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Borboletas da Europa viajaram 4200 km pelo Atlântico até a América do Sul

Borboletas da Europa viajaram 4200 km pelo Atlântico até a América do Sul

Pesquisadores estimam que insetos conseguiram voar, sem paradas, por pelo menos cinco dias seguidos, usando correntes de vento. Entenda

O pesquisador Gerald Talavera, do Instituto Botânico de Barcelona, teve um encontro inesperado quando estava na América do Sul, em outubro de 2013. Talavera flagrou um borboleta da espécie Vanessa cardui, espécie que não existe no continente americano, voando uma praia da Guiana Francesa.

Desde então, um grupo internacional de pesquisadores, co-liderado por Gerard Talavera, decidiu investigar a origem do bicho, e entender como a borboleta conseguiu chegar até aqui. Spoiler: voando por dias a fio sob o oceano Atlântico. Os resultados da pesquisa foram divulgados na última terça-feira (25), na revista Nature Communications.

A equipe de pesquisa contou com a colaboração de cientistas de diferentes universidades e institutos, incluindo a Universidade de Ottawa, no Canadá, Instituto de Botânica W. Szafer, na Polônia, e o Departamento de Biologia Organísmica e Evolutiva da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

O estudo

Para a pesquisa, o primeiro passo da equipe foi reconstruir a trajetória dos ventos no período anterior à chegada das borboletas, em outubro de 2013. Foi descoberto que as borboletas encontraram condições de vento muito favoráveis que poderiam sustentar uma travessia transatlântica a partir do oeste do continente africano.

Depois, o grupo sequenciou e analisou o DNA das borboletas viajantes, o que permitiu descobrir que esses indivíduos eram geneticamente próximos das populações africanas e europeias. Com esse resultado, foi eliminado a possibilidade desses bichos terem vindo da América do Norte. A descoberta, mesmo tempo, reforçou a hipótese de uma travessia oceânica.

Utilizando uma combinação de técnicas moleculares de última geração, os pesquisadores sequenciaram o DNA dos grãos de pólen carregados pelas borboletas migratórias. Duas espécies de plantas que foram identificadas. Como ambas crescem apenas na África tropical, estava na cara. O grupo de borboletas visitou flores africanas antes de realizarem sua jornada.

Nas asas das borboletas, a equipe analisou isótopos de hidrogênio e estrôncio — um tipo de sinal químico que age como uma “impressão digital” para indicar a região de nascimento.

Essa técnica permitiu entender que a origem natal desses insetos era o oeste da Europa. Não se sabe ao certo o país, mas as hipóteses mais sólidas são França, Irlanda, Reino Unido ou Portugal.

“É a primeira vez que essa combinação de técnicas moleculares, incluindo geolocalização por isótopos e metabarcoding de pólen, é testada em insetos migratórios”, disse Clément Bataille, professor do departamento de Ciências da Terra e Ambientais da Universidade de Ottawa, em comunicado. “Os resultados são muito promissores, e podem servir para muitas outras espécies de insetos migratórios”.

“Normalmente, vemos as borboletas como símbolos da fragilidade da beleza. Mas a ciência nos mostra que elas podem realizar feitos incríveis. Ainda há muito a descobrir sobre suas capacidades,” acrescenta Roger Vila, coautor do estudo e pesquisador do Instituto de Biologia Evolutiva da Universidade Pompeu Fabra, na Espanha.

Correntes de ar

A equipe analisou o gasto energético necessário para o voo transatlântico das borboletas, que deve ter durado de cinco a oito dias (sem paradas). Os pesquisadores constataram que essa jornada seria possível devido às condições favoráveis do vento.

“As borboletas só poderiam completar esse voo usando uma estratégia que alternava voar e planar. Acreditamos que, sem o vento, as borboletas poderiam ter voado no máximo 780 km antes de consumir toda as suas reservas de energia”, explica Eric Toro-Delgado, que também é coautor do artigo.

O estudo abriu caminho para a existência de corredores aéreos naturais capazes de conectar continentes, facilitando a dispersão de diversas espécies em uma escala muito maior do que se pensava anteriormente.

“Acho que este estudo faz um bom trabalho ao demonstrar o quanto tendemos a subestimar as habilidades de dispersão dos insetos. Além disso, é totalmente possível que também estejamos subestimando a frequência desses tipos de eventos de dispersão e seu impacto nos ecossistemas,” afirma Megan Reich, coautora do estudo e pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Ottawa, no Canadá.

Devido ao aquecimento global e as mudanças climáticas, modificações nos processos de dispersão a longa distância podem aparecer de forma mais intensa nos próximos anos. Esse contexto pode impactar a biodiversidade e os ecossistemas no mundo todo.