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Brasil busca conexão com países do Sul Global para repensar desenvolvimento sustentável

Brasil busca conexão com países do Sul Global para repensar desenvolvimento sustentável

Diretor do HUB de Economia e Clima defende colaboração entre nações emergentes para construir modelos de desenvolvimento que contemplem clima, biodiversidade e redução de desigualdades

O Brasil tem uma oportunidade única de liderar discussões sobre novos modelos de desenvolvimento sustentável junto a outros países do Sul Global. A avaliação é de Walter De Simoni, diretor técnico do HUB de Economia e Clima do Instituto Clima e Sociedade (iCS), que defende uma maior colaboração entre pesquisadores e governos de nações emergentes para enfrentar desafios comuns relacionados às mudanças climáticas.

“Se cada país faz de um jeito, como é que a gente ajuda a fortalecer e conectar essa comunidade para que possamos aprender uns com os outros?”, questiona De Simoni. Para ele, o objetivo desses modelos é sempre informar tomadas de decisão do poder público, seja para planos climáticos municipais, estaduais ou nacionais.

Um dos temas centrais dessa articulação Sul-Sul é a reindustrialização com foco climático. “Como é que a gente junta essas duas coisas? É pensar em como conseguimos reconstruir uma base de produção industrial de diferentes países considerando uma nova necessidade de matriz energética limpa”, afirma o diretor. Esse desafio é comum ao Brasil, Índia e África do Sul, países onde pesquisadores já conversam entre si sobre possíveis caminhos.

O comércio internacional emerge como outro ponto crítico. De Simoni alerta para o risco de que questões climáticas sejam utilizadas como barreiras comerciais. “Até que ponto a questão climática vai ser utilizada como uma forma de promoção ou construção de barreiras ao comércio internacional?”, indaga.

O diretor cita como exemplo um estudo recentemente do HUB que mostra claramente o impacto da relação comercial da Argentina em questões de mudanças climáticas no Brasil. “Essa relação comercial precisa ser entendida não só para trocar experiências e entender como podemos ter mais ganhos mútuos, mas como uma forma de entender como, domesticamente, questões climáticas dependem de fatores exógenos das relações comerciais.”

Orçamento público e espaço fiscal

Outro tema prioritário é o financiamento público para resiliência e mitigação climática. De Simoni participou de conversas com um grupo de ministros da Fazenda em junho sobre representatividade fiscal. Ele explica que desastres climáticos podem reduzir entre 5% e 7% da capacidade de arrecadação de um país, criando um ciclo vicioso.

“Se você tem um impacto na sua arrecadação, tem menos espaço e menos recursos do governo para investir, especialmente em resiliência e adaptação. A agricultura continua tendo um impacto cada vez mais pesado porque a questão climática se intensifica, e o governo não vai ter tanta capacidade de lidar com isso se o espaço fiscal está reduzido”, alerta.

Entender como diferentes países estão lidando com essas restrições orçamentárias é fundamental, especialmente no Sul Global, onde as limitações são maiores.

Amazônia e biodiversidade como ativos estratégicos

O HUB de Economia e Clima também criou a REZA (Rede de Economistas da Amazônia), conectando pesquisadores regionais para pensar a Amazônia a partir da própria Amazônia. “A gente quer economistas da Amazônia pensando a Amazônia”, afirma De Simoni, que destaca questões como a Zona Franca de Manaus, que coloca em tensão economia industrial versus economia da floresta.

Ele elogia centros de pesquisa como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), mas reconhece que muitos pesquisadores não conseguem avançar devido a problemas burocráticos. “Tem muito cientista muito bom, muito economista muito bom.”

De Simoni menciona o trabalho da pesquisadora Rosana Santos, do Instituto É Mais, que propõe um olhar diferenciado sobre desenvolvimento. “Ela traz a discussão sobre igualdade como aspecto fundamental, a biodiversidade dentro de uma discussão mais ampla de modelos de desenvolvimento.”

Para o diretor, o Brasil tem capacidade de liderar discussões sobre como a transição para uma economia de baixo carbono pode também promover redução de desigualdades. “A biodiversidade não é um ativo no conceito do Consenso de Washington somente, não é apenas um recurso natural a ser minerado. É algo inerente ao modelo que precisa existir, seja numa perspectiva de conservação, de bioeconomia, de sinergias entre produções ou de cidades do futuro com infraestrutura verde e azul.”

Ocupar espaços internacionais

De Simoni enfatiza a importância de o Brasil ocupar espaços em discussões globais sobre clima e desenvolvimento. “Da mesma forma que a gente precisa de espaço regional, a gente precisa de espaço internacional. Do que adianta termos pesquisadores indianos, chineses, se o Brasil também quer sentar, quer ocupar, quer ter espaço? Isso é super relevante.”

Ele exemplifica com a matriz energética: “A ideia de ‘vamos descarbonizar a matriz energética brasileira para tornar a produção mais limpa pro Brasil’ interessa a quem? Interessa ao Brasil, mas tem que interessar à China, à União Europeia. Se não tivermos espaços pautando e discutindo isso, defendendo essa ação, é complexo conseguir avançar.”

O diretor conclui destacando que estar nesses lugares permitirá ao Brasil entender suas diferenças com outros países e contribuir com perspectivas únicas. “A gente precisa estar também nos lugares onde estamos pautando esses novos conceitos. É uma coisa muito interessante e poderosa. E esse ano tem sido muito importante nesse lugar de colocar a pauta brasileira em discussão.”