utilizadas, produzidas ou importadas no território brasileiro, com o objetivo de minimizar os impactos adversos à saúde e ao meio ambiente, e dá outras providências.

Mais legislação e estudos sobre poluentes ambientais

Somada à falta de regulamentação para o uso dessas substâncias estão os limitados dados sobre a exposição humana a compostos cancerígenos, como as AAs, adverte Marília Oliveira. Por isso, ela defende esforços na realização de pesquisas para determinar as concentrações desses poluentes ambientais em fontes de exposição latentes, como o vestuário.

Para a pesquisadora, a produção têxtil deve ser combinada com uma menor geração de poluentes no meio ambiente, ao mesmo tempo que os estudos de avaliação dos riscos para a saúde “devem considerar a coocorrência de substâncias cancerígenas e as potenciais sinergias entre os produtos químicos”.

Com relação às agências reguladoras, a pesquisa orienta que devem “desenvolver planos de mitigação e legislação específicos para reduzir a carga de AAs e outros aditivos em materiais têxteis, especialmente naqueles países sem regulamentações específicas”.

Ouça no player abaixo a entrevista concedida pela pesquisadora à Rádio USP:

Mais informações: no e-mail mcosouza@usp.br ou pelo Instagram @brscience_.

*Sob a orientação de Rita Stella
**Sob orientação de Moisés Dorado