Como as bactérias devoradoras de carne são impulsionadas pela mudança do clima

Patógenos mortais têm se desenvolvido em cursos d’água por todo o planeta graças às novas condições de temperatura criadas em decorrência do aquecimento global. No Dia Internacional Contra a Mudança Climática, conheça melhor esta temível co-relação.
Um homem de 77 anos morreu em 21 de julho de 2025, em Bay St. Louis, no estado norte-americano do Mississippi, depois de arranhar a perna em um reboque de barco. A morte chamou a atenção quando se descobriu o culpado por trás do que parecia ser um ferimento rotineiro, mas foi progredindo tragicamente para uma infecção na perna arranhada causada pela bactéria Vibrio vulnificus. Ele é um dos vários casos de infecção que ganharam as manchetes nos últimos tempos.
A bactéria causa bolhas na pele que se espalham rapidamente, danificando o tecido e podendo levar rapidamente à sepse, amputação e até mesmo à morte. Cerca de 150 a 200 dessas infecções graves, mas raras, ocorrem anualmente nos Estados Unidos, e uma em cada cinco pessoas morre poucos dias após a infecção, de acordo com os Centros de Controle de Doenças.
Mais conhecida como bactéria devoradora de carne, a V. vulnificus se desenvolve em águas mornas e salobras – aquela onde a água salgada e a doce se encontram.
Nos Estados Unidos, esses casos costumavam ocorrer principalmente nas águas do sul, ao longo da costa do Golfo da Louisiana e da Flórida, mas agora estão sendo documentados em locais tão ao norte quanto Connecticut, Massachusetts e Nova York. Ao longo das costas do Golfo e do leste, as infecções documentadas aumentaram oito vezes nos últimos 30 anos.

A água salobra, como a encontrada em algumas zonas úmidas, pode favorecer o crescimento de certos micróbios que se desenvolvem em condições quentes e ricas em nutrientes.
Foto de Stefania Pelfini la Waziya, Getty Images
“É a doença transmitida pela água mais cara dos Estados Unidos, porque leva à amputação e à morte, e o tratamento médico é sempre difícil”, diz Jan Carlo Semenza, epidemiologista da Universidade de Umeå, em Estocolmo, na Suécia. Em 2023, ele escreveu um artigo no “The New England Journal of Medicine” que destacava a ligação entre temperaturas mais altas e duas espécies de Vibrio, a bactéria leptospira e um parasita chamado cryptosporidium.
Diante do aquecimento da temperatura do planeta, National Geographic aproveita o Dia Internacional Contra a Mudança Climática, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e celebrado anualmente em 24 de outubro para contar melhor como a mudança do clima está favorecendo patógenos mortais aos seres humanos.

A vila de Fort Myers Beach, na Flórida, vista em 1º de outubro de 2022 após ser atingida pelo furacão Ian. Depois da tempestade que se seguiu ao fenômeno, houve um aumento acentuado nos casos de Vibrio vulnificus, com 28 casos e sete mortes no estado norte-americano, segundo dados do estado.
Foto de Johnny Milano, The New York Times, Redux
Por que as infecções aumentam quando as temperaturas ficam mais quentes?
O artigo de Semenza faz parte de um crescente conjunto de pesquisas que mostram como alguns patógenos aquáticos estão se tornando mais comuns e se espalhando para novas áreas à medida que as temperaturas globais aumentam. Os cientistas também suspeitam que as temperaturas mais altas estão mudando nossa exposição ao risco, criando uma maior demanda por ar condicionado e mais tempo gasto em cursos d’água (como rios, lagos, lagoas, etc) arriscados.
Não só as doenças transmitidas pela água, como a Vibrio, estão encontrando ambientes mais hospitaleiros, mas também estão infectando uma população cada vez mais imunocomprometida por doenças crônicas e menos capaz de combater infecções, diz John Sinnott, presidente de medicina interna da Faculdade de Medicina da Universidade do Sul da Flórida e ex-diretor do Instituto de Doenças Infecciosas da Flórida.
O diabetes, por exemplo, causa feridas de cicatrização lenta que são mais vulneráveis a infecções. E aqueles com enfermidades crônicas como diabetes, doenças cardiovasculares e câncer também são mais suscetíveis a infecções respiratórias graves causadas pelo patógeno transmitido pela água, responsável pela doença do legionário.
“Essas infecções são raras, mas nosso receio é que, se a temperatura da água continuar a subir, elas se tornem cada vez mais comuns”, afirma Daniel Egan, especialista em doenças infecciosas do Orlando Regional Medical Center, na Flórida.

