Anchor Deezer Spotify

Como se proteger do sol sem impactar a saúde e a vida aquática

Como se proteger do sol sem impactar a saúde e a vida aquática

Com um pouco de pesquisa e leitura de rótulo, é possível se proteger do sol e preservar os corais de compostos químicos prejudiciais

Para garantir nossa dose diária de vitamina D, os médicos recomendam tomar sol de 15 a 20 minutos, sem protetor solar. Passou desse tempo, precisamos nos proteger para evitar o câncer de pele. Se estivermos na praia, aproveitando areia e mar, o cuidado deve ser ainda maior, mas não só com nós mesmos. Os protetores solares fazem um ótimo trabalho protegendo a nossa pele, só que boa parte deles contêm substâncias tóxicas que são danosas à vida marinha, especialmente aos recifes de corais. Considerada uma espécie de “poluição dos banhistas”, a estimativa é de que 14 mil toneladas de protetor solar atinjam os recifes todos os anos.

Estudando a espécie de coral Favia gravida, em Porto Seguro, Bahia, pesquisadores do Projeto Coral Vivo comprovaram que existe efeito negativo de substâncias de protetores solares convencionais sobre as larvas de corais. “Compostos como oxibenzona e butilparabeno são muito tóxicos e agressivos. Eles deixam o coral imunodeprimido, mais suscetível à infecção por vírus, provocam branqueamento, desregulação do metabolismo e morte”, afirma Miguel Mies, coordenador de pesquisa no Projeto Coral Vivo e pesquisador associado no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.

Os danos dependem da concentração de protetor solar na água, que é maior em ambientes mais confinados, como pequenas baías e piscinas de marés, especialmente em regiões turísticas. O estudo, único sobre o tema no Brasil até o momento, está em revisão para ser publicado. Em nível internacional, o assunto já rendeu vários artigos científicos que comprovaram efeitos fisiólogicos do protetor solar em quase todos os tipos de organismos. Em 2008, pesquisadores do Departamento de Ciências Marinhas da Universidade Politécnica de Marche, na Itália, testaram marcas de protetores solares e identificaram o efeito de branqueamento dos corais, causado por doenças virais após a exposição a compostos químicos.

Foi com base nesse e outros estudos que o Havaí, o arquipélago de Palau e a Tailândia proibiram o uso de protetores solares nocivos aos recifes de corais. No Brasil, o Projeto de Lei 616/2019, em tramitação, tem o mesmo objetivo. Na lista de ingredientes a serem banidos estão oxibenzona, metoxicinamato de octila, octocrileno, 4-metilbenzilideno-cânfora, triclosan, metilparabeno, etilparabeno, propilparabeno, butilparabeno, benzilparabeno e fenoxietanol.

Ainda no Havaí, está em tramitação um projeto de lei para banir outros ativos dos protetores solares que causam danos não só à vida marinha, mas também à nossa saúde. Uma pesquisa dos Estados Unidos identificou que o octocrileno, presente no protetor solar, se transforma em benzofenona, um elemento carcinogênico, disruptor reprodutivo e herbicida. No organismo, um disruptor interfere com aspectos da ação hormonal e pode causar doenças endócrinas.

Todas essas substâncias estão presentes em protetores solares químicos. A boa notícia é que eles não são os únicos tipos disponíveis no mercado. O protetor solar mineral tem ingredientes ativos como óxido de zinco ou dióxido de titânio, que formam uma barreira física que reflete os raios de luz (por isso eles também são chamados de protetor solar físico). “Em geral, são recomendados se você tiver pele sensível ou propensa a acne”, aconselha Rafael Arpini, médico especialista em medicina estética e cosmética e CEO da Scientific Skin Technology, beautytech com séruns dermocosméticos e veganos.

A principal diferença entre os dois tipos, explica ele, é que os filtros solares minerais ou físicos ficam sobre a pele e bloqueiam os raios na superfície, enquanto os filtros solares químicos absorvem os raios como uma esponja. “Desta forma, formulações minerais ou físicas são mais seguras, mas precisam evoluir em textura e leveza para conquistar mais consumidores. Nos químicos, o uso de ativos orgânicos e naturais nas formulações é o grande desafio”, avalia Rafael.

O médico acredita que “a maior dificuldade segue nos custos mas, como tudo na indústria, o aumento da necessidade e da cobrança dos consumidores deve fazer com que isso acabe por ser normativo nas próximas gerações de produtos”. Muitas empresas farmacêuticas e cosméticas estão atentas a essa demanda e vêm desenvolvendo linhas de produtos livres de compostos químicos nocivos, alguns com selos como reef-friendly ou reef-safe (seguro ou amigável aos recifes). Existem pelo menos 13 opções no mercado brasileiro, sendo 11 de marcas nacionais, segundo análise da especialista em beleza sustentável Marcela Rodrigues (@anaturalissima).

Uma delas é a Natura. “[A empresa] proibiu, para novos desenvolvimentos, o uso de determinados ingredientes, como, por exemplo, microplásticos e alguns tipos de filtros solares e silicones, buscando eliminar do portfólio matérias-primas que possam oferecer riscos ao meio ambiente, incluindo o ambiente marinho”, afirma Claudia Léo, diretora de Desenvolvimento de Produtos. O protetor solar da linha Ekos Buriti é do tipo mineral, constituído de filtros físicos (inorgânicos), que são mais seguros para os corais.

A Oxyeau, marca de cosméticos veganos e compostáveis, está estudando uma fórmula para lançar seu primeiro protetor solar em alguns meses. “Estamos levando em conta toda a cadeia produtiva, a microbiota da pele, questões como disruptores hormonais, melhores escolhas de ingredientes, ativos inovadores e toda a vida marinha no desenvolvimento da nossa tecnologia”, conta Bruna Scherr Laignier, Corresponsável por P&D.

Na hora da compra, prefira os protetores minerais aos químicos, mas evite aqueles do tipo mineral que tem nanopartículas – apesar de seguras para os humanos, elas prejudicam os recifes. Com um pouco de pesquisa e leitura de rótulo, você vai poder se proteger do sol e preservar os corais ao mesmo tempo.