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Bacias hidrográficas do Cerrado perderam água sem parar entre 2000 e 2019

Bacias hidrográficas do Cerrado perderam água sem parar entre 2000 e 2019

Diminuição do volume de chuvas e aumento da perda de água por evapotranspiração são fatores que demonstram o desequilíbrio no ciclo perene; área de lavoura no bioma brasileiro cresceu 120% em 20 anos

O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil e abrange quase 24% do território nacional. Com 40% da área sendo composta por paisagens abertas, ele funciona como um grande coletor de água. Contudo, um estudo publicado em 4 de novembro de 2023 na revista Regional Environmental Change mostrou que as bacias hidrográficas do bioma brasileiro estão secando e perdendo a sua capacidade de abastecer os principais rios brasileiros.

Estima-se que o Cerrado forneça cerca de 70% da água do rio São Francisco e 47% do rio Paraná, além de abastecer o Madeira, o Araguaia, o Tocantins e o Xingu. A pesquisa buscou entender quanta água tem entrado em 13 bacias hidrográficas do Cerrado a partir das chuvas e quanta água tem saído devido à evapotranspiração (processo que combina a perda de água no solo por evaporação e a perda pela transpiração das plantas), sendo devolvida à atmosfera.

Esse processo gera um ciclo perene eficiente para reaproveitar a água. “Nossos resultados, nesse sentido, são preocupantes, pois indicam que esse ciclo está desequilibrado”, afirmou o engenheiro ambiental César de Oliveira Ferreira Silva, primeiro autor do artigo, ao Jornal da Unesp.

Nos últimos 20 anos, foi observada uma redução do volume de chuvas em todas as regiões do bioma. Em 2001, o acumulado médio de chuva geral foi de aproximadamente 1.400 milímetros (mm), e, em 2019, cerca de 1.000 mm. Já o índice médio de evapotranspiração subiu para quase 1.000 mm em 2019, comparado a cerca de 600 mm ao ano até 2001.

Um dos motivos para essa redução de chuvas pode estar na expansão e intensificação do Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul sobre áreas do Cerrado, como relatado em estudo publicado na revista científica Scientific Reports em julho de 2023. O deslocamento do ar para altitudes mais baixas torna a atmosfera mais seca e quente e dificulta a formação de nuvens. Além disso, pastagens e lavouras que ocuparam o lugar da vegetação original do bioma também podem influenciar essa redução.

“Em algumas regiões, a diferença entre a quantidade de água que entra com as chuvas e a que sai por meio da evapotranspiração já é negativa”, afirmou o engenheiro agrônomo Rodrigo Lilla Manzione, docente da Faculdade de Ciências, Tecnologia e Educação da Unesp, no campus de Ourinhos. Ele se refere a bacias situadas no centro-norte do bioma, próximas a fronteira com o semiárido.

Uso da terra

A área convertida em lavoura no Cerrado sofreu um aumento de 120% entre 2000 e 2019, passando de 10,27 milhões para 22,7 milhões de hectares. Já a temperatura média do bioma durante os meses de seca também tem subido: está entre 2,2ºC e 4ºC mais quente do que nos anos 1960. “A cultura de soja foi a que mais cresceu, saltando de 5,7 milhões para 16,8 milhões de hectares, mas outras, como a de cana-de-açúcar e café, também expandiram”, destacou Silva.

A pesquisa analisou dados de satélites dos últimos 20 anos e usou dados do Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas), e do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Dados de 2021 do MapBiomas mostraram que, de 1985 a 2020, cerca de 26,5 milhões de hectares dos três principais tipos de formação nativa (campos, savanas e florestas) foram substituídos por áreas de criação de gado e produção em larga escala de commodities agrícolas. As plantas de monoculturas são de crescimento rápido e seu metabolismo é mais acelerado do que o de florestas nativas, explicou Manzione. “Isso significa que elas consomem mais água armazenada no subsolo, impactando a quantidade de água que chega aos rios por meio do escoamento superficial ou infiltração.”

Segundo o artigo, a combinação de mudanças no uso da terra, na cobertura vegetal e na demanda por água levou a uma redução na segurança hídrica na região. Além disso, com menos chuvas, os agricultores aumentam a irrigação das lavouras usando justamente a água subterrânea dos rios.

Em vez de criar novas áreas de lavoura a partir do desmatamento de florestas, Silva acredita que uma forma de mitigar o problema seria recuperar pastagens degradadas, bem como ampliar práticas sustentáveis a exemplo da Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF). “Essas práticas tendem a beneficiar a produtividade agrícola em comparação com as monoculturas, além de manter o solo com melhor qualidade ambiental e equilibrar o uso de água de forma mais sustentável a longo prazo”, concluiu.