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Aumento de 1°C no calor pode elevar em 22% risco infantil, diz estudo

Aumento de 1°C no calor pode elevar em 22% risco infantil, diz estudo

Pesquisa destaca os riscos que as mudanças climáticas podem trazer para grávidas, bebês e crianças, os grupos mais afetados pelo aquecimento global

Não é nenhum segredo que as mudanças climáticas afetam a todos, em especial, crianças e grávidas. Um novo estudo reforçou o que já se sabe e destacou a gravidade dos impactos do aquecimento global para este grupo. Segundo pesquisadores da London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM), da Inglaterra, o aumento de apenas 1 grau na temperatura média diária pode elevar em mais de 22% o risco de mortalidade infantil. O trabalho foi apresentado nesta terça-feira (29) na Conferência Global sobre Clima e Saúde, em Brasília.

Atualmente, cerca de 1 bilhão de crianças enfrentam “risco extremamente alto” de impactos do clima, com metade delas vivendo em áreas de enchentes e cerca de 160 milhões vivendo em regiões propensas à seca. Desde 2009, só a África tem registado aumentos significativos na mortalidade infantil relacionada com o calor, enquanto um estudo realizado em 29 países de baixo e médio rendimento atribui quase uma em cada três mortes neonatais relacionadas com o calor às alterações climáticas.

Sem intervenção, essas tendências piorarão. No próximo quarto de século, a desnutrição relacionada ao clima, por si só, ameaça deixar 28 milhões de crianças abaixo do peso, de acordo com o estudo.

Algumas crianças correm mais riscos que outras. “Crianças em situações mais vulneráveis, que, por exemplo, moram em casas que não estão preparadas para temperaturas extremas, estão mais suscetíveis aos efeitos da temperatura, podendo ser hospitalizadas ou irem a óbito”, afirma Júlia Pescarini, pesquisadora associada da LSHTM e pesquisadora colaboradora do Cidacs/Fiocruz, em entrevista à CRESCER.

Grávidas sofrem mais no calor

Mudanças climáticas também estão relacionadas à questão de gênero. Mulheres e, principalmente, mulheres grávidas, geralmente sofrem mais com os impactos. Elas podem precisar de acesso rápido a unidades de saúde durante complicações no parto — um desafio quando os serviços são interrompidos por ondas de calor, inundações ou furacões.

Além disso, segundo Pescarini, as mudanças fisiológicas durante a gravidez as tornam menos capazes de tolerar o calor, deixando-as propensas à desidratação e a complicações que ocorrem apenas durante a gravidez. Segundo a pesquisa, a exposição ao calor durante a primeira metade da gestação aumenta em mais de 50% as chances de pré-eclâmpsia ou eclâmpsia – condições que podem ser fatais para mães e bebês. Mulheres que engravidam durante os meses mais quentes também enfrentam um risco maior de pré-eclâmpsia, que, se não tratada, pode levar a convulsões, danos ao fígado, insuficiência renal e derrame.

Outros fatores podem colocar a vida da gestante em risco. A própria gravidez já eleva a temperatura do corpo, o que dificulta para a mulher se manter fresca, mesmo em boas condições. O coração trabalha mais e ela fica mais vulnerável à desidratação. Passar calor durante a gravidez aumenta o risco de ataque cardíaco, derrame e problemas de pressão, que estão entre as principais causas de morte materna.

A análise também aponta que o calor extremo pode aumentar os casos de diabetes gestacional, principalmente no segundo trimestre. Outra complicação grave, o descolamento da placenta — quando ela se separa do útero antes do parto —, também se torna mais comum em temperaturas altas. Essa condição pode ser fatal para a mãe e o bebê.

Riscos para os bebês

Mais de uma dúzia de estudos analisados pelos pesquisadores ligam os dias de calor intenso a até 26% mais risco de parto prematuro. Também há uma associação consistente entre temperaturas elevadas e o nascimento de bebês com baixo peso. Além disso, o calor aumenta as chances de hospitalização de recém-nascidos e bebês.

Cada uma dessas condições aumenta o risco de morte entre os recém-nascidos. Também há uma forte ligação entre temperaturas mais altas e o crescimento no número de natimortos — algo confirmado por mais de uma dúzia de estudos.

