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Brasil pode se tornar maior hub de exportação de hidrogênio verde do mundo

Brasil pode se tornar maior hub de exportação de hidrogênio verde do mundo

Caminho é longo, mas país reúne condições ideais para produzir em escala a energia que faltava para pavimentar a transição para uma economia de baixo carbono

O primeiro e mais simples elemento da tabela periódica, e também o mais abundante em todo o universo, o hidrogênio (H2) é considerado por especialistas a fonte de energia do futuro, capaz de guiar o crescimento e desenvolvimento da economia mundial atendendo aos objetivos de zerar as emissões de carbono na atmosfera.

Nesse contexto, o Brasil pode se tornar líder mundial, já que tem condições singulares para gerar energia limpa. Dados do Hydrogen Council apontam que a produção e exportação do hidrogênio deverá responder, em 2050, por 20% de toda a demanda de energia global, gerando um mercado de US$ 2,5 trilhões.

O professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), Nivalde de Castro, vem conduzindo estudos sobre o tema e acredita que a transição energética será positiva para o Brasil no contexto de mudanças climáticas. “Podemos nos tornar a ‘Arábia Saudita’ do hidrogênio”, compara.

A analogia com o maior produtor de petróleo do mundo vai demorar ainda. Castro explica que o mundo ainda vive um cenário de indústria nascente. Ele explica que as atividades que utilizam gás natural, petróleo e carvão gradativamente serão substituídas pelo hidrogênio verde.

Nesse contexto de transição energética dos combustíveis fósseis da matriz energética mundial, a nova commodity hidrogênio verde (H2V) em diferentes formas (amônia, querosene, entre outros) vai se tornar fundamental para esta nova economia.

“Qualquer país do mundo que tenha sol e vento pode montar plantas de hidrogênio. A rota tecnológica mais confiável e segura é a produção pela eletrólise, com a quebra das moléculas da água para produzir hidrogênio. Entretanto, esta é uma indústria nascente e as primeiras unidades ainda estão sendo construídas”, afirma.

O acadêmico explica que, como toda tecnologia em fase inicial, esta é ainda muito cara, mas deve baratear ao passo que ganhe escala. “Cerca de 70% do custo de produção é com energia elétrica, ou seja, é uma indústria eletrointensiva”.

Mais de 80% da matriz elétrica brasileira é renovável, o que contribui para tornar o país um dos grandes protagonistas deste novo mercado. Além disso, o Brasil tem um dos menores custos marginais para geração de energias renováveis, o que é fundamental para barateamento do processo de eletrólise e para tornar o hidrogênio brasileiro competitivo.

Fontes como solar, eólica, biomassa, biogás e etanol entram no rol de opções para geração de hidrogênio verde. “A indústria do hidrogênio não será logo para exportação. Ela vai ser principalmente para atender a demanda interna do Brasil. Temos um parque industrial grande e nossa indústria vai ter que produzir o aço verde, o cimento verde, a carne”, explica.

Nos cálculos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil tem cerca de 1,3 milhão de megawatts (MW) de potencial de energia eólica e solar, e a capacidade dos mercados internos latinoamericanos absorverem todo o potencial de geração de energia que têm é baixa, o que coloca a região como um grande hub global de exportação de renováveis.

Mundo de olho no Brasil

Uma série de acordos internacionais são firmados, orientando políticas públicas, planejamento energético e ações empresariais, focados em inovações tecnológicas verdes, estimulando investimentos crescentes em fontes renováveis, com destaque às energias eólica e solar.

Nesse contexto de transição energética, a União Europeia assume um papel de protagonismo mundial em prol de políticas de mudanças climáticas, em função da sua dependência extrema da importação de recursos energéticos fósseis.

Na busca por atender a futura demanda de energia baseada em energias renováveis e de baixo carbono, a Alemanha procura parceiros no mundo para importação de hidrogênio verde e considera que o Brasil pode ser um dos grandes exportadores do energético.

No ano 2000, 16% da energia dos alemães era renovável. Em 2020, saltou para 38%. A meta para 2050 é se tornar neutra para o clima. Por limitações climáticas e geográficas, a Alemanha só consegue produzir 10% do hidrogênio verde necessário e o resto terá que ser importado, já que as fontes eólica e solar para produzir o hidrogênio são insuficientes diante da demanda.

O governo alemão divulgou que financiará sua estratégia nacional de hidrogênio inicialmente com 9 bilhões de euros, dos quais 2 bilhões serão destinados à construção de parcerias internacionais com países que sejam potenciais fornecedores de hidrogênio verde no futuro.

Além do que já foi dito, o olhar especial dos alemães pelo Brasil se justifica também porque 60% das empresas alemãs que trabalham no desenvolvimento de hidrogênio verde têm subsidiárias no Brasil e 95% das companhias globais também têm subsidiárias no país.

Para o gerente de Inovação e Sustentabilidade da Câmara de Comércio e Indústria Brasil Alemanha do Rio de Janeiro (AHK Rio), Ansgar Pinkowski, o problema não é dinheiro, mas, sim, um plano mais robusto dos possíveis parceiros para firmar parcerias.

“Até 2050, a Alemanha se comprometeu a descarbonizar toda sua economia. Ao mesmo tempo, ela enxergou que para isso continuará dependendo de importação de energia, neste caso, o hidrogênio verde (…). A Alemanha está olhando para potenciais futuros exportadores de hidrogênio, e o Brasil é um dos países devido à longa tradição de relações comerciais e industriais”, afirma Pinkowski.