As pessoas se aglomeram em Coney Island, no Brooklyn, durante uma onda de calor que atingiu Nova York em 30 de julho de 2025. Como as temperaturas permanecem mais altas por mais tempo, os especialistas afirmam que isso aumenta o risco de exposição a certas doenças.
Foto de Spencer Platt, Getty Images
Como o aumento da temperatura dos oceanos se relaciona com bactérias mortais
Nas últimas três décadas, as temperaturas da superfície do mar aumentaram drasticamente e, em 2024, a temperatura média global da superfície do mar foi a mais alta já registrada, um aumento relacionado aos gases de Efeito Estufa na atmosfera.
“Há uma relação direta entre o aumento da temperatura da superfície do mar e o aumento dos casos”, diz Semenza.
Ele está particularmente preocupado com as bactérias Vibrio que vivem em águas salobras, onde as temperaturas quentes, a salinidade moderada e os nutrientes na água ajudam as bactérias a se replicarem com particular rapidez. As águas salobras também são o habitat ideal para mariscos como ostras, que podem ser infectados com as bactérias e são frequentemente responsáveis por infecções em humanos.
Embora as bactérias estejam sempre presentes, uma maior densidade de Vibrio na água torna a infecção mais provável. Suas temperaturas ideais variam entre 20°C e 35°C e, à medida que as temperaturas do verão se estendem até o outono, a bactéria é capaz de se desenvolver por mais tempo.
Um relatório publicado em maio do ano passado pelo grupo de pesquisa Climate Central descobriu que, em média, as cidades ao redor do mundo tiveram um mês adicional de dias extremamente quentes.
“Essas infecções são raras, mas nosso receio é que, se a temperatura da água continuar a subir, elas se tornem cada vez mais comuns”
Além de criar condições ideais para a multiplicação das bactérias, Semenza teme que mais dias quentes também levem as pessoas a passar mais tempo na água. Temperaturas elevadas prolongadas também podem reduzir os cursos d’água, aumentando a densidade de bactérias na água que permanece, diz Semenza.
Várias espécies mais comuns de bactérias Vibrio, como Vibrio parahaemolyticus e Vibrio alginolyticus, também estão sendo detectadas com mais frequência, causando sintomas que variam de problemas gastrointestinais a febre e uma infecção cutânea chamada celulite (doença bacteriana comum que afeta as camadas mais profundas da pele e o tecido abaixo dela).
Embora as bactérias Vibrio sejam comuns em águas salobras ao longo da costa, a água doce também pode abrigar micróbios assustadores. E mesmo sendo extremamente rara, a exposição à ameba Naegleria fowleri, por exemplo, é quase sempre fatal, sendo a responsável por dez casos por ano nos Estados Unidos.
Uma vez que entra nas vias nasais, a N. fowleri viaja através do nervo olfativo até o cérebro, onde começa a danificar o tecido. A ameba é extremamente mortal porque não é bacteriana, portanto os médicos não podem tratá-la com antibióticos.
Os casos dessa ameba fatal aumentaram 1,6% ao ano desde 1965 em todo o mundo. O registro mais recente nos em solo estadunidense ocorreu durante o último feriado de 4 de julho na Carolina do Sul, quando um menino de 12 anos morreu após pular no Lago Murray, um reservatório no centro do estado, e ter água infectada entrando em seu nariz.

Como o ar condicionado e os desastres naturais aumentam os riscos de doenças mortais
Outras enfermidades transmitidas pela água, como a doença do legionário – causada pela bactéria Legionella pneumophila, têm apresentado um aumento significativo nos casos à medida que as temperaturas se elevam.
Antes encontrada principalmente nas cidades do nordeste, a Legionella agora é encontrada no meio-oeste e é contraída nos meses quentes do outono, além do verão. As infecções aumentaram mais de 84% desde o início dos anos 2000 nos Estados Unidos, e matam cerca de 10% das pessoas infectadas.
Estudos demonstraram que mais chuvas, maior umidade e temperaturas mais altas podem levar ao aumento da bactéria Legionella na água, mas ela é mais comumente contraída quando um indivíduo inala a névoa contaminada das torres de resfriamento do ar condicionado, banheiras de hidromassagem, saunas, piscinas ou parques aquáticos.
Nesse caso, a exposição pode aumentar como resultado do uso mais frequente do ar condicionado ou de brincadeiras em piscinas, banheiras de hidromassagem e parques aquáticos por períodos mais longos do ano, diz Semenza.
“Contraímos a doença do legionário quando precisamos depender mais do ar condicionado, que é mais prevalente quando está quente”, diz Semenza.
No início do verão de 2025 no Hemisfério Norte, um surto da doença do legionário levou a 114 casos confirmados na cidade de Nova York e foi causado pela névoa contaminada das torres de resfriamento de grandes aparelhos de ar condicionado no East Harlem, que podem espalhar a contaminação por quilômetros.
Além do aumento no uso do ar condicionado, o aquecimento das temperaturas também torna os desastres mais prováveis.
Tempestades poderosas fazem com que os cursos d’água se tornem fossas de esgoto e detritos, diz Egan, e pesquisas mostram que o número de furacões mais intensos, aqueles acima da categoria 3, mais que dobrou nos últimos 40 anos.
Com os detritos e as inundações, as pessoas acabam caminhando em águas contaminadas por bactérias e, se você tiver uma ferida aberta ou cortar o pé em um caco de vidro, ficará imediatamente suscetível a infecções, diz Egan.

As águas rasas da Baby Beach em Dana Point, no sul da Califórnia, têm baixas classificações de limpeza, mas continuam populares entre as famílias da região.
Foto de Mark Boster, Los Angeles Times via Getty Images
Como se proteger de doenças transmitidas pela água
Para infecções que ocorrem em feridas, como Vibrio, a maneira mais fácil de evitá-las é ficar fora da água se você tiver uma ferida aberta na pele. Se você tiver um machucado aberto e exposto, use água e sabão para limpá-lo, troque o curativo a cada 12 horas e não volte à água até que ela esteja cicatrizada, diz Egan.
Os departamentos de saúde locais e estaduais costumam monitorar e emitir alertas sobre altos níveis de bactérias em certos reservatórios de água, especialmente durante as épocas mais quentes do ano. Verifique os sites ou as redes sociais dessas entidades para obter atualizações, e redobre o cuidado quando as águas estiverem mais quentes.
Após um furacão ou grande enchente, não entre em águas turvas onde é difícil ver o fundo — isso torna mais difícil evitar ferimentos e as águas provavelmente estarão poluídas.
Se você se cortar, esteja atento aos sinais gerais de infecção, como febre, calafrios, suores noturnos, fadiga ou sensação de mal-estar. Uma ferida pode estar infectada se estiver vermelha, quente e com secreção de pus.
Infecções mais graves, como a causada pela V. vulnificus, provocam vermelhidão que se espalha rapidamente ao redor do local da infecção em poucas horas e exigem atendimento imediato no pronto-socorro.