Anchor Deezer Spotify

Cientistas recriam hábito de caça de predador extinto do Sul do Brasil

Cientistas recriam hábito de caça de predador extinto do Sul do Brasil

Pesquisa uniu Paleontologia e Engenharia Mecânica para estudar predador do Triássico que já era dotado de uma mordida potente como a de crocodilianos — antes de eles existirem

A morfologia do crânio e da mandíbula de um réptil que viveu há cerca de 230 milhões de anos no Rio Grande do Sul foi reconstruída por cientistas brasileiros. A equipe investigou os hábitos alimentares da espécie Proterochampsa nodosa e estimou a força com que esse animal era capaz de morder suas presas.

Publicado na revista The Anatomical Record no último 19 de janeiro, o trabalho foi feito por pesquisadores das universidades federais de Santa Maria (UFSM) e do Pampa (Unipampa). “Os proterocâmpsios são animais curiosos, porque seu crânio lembra muito o dos atuais jacarés e crocodilos, apesar de não terem nenhum tipo de parentesco evolutivo”, explica Daniel Simão de Oliveira, que liderou o estudo, em comunicado à imprensa. “O interessante, contudo, é que eles adquiriram essa morfologia antes de os primeiros crocodilos aparecerem em nosso planeta.”

Esse predador do Triássico foi descoberto há mais de 40 anos no município de Candelária (RS), mas essa é a primeira vez que análises biomecânicas são realizados a partir dos ossos fossilizados da espécie.

Com uma tomografia dos ossos do crânio, os cientistas criaram um modelo virtual para reconstruir a musculatura do animal. Já a análise biomecânica permitiu entender o impacto da ação dos músculos no crânio dessa espécie, por meio do uso de softwares de simulação virtual e do Método de Elementos Finitos, uma técnica numérica usada para calcular as chances de falha mecânica em projetos de engenharia, como aeronaves.

Modelos demonstram convergência evolutiva. De cima para baixo, observa-se, respectivamente, os crânios do proterocâmpsio (a); gavial-da-malásia (b); e aligátor (c) — Foto: Divulgação
Modelos demonstram convergência evolutiva. De cima para baixo, observa-se, respectivamente, os crânios do proterocâmpsio (a); gavial-da-malásia (b); e aligátor (c) — Foto: Divulgação

“Aplicando virtualmente as forças dos músculos sobre os ossos da mandíbula, fomos capazes de estimar os esforços mecânicos experimentados pela estrutura óssea do animal em diversos cenários de mordida”, relata Tiago dos Santos, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSM, e um dos autores do estudo.

A conclusão é que o animal era capaz de desferir mordidas comparáveis a dos aligátores modernos em uma época em que os dinossauros haviam acabado de surgir no planeta. Apesar disso, os proterocâmpsios sobrecarregavam sua mandíbula com os esforços mecânicos, o que sugere que esse talvez não fosse um hábito, ao contrário do que acontece com espécies viventes com morfologias similares, como o jacaré-americano (Alligator mississippiensis) e o gavial-da-malásia (Tomistoma schlegelii).

Figura à esquerda mostra a distribuição dos esforços na mandíbula do "Proterochampsa nodosa"; cores mais claras indicam os locais onde os esforços mecânicos se concentravam quando ele desferia sua mordida com força máxima. À direita, reconstrução artística do animal em vida — Foto: Márcio L. Castro.
Figura à esquerda mostra a distribuição dos esforços na mandíbula do “Proterochampsa nodosa”; cores mais claras indicam os locais onde os esforços mecânicos se concentravam quando ele desferia sua mordida com força máxima. À direita, reconstrução artística do animal em vida — Foto: Márcio L. Castro.

“Talvez o Proterochampsa guardasse sua mordida poderosa para ocasiões especiais, de modo a poupar sua estrutura de eventuais lesões. Provavelmente fosse um animal generalista, e caçasse desde presas pequenas até animais maiores, da mesma forma que fazem os jacarés atuais”, acrescenta Daniel.

A disciplinariedade do estudo é um de seus destaques. “Unindo especialistas de diferentes áreas, da Biologia à Engenharia, conseguimos ver o Proterochampsa de uma forma que ninguém havia visto antes”, afirma o paleontólogo Flávio Pretto, do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da UFSM. Na Paleontologia, faz-se uso não somente da ciência, mas também da criatividade para recriar o passado remoto. “É um desafio definitivamente instigante”, conclui Pretto.