Primeiros projetos

O pontapé inicial desta indústria nascente aconteceu recentemente, com o anúncio de que a Unigel fechou um contrato com a Thyssenkrupp e vai investir US$ 120 milhões na primeira fábrica de hidrogênio verde do Brasil.

A fábrica vai ficar no Polo Industrial de Camaçari (BA) e em sua primeira fase terá capacidade de produção de 10 mil toneladas/ano de hidrogênio verde e de 60 mil toneladas/ano de amônia verde. Na segunda fase do projeto, prevista para entrar em operação até 2025, a companhia pretende quadruplicar a produção de hidrogênio e amônia verdes.

“Dado o potencial do Brasil na geração de energia eólica e solar, a Unigel acredita que o país tem uma grande oportunidade de ser referência para o mundo no hidrogênio verde, solução que traz versatilidade ao transformar energia renovável em matérias-primas e combustíveis carbono zero”, diz o CEO da Unigel, Roberto Noronha Santos.

A Siemens Energy também tem planos aqui. Ao todo, são oito projetos brasileiros de larga escala sendo estudados hoje, e a empresa quer anunciar os primeiros projetos em 2024 ou 2025. A francesa Engie Brasil Energia também negocia parcerias para projetos de produção de hidrogênio verde no Nordeste.

“Estamos empenhados em ter uma posição forte no desenvolvimento de hidrogênio verde no Brasil, que é hoje a mais viável e competitiva forma de apoiar setores que têm uma pesada pegada de carbono com complexas soluções para descarbonização, como siderurgia, mineração, química e petroquímica. Tanto o mercado interno, como eixo de sustentação, quanto a crescente demanda do mercado externo por energia renovável, como impulso à produção, justificam o fato de o Brasil ser foco da estratégia do Grupo Engie para desenvolvimento de projetos de hidrogênio verde”, disse o CEO da Engie Brasil Energia, Eduardo Sattamini, ao Um Só Planeta.

Esforço mundial

Em 2019, na época do lançamento do relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), “O Futuro do Hidrogênio para o G20”, apenas França, Japão e Coreia tinham estratégias para o uso do hidrogênio. Hoje, 17 governos já lançaram estratégias de hidrogênio, mais de 20 governos anunciaram publicamente que estão trabalhando para desenvolver estratégias e várias empresas estão buscando aproveitar as oportunidades de negócios na área.

De acordo com a AIE, o uso de hidrogênio se estende a várias partes do setor de energia e cresce seis vezes em relação aos níveis atuais para atender a 10% do consumo final total de energia até 2050. O detalhe é que aproximadamente 70% da produção total mundial do energético vem da rota tecnológica do gás natural para a produção de hidrogênio cinza.

É preciso, no entanto, mudar a maneira de produção do hidrogênio, que possui três modos: o cinza, produzido com combustíveis fósseis, o azul, produzido com captura de carbono, e o verde, produzido com energias renováveis.

Plano nacional

O Brasil começa a se atentar aos sinais de que o hidrogênio pode não só guiar a transição energética, mas também criar oportunidades econômicas. Em uma sinalização ao mercado, recentemente o governo aprovou uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que institui o Programa Nacional do Hidrogênio e cria o Comitê Gestor da política pública.

Em uma força-tarefa, o Ministério de Minas e Energia (MME), em cooperação com os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e do Desenvolvimento Regional (MDR), com o apoio técnico da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), apresentou a Proposta de Diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio.

No entendimento do professor Gerhard Ett, docente do departamento de Engenharia Química da FEI, há décadas o hidrogênio é produzido e comercializado nas empresas, mas, hoje, são debatidos os novos processos que o utilizarão.

Segundo ele, para viabilizar estes novos processos utilizando o H2, tornando as empresas mais competitivas, serão necessários novos investimentos. Isso, claro, envolve riscos, mas esses riscos não podem ser políticos ou econômicos.

“Linhas de investimento com juros mais baixos e maiores períodos de carência podem atrair grandes investidores. Contudo, o problema em mãos, ao falarmos de hidrogênio verde, está em realizar esses processos de transição com as indústrias em funcionamento. Seria o equivalente a um corredor fazer uma cirurgia de coração enquanto corre”, diz.

No entendimento do sócio da área de energia do Madrona Advogados, Rodrigo Machado, a indústria do hidrogênio ainda está em fase de desenvolvimento. Os players do setor ainda estão avaliando tecnologias para produzir, gerar e utilizar o hidrogênio como combustível e formas de estocagem de energia.

Diante deste cenário inicial, Machado argumenta que uma eventual regulação pode trazer o efeito indesejado de coibir o desenvolvimento dessa indústria, já que o hidrogênio ainda não está consolidado e não é possível saber quais problemas deverão ser endereçados pela futura regulação.

“No atual momento, em vez de termos uma legislação que tente antever uma regulação, a legislação deverá ser um instrumento de fomento à indústria do hidrogênio, incentivando a pesquisa sobre a produção e utilização do hidrogênio como combustível e o desenvolvimento da indústria do hidrogênio”, afirma.

Ele acrescenta a importância de modelos de fomento, como incentivos fiscais e leilões especializados, que foram promovidos para o desenvolvimento da energia eólica no Brasil, por exemplo.