Cientistas criticam 650 toneladas de gelo para recuperar atletas de Paris 2024

O plano original, segundo artigo, envolvia uma quantidade 25 vezes maior. Só que nenhum fornecedor deu conta de satisfazer essa encomenda. Demanda pode gerar consequências negativas para o ambiente
Os Jogos Olímpicos de Paris 2024, cuja abertura oficial acontece nesta sexta-feira (26), despertam a preocupação de cientistas por um motivo inusitado: a quantidade de gelo solicitada pelo Comitê Olímpico. São, ao todo, 650 toneladas, que serão usadas na recuperação de atletas nas Olimpíadas (450 ton) e Paralimpíadas (200 ton) ao longo de 29 dias de competição.
Um artigo de opinião sobre o tema, assinado por cientistas de vários países da Europa, além de Índia e Catar, foi publicado na revista científica British Journal of Sports Medicine na última quinta-feira (25). Segundo o texto, o o uso de gelo na competição atingiu “níveis extraordinários”. O documento destaca a falta de comprovação de “eficácia clínica” de banheiras geladas na recuperação de atletas e também possíveis impactos ambientais negativos gerados pela cadeia produtiva de quantidades tão grandes de gelo.
O gelo é um recurso amplamente utilizado pelos atletas para tratar lesões e otimizar a recuperação muscular após esforços físicos intensos. Compressas frias e práticas de crioterapia, que consistem em banhos extremamente gelados, são algumas das práticas fisioterapêuticas mais comuns na Vila Olímpica.
Para atender essas necessidades, a organização encomenda grandes quantidades de gelo. Nas Olímpiadas de Tóquio 2020, 22 toneladas foram fornecidas para os locais de competição para uso médico, enquanto 42 toneladas foram entregues na Vila Olímpica – totalizando 64 toneladas.
Para Paris 2024, a quantidade solicitada foi às alturas, e saltou para 25 vezes esse número: 1.624 toneladas de gelo, com um custo estimado de 2,5 milhões de euros. No entanto, nenhum fornecedor independente conseguiu atender a demanda da licitação pública. Isso fez organização dos jogos revisar a estimativa para 650 toneladas (450 para as Olimpíadas e 200 para as Paralimpíadas), segundo dados divulgados pelo artigo.
Essa enorme quantidade de gelo, segundo os pesquisadores, tem um impacto negativo no meio ambiente. A produção, o transporte e o armazenamento de todo esse gelo demandam grandes volumes de energia e água e geram resíduos poluentes.
Uma pesquisa para entender o aproveitamento do material está sendo conduzida e financiada pelo próprio Comitê Olímpico Internacional (COI) – que prometeu cortar as emissões de gases de efeito estufa pela metade em comparação a Tóquio 2020.
Além disso, os pesquisadores também questionaram no artigo o uso do gelo para certos fins que não tem a eficácia médica comprovada. Por exemplo, a imersão em água fria não é aconselhada para a recuperação entre sessões de treinamento intenso, nem para a recuperação imediata ou prolongada após exercícios de resistência.
De acordo com dados obtidos pelos especialistas, os fisioterapeutas nas clínicas olímpicas prescreveram imersão em água fria em aproximadamente 10% dos casos nas Olímpiadas de Atenas (2004) e Londres (2012), mas esse número subiu para 44% no Rio (2016). Desse número, a vasta maioria (98%) foi prescrita para recuperação muscular e uma pequena parcela (2%) para tratamento de lesões.
“Além dos desafios logísticos relacionados à produção, transporte e armazenamento, o gelo é frequentemente usado para obter benefícios que não são baseados em evidências. Mais importante, o gelo pode ter o efeito oposto ao esperado, como regeneração tecidual retardada ou recuperação prejudicada”, escrevem os cientistas no artigo.
No entanto, o gelo pode ser eficaz no tratamento da exaustão térmica após atividades físicas em altas temperaturas e na redução de dores musculares. Os pesquisadores concluem que o gelo ainda deve estar disponível para alívio imediato da dor, recuperação especializada de lesões e tratamento de emergências relacionadas a insolação – já que o continente europeu sofre com uma intensa onda de calor.
Segundo informações do jornal The Guardian, Richard Budgett, o diretor médico do Comitê Olímpico, afirmou que as conclusões do estudo devem contribuir para garantir que o gelo seja utilizado nos Jogos de maneira mais eficaz e racional.
“Além disso, há alternativas de gelo disponíveis, incluindo um sistema de resfriamento com água filtrada resfriada a 10 °C, o que nos permite reduzir consideravelmente o consumo de energia”, disse Budgett. “Continuaremos monitorando esse aspecto cuidadosamente [para] evidências viáveis para reduzir ainda mais a quantidade de gelo usada em Jogos futuros, alinhando-nos com as melhores práticas médicas.”