Biodegradável, shiitake pode ser usado para armazenar dados e eliminar necessidade de terras raras, revela estudo
Pesquisa demonstra que micélio do cogumelo comestível pode ser a base para memristores, componentes essenciais para a computação neuromórfica, oferecendo uma alternativa biodegradável e de baixo custo aos semicondutores tradicionais
Em um laboratório, uma rede de finos filamentos brancos de cogumelo shiitake, cultivada em uma placa de Petri, conecta-se a eletrodos e demonstra um comportamento elétrico sofisticado. Esta cena ilustra uma fronteira promissora na eletrônica: o desenvolvimento de memristores sustentáveis a partir de micélio fúngico. Esses componentes, que imitam a forma como os neurônios processam e armazenam informações, foram programados e preservados por desidratação, mantendo funcionalidade em frequências de até 5,85 kHz com uma precisão de 90%. A tecnologia convencional de memristores depende de minerais de terras raras e de processos de fabricação caros e poluentes. A abordagem bioeletrônica, utilizando um organismo robusto e comestível, apresenta-se como uma alternativa escalável e ecologicamente correta.
A computação neuromórfica, inspirada na estrutura do cérebro, oferece vantagens significativas em processamento paralelo, eficiência energética e armazenamento de memória. No entanto, a fabricação de chips neuromórficos baseados em semicondutores esbarra na limitação de recursos e em um alto custo industrial. O micélio do shiitake (Lentinula edodes), com sua rede intrincada de hifas, exibe uma sinalização elétrica adaptativa semelhante aos pulsos neuronais, tornando-o uma plataforma biológica viável para essa finalidade.
A resistência à radiação observada em cogumelos shiitake amplia o leque de aplicações em potencial para esses componentes biológicos. Atribui-se essa resiliência a compostos como o lentinano, um polissacarídeo que fortalece a estrutura celular do fungo. Essa característica sugere a viabilidade do uso desses memristores orgânicos em ambientes hostis, como na eletrônica aerospace, onde a interferência de radiação cósmica é um desafio constante para os sistemas convencionais.
O processo de fabricação adotado pela pesquisa priorizou materiais de baixo custo e sustentáveis. O micélio foi cultivado em um substrato nutritivo composto por semente de farro, gérmen de trigo e feno, sob condições controladas de temperatura e humidade. Após o crescimento, as amostras foram desidratadas ao ar, transformando-se em discos rígidos que mantiveram a conectividade da rede. Uma breve reidratação com água desionizada restabeleceu a condutividade necessária para os testes elétricos.
A caracterização elétrica confirmou o comportamento memristivo. Aplicando diferentes formas de onda e frequências, os pesquisadores observaram o distintivo “laço de histerese pinchado” nas curvas corrente-tensão, a impressão digital de um memristor. O funcionamento ideal foi alcançado em baixas frequências, com 10 Hz mostrando um desempenho próximo ao teórico. A precisão do sistema foi calculada com base na concordância entre as leituras e um limiar analógico pré-estabelecido.
Embora os resultados sejam animadores, o estudo reconhece limitações. O período de cultivo foi curto e as amostras produzidas eram relativamente grandes compared às escalas microeletrônicas atuais. A variabilidade natural no crescimento de cada cultura também é um fator a ser dominado. Para superar esses obstáculos, trabalhos futuros visam explorar técnicas de cultivo mais precisas, como o uso de estruturas impressas em 3D para moldar o crescimento do micélio e integrar contatos elétricos diretamente durante o desenvolvimento.
A capacidade de preservar a funcionalidade do memristor através da desidratação é um avanço crucial para a praticidade da tecnologia. Isso permite que um componente “programado” seja armazenado e reativado posteriormente, abrindo portas para a fabricação e distribuição em larga escala. A convergência entre biologia e eletrônica, materializada em um cogumelo comestível, aponta para um futuro onde dispositivos de computação de alta performance podem ser cultivados, e não apenas fabricados, reduzindo drasticamente o impacto ambiental da indústria de tecnologia.
