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Bactérias podem agir como “cavalos de Tróia” e levar vírus para matar tumores

Bactérias podem agir como “cavalos de Tróia” e levar vírus para matar tumores

Em nova técnica, vírus geneticamente modificado é contrabandeado para dentro de tumor cancerígeno, driblando o sistema imunológico do corpo. Entenda como ela funciona

Os vírus têm se tornado grandes ferramentas no tratamento de alguns tipos de câncer, como os de pele, cérebro e pescoço. Tudo por causa de sua capacidade surpreendente de infectar tumores e matar células cancerígenas – que tem motivado novos estudos de cientistas de todo o mundo. Só que colocar os vírus para neutralizar tumores esbarra em um problema: o sistema imune pode identificar esses micróbios e matá-los antes que eles cumpram sua missão de paz.

Na tentativa de driblar isso, pesquisadores de Engenharia Biomédica da Universidade de Columbia usaram bactérias geneticamente modificadas para proteger vírus usados no tratamento de câncer que podem ser destruídos pelo sistema imunológico. Os experimentos, feitos em camundongos, tiveram sucesso na tarefa de retardar o crescimento de tumores cancerígenos.

Como driblar o sistema imunológico?

Os vírus oncolíticos são aqueles modificados geneticamente para destruir células cancerígenas enquanto poupam a vida das demais. Apesar dessa habilidade, eles podem ser facilmente neutralizados pelo sistema imune caso o paciente já tenha anticorpos contra os vírus, impedindo que eles cheguem ao tumor.

No estudo, publicado em 15 de agosto na revista científica Nature Biomedical Engineering, os cientistas conseguiram poupar bactérias Salmonella typhimurium, que naturalmente migram para locais com pouco oxigênio e muitos nutrientes – bem característico dos tumores. O detalhe é que as bactérias foram modificadas para carregarem o genoma do Senecavírus A, já conhecido por conseguir matar células cancerígenas humanas.

A abordagem é como um cavalo de Tróia: as bactérias provocam uma resposta imune mais fraca do corpo enquanto contrabandeiam o genoma do vírus oncolítico até o interior do tumor, onde ele pode se espalhar.

Representação de bactérias Salmonella typhimurium invadindo uma célula epitelial humana — Foto: NIAID/Wikimedia Commons
Representação de bactérias Salmonella typhimurium invadindo uma célula epitelial humana — Foto: NIAID/Wikimedia Commons

“As bactérias funcionam como uma capa de invisibilidade, escondendo o vírus dos anticorpos circulantes e transportando-o até onde ele é necessário. (…) Ao unir engenharia bacteriana com virologia sintética, nosso objetivo é abrir caminho para terapias multiorganismos, capazes de alcançar mais do que qualquer microrganismo sozinho conseguiria”, declara Zakary Singer, coautor do estudo, em comunicado.

Controle de segurança do vírus

O método proposto pelos cientistas foi testado em camundongos. Para isso, eles criaram o sistema CAPPSID (Coordenated Activity of Prokaryote and Picornavirus for Safe Intracellular Delivery), ou seja, a combinação da bactéria modificada com o genoma viral. Após a indução de crescimento de tumores nervosos nas costas dos camundongos, o CAPPSID foi injetado na corrente sanguínea de metade dos animais. Os outros receberam apenas o vírus, sem a inclusão das bactérias.

Em média, 11 dias foram necessários para que os animais com o Senecavírus A atingissem tamanhos de tumores eticamente permitidos em experimentos. Já aqueles com o CAPPSID no organismo, o tempo médio foi de 21 dias. Nenhum camundongo apresentou efeitos colaterais aparentes.

Outra preocupação da equipe de Columbia foi evitar que o vírus se espalhasse para além dos tumores cancerígenos. Para isso, o genoma viral foi modificado de forma que ele necessite de uma molécula exclusivamente encontrada na Salmonella typhimurium para se replicar. Como a bactéria permanece no tumor, mais uma camada de controle é adicionada ao método do cavalo de Tróia, impedindo que o vírus circule por tecidos saudáveis.

A técnica promissora ainda precisa passar por estudos adicionais em camundongos e primatas antes dos testes em humanos, trabalhando com diferentes tipos de tumores. Segundo Singer, são sistemas como este, com foco em aumentar a segurança de terapias vivas, que serão essenciais para levar avanços aos testes clínicos.