Com nova lei de licenciamento ambiental, cidades vão disputar qual libera obra mais rápido, alerta Carlos Minc
Ex-ministro do Meio Ambiente critica afrouxamento de regras e acredita que Lei de Licenciamento Ambiental aprovada pelo Congresso terá pontos derrubados no STF
O ex-ministro do Meio Ambiente e deputado estadual no Rio de Janeiro, Carlos Minc, afirma que a derrubada de vetos do presidente Lula na nova Lei de Licenciamento Ambiental, seguida da aprovação da Licença Ambiental Especial (LAE), medida provisória que dá prioridade a obras de infraestrutura seguindo critérios políticos, podem criar uma “guerra” entre municípios e estados interessados em atrair empreendimentos.
“A possibilidade de regras municipais e estaduais diferentes do Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] pode gerar uma guerra fiscal ambiental, com municípios prometendo carimbar licença em 24 horas”, disse Minc em conversa com Um Só Planeta.
Em 27 de novembro, o Congresso Nacional derrubou todos os vetos do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao então Projeto de Lei sobre licenciamento ambiental (PL 2159/21), exceto aqueles relativos à LAE. O Poder Executivo havia cancelado trechos da lei, agora válidos, que enfraquecem a proteção a terras indígenas em processo de demarcação, simplificam autorização para empreendimentos como a mineração, e extinguem travas contra o desmatamento da Mata Atlântica, entre outros pontos.
“Temos muito mais precipício para escorregar do que pedra para se agarrar e não cair”, afirma o ex-ministro.
A disputa, entretanto, continua, afirma Minc. A judicialização da derrubada dos vetos presidenciais do PL é uma certeza, tanto para o fórum de ex-ministros do Meio Ambiente, que se pronunciou publicamente, quanto para ONGs do setor ambiental. A ideia é levar ao Supremo Tribunal Federal questões que entram em conflito com a Constituição Federal, em relação à proteção ambiental e de povos originários.
“O Supremo tem uma posição majoritária ambiental, então acho que vamos conseguir derrubar alguns desses vetos. Temos pontos da Constituição”, analisa o ex-ministro. Como exemplo, Minc cita um caso do governo Bolsonaro em 2020, quando o partidos levaram ao STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e conseguiram derrubar em cerca de três meses a decisão de diminuir tirar a proteção de manguezais e vegetação de restinga, típica do litoral. Em plenário, os ministros do tribunal consideraram a medida inconstitucional.
“Esses vetos derrubados [na lei de licenciamento] confrontam vários artigos da Constituição, como o princípio da prevenção, direito ao meio ambiente equilibrado, direitos dos povos indígenas… Acho que vamos ganhar várias batalhas dessas no Supremo.”
Com experiência nos círculos do poder em Brasília, e histórico na formulação de leis ambientais, federais e estaduais, Minc vê o Executivo enfraquecido e afirma que se fosse ministro hoje, perderia muitas brigas que afirma ter vencido durante seu mandato (2008-2010) na Esplanada.
“De dez brigas sérias que me meti, como a criação do Fundo Clima e do Fundo Amazônia, impedir a cana de açúcar no Pantanal, legislação de crimes ambientais, operações de fiscalização, implementação das metas de emissões do Brasil, e outras, eu ganhei sete e perdi três. Acho que se fosse com esse Congresso atual, essas emendas [da nova lei de licenciamento] e essa lei [de licença especial], teria ganho uma e perdido nove.”
O ex-ministro afirma que é natural que em governos de coalizão, como o do presidente Lula, haja conflitos representativos da diversidade de visões da sociedade. Contudo, Minc vê uma situação em que o Executivo negocia com o Congresso Nacional tendo uma “faca no pescoço”, o que gera contradições como a postura de liderança global na COP30 seguida de derrotas domésticas de expressão no campo ambiental, dias depois.
Além de servir como atalho para projetos de exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, Minc aponta que a inclusão do asfaltamento de rodovias no regime de licenças especiais abre um espaço perigoso para a Amazônia (com a emblemática BR-319) e outros territórios preservados. “Eles incluíram o asfaltamento como se fosse apenas uma capa de asfalto, mas ignoram uma história de desmatamento da Amazônia, que se dá pelas estradas. Vejo isso com muita preocupação.”
A medida provisória aprovada considera sujeitas à LAE as obras de reconstrução e pavimentação de rodovias preexistentes cujos trechos representem conexões consideradas estratégicas entre os estados. O texto prevê ainda que a LAE será aplicada a atividades ou empreendimentos definidos pelo Conselho de Governo, órgão de assessoramento do presidente da República quanto à política ambiental.
Minc lembra que a BR-319 já era tema de uma das batalhas na Esplanada. “É a área mais preservada da Amazônia, atravessando mais de 40 Unidades de Conservação, terras indígenas, e um asfaltamento sem critério terá um impacto brutal. [Quando ministro] eu brigava todo mês.”
Na avaliação de Fabiana Figueiró, sócia da área ambiental do escritório Souto Correa Advogados, é esperado que projetos relacionados ao PAC (com obras envolvendo transporte, energia, saneamento e demais setores de infraestrutura) venham a ser definidos como estratégicos pelo Governo Federal. “Se isso ocorrer com base em critérios adequados, esse cenário contribuirá para impulsionar a economia e melhorar a qualidade de vida da população”, afirma.
Os especialistas destacam ainda que no texto da LAE há previsão de que as audiências públicas não substituem a exigência de consulta prévia, livre e informada a povos e comunidades tradicionais, conforme previsto na legislação e em tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
A possibilidade de prazos mais céleres (com duração máxima de 12 meses no caso da LAE), para Figueiró não necessariamente significa avaliação superficial dos impactos. “O conteúdo dos estudos é fator central da avaliação adequada dos impactos e medidas mitigadoras e reparatórias. Deve haver, isso sim, equipe dedicada ao tema no órgão ambiental e o estudo apresentado pelo empreendedor deve ser robusto”, pondera.
