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Biocarvão de cana-de-açúcar remedia a contaminação por arsênio em solos

Biocarvão de cana-de-açúcar remedia a contaminação por arsênio em solos

Material age como uma esponja e diminui a disponibilidade e mobilidade do arsênio em solos; temperatura de produção é a chave para a eficiência do biomaterial

O arsênio (As) é um elemento químico potencialmente tóxico, presente em rochas e minerais distribuídos na crosta terrestre. Em razão de atividades industriais e de mineração, sua exploração concentra-se na superfície, o que pode contaminar solos e água. A grande questão desse contaminante, além de prejudicar o meio ambiente, é que a exposição ao arsênio causa problemas respiratórios, cognitivos, diferentes tipos de câncer e até morte em humanos e animais.

Com o intuito de reduzir a contaminação por arsênio, pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em parceria com a North Carolina State University e o National Institute of Environmental Health Sciences dos Estados Unidos, desenvolveram um biomaterial capaz de reter o elemento em solos contaminados. No estudo foi utilizado o biocarvão orgânico para filtrar o contaminante e observou-se diferentes resultados de retenção de acordo com a temperatura em que o material foi produzido.

Matheus Bortolanza – Foto: Arquivo Pessoal

O biocarvão é um material de origem animal ou vegetal — no caso do estudo, a cana-de-açúcar — feito a partir de condições específicas de queima (pirólise), em que são controladas temperatura, quantidade de oxigênio e duração de queima. Em vez de virar cinzas, como normalmente acontece em queimas, o material é queimado sem a presença de oxigênio e a estrutura é preservada. “Nessa queima você pode variar as condições de temperatura, e, essas mudanças, podem gerar características específicas que resultam em um biomaterial com maior ou menor potencial de reter o contaminante”, detalha Matheus Bortolanza, autor da tese de doutorado em Solos e Nutrição de Plantas, orientado por Luís Reynaldo Ferracciú Alleoni.

Ele explica que a pesquisa trabalhou com a pirólise de biocarvões em três temperaturas: 350°, 550° e 750° Celsius, em que cada uma poderia atribuir características físico-químicas únicas ao material, o que muda a forma e intensidade de retenção do arsênio presente no solo.

O biomaterial foi testado em um solo com contaminação real, que passa por constantes ciclos de alagamento e drenagem. Esses ciclos podem afetar as espécies do arsênio, já que provocam transferência de elétrons. Essas alterações no elemento podem torná-lo mais móvel no ambiente e mais tóxico, o que aumenta as chances de absorção em seres vivos. “Queríamos testar a eficiência do biocarvão em condição extrema, na qual é mais fácil do arsênio se mover e estar em um estado mais perigoso”, justifica Bortolanza.

Assim, o estudo observou que o biocarvão foi capaz de reter as espécies inorgânicas e orgânicas (extremamente tóxicas) de arsênio do solo e, além disso, possivelmente impedir que microrganismos produzam a forma orgânica do contaminante.

“Nesse experimento, conseguimos medir, junto com pesquisadores dos Estados Unidos, quais as espécies orgânicas de arsênio estavam nesse ambiente, e vimos que o biocarvão produzido em alta temperatura não só reduz o teor total de arsênio como também as espécies mais tóxicas que poderiam trazer grandes danos para a saúde humana”, diz o pesquisador.

A importância da temperatura de queima

Na temperatura adequada, o biocarvão pode ficar mais poroso e o arsênio ficar retido nele, funcionando como uma armadilha. Na imagem, dispositivos utilizados para simulação dos ciclos de alagamento e drenagem do solo – Foto: Cedida pelo pesquisador

Bortolanza chama atenção para um detalhe importante que guiou a definição das temperaturas de queima no estudo: o biocarvão é carregado com cargas negativas, assim como o arsênio. Como há repulsão entre compostos de cargas iguais, existia a possibilidade de o biocarvão aumentar a disponibilidade do arsênio em vez de retê-lo. “Dependendo da temperatura de pirólise, é possível reduzir as cargas negativas em volta do biocarvão e facilitar a interação com as poucas cargas positivas que ele tem e que podem reter o elemento. Além disso, o biocarvão pode ficar mais poroso e o arsênio fica preso lá dentro, como uma armadilha”, explica.

Por outro lado, as temperaturas também influenciam o rendimento do material final. “Por exemplo, se pegarmos 100 kg de palha de cana-de-açúcar e queimá-los em uma temperatura muito alta, isso vai render em torno de 20% de biocarvão, ou seja, 20 kg. O rendimento aumenta se a temperatura for menor, o número pode chegar próximo a 45%. Financeiramente é interessante, porque se há uma área muito grande para aplicar o biocarvão, o material pode ser produzido em temperatura específica e assim viabilizar sua aplicação”, diz o pesquisador.

A retenção do arsênio pelo biocarvão oferece um ótimo panorama para diminuir o risco de contaminação pelo elemento, porém o biocarvão ainda não resolve todos os problemas, apenas reduz a mobilidade do semimetal no solo ao invés de removê-lo. Em solos muito contaminados, como era o caso da área estudada, o material pode servir de apoio para o uso de plantas extratoras de arsênio.

“A ideia é reduzir parte da disponibilidade do contaminante para que plantas ou outros seres vivos consigam se desenvolver no local, em um processo conhecido como biorremediação. Hoje, o biocarvão não é 100% eficiente em ‘imobilizar’ o arsênio do ambiente, uma vez que ele só reduz uma parte da disponibilidade, e com o tempo o problema pode retornar.” Por isso, estudos futuros ainda são necessários para o desenvolvimento de estratégias de otimização do uso do biocarvão e recuperação de solos contaminados.

Mais informações: no e-mail bortolanza@usp.br, com Matheus Bortolanza