Vale destacar que mulheres de classes sociais mais baixas ainda têm o dobro de chance de sofrer um natimorto em comparação com as de classes mais altas. O calor também pode aumentar o risco de malformações, como espinha bífida, problemas nos rins e defeitos no rosto e na cabeça do bebê.

Tudo isso pode desencadear um ciclo contínuo de problemas de saúde. Em países de baixa e média renda, quando mulheres e crianças enfrentam choques climáticos, elas tendem a afundar ainda mais na pobreza, com piora na alimentação, falta de água potável, saneamento e higiene. Isso as deixa mais vulneráveis a novas ameaças causadas pelo clima.

Impacto da poluição do ar

Os efeitos perigosos — ainda que muitas vezes silenciosos — da poluição do ar também estão ganhando destaque. Mais de uma dúzia de estudos atribuem impressionantes 35,7% dos partos prematuros no mundo à exposição a poluição atmosférica. Mais de duas dezenas de revisões também relacionam a poluição do ar ao baixo peso ao nascer, com quase 16% desses casos no mundo possivelmente ligados a essa exposição.

Malformações congênitas, especialmente problemas cardíacos, também estão relacionados à poluição. Avaliações indicam ainda um aumento no risco de chiado no peito (sibilância), asma e transtorno do espectro autista após a exposição pré-natal à poluição.

Já no caso das mães, a exposição a partículas finas no segundo trimestre da gravidez aumenta em 15% o risco de rompimento da bolsa. Além disso, a exposição a essas partículas, antes ou depois do nascimento, pode contribuir para o aumento da pressão arterial na infância.

Enchentes e secas

Em todo o mundo, a elevação do nível do mar e o aquecimento dos oceanos estão tornando as tempestades mais intensas, com volumes colossais de chuva. Isso destrói plantações, inunda grandes cidades e ameaça a saúde — de forma visível e também silenciosa. Esses eventos extremos afetam a todos, mas têm um impacto especialmente severo sobre mulheres e crianças. Estudos mostram que as enchentes aumentam as mortes maternas e de recém-nascidos.

Além do afogamento, as tempestades podem provocar uma série de outras consequências. Para mulheres e crianças, as enchentes estão ligadas ao baixo peso ao nascer e a um maior risco de aborto espontâneo, enquanto furacões têm sido associados a partos prematuros.

Os danos causados por tempestades parecem não ter fim, favorecendo infecções e propagação de doenças transmitidas pela água e de fungos nocivos. Crianças, em especial, costumam sofrer com dores de estômago, vômitos e diarreia, sintomas que podem levar à morte em países de baixa e média renda.

Há também implicações mais sutis. Condições climáticas extremas podem diminuir o acesso das mulheres aos cuidados de saúde ou aumentar as chances de desnutrição. As mães podem ter dificuldade para amamentar ou sofrer de depressão e estresse pós-traumático. O estresse causado por enchentes pode ter impactos duradouros nos resultados motores e comportamentais das crianças. Tempestades severas também podem afetar os meios de subsistência dos pais, destruindo fábricas, oficinas e campos, deixando as famílias sem recursos, o que, por sua vez, pode prejudicar as crianças.

Já as secas são eventos mais prolongados que também têm um forte impacto no bem-estar das crianças e grávidas. “Poderiam gerar aumento do preço dos alimentos, indisponibilidade de alimentos, falta de água… Tudo isso leva à má nutrição. As crianças e grávidas são as mais suscetíveis a essa consequência”, destaca Júlia Pescarini.

Efeitos das mudanças climáticas nas famílias brasileiras

O estudo não cita o Brasil diretamente, mas Pescarini afirma que o país se encaixa no contexto de risco para grávidas e bebês. “Existem locais no Brasil que têm ondas de calor grandes, que estão ficando cada vez mais intensas e com um período de duração maior. Com certeza isso pode apresentar um risco exacerbado de mulheres grávidas terem complicações tanto durante a gravidez quanto no bebê após o nascimento”, diz a pesquisadora.

Pescarini também destaca que muitas mulheres brasileiras não têm acesso a serviços de saúde para fazer o pré-natal conforma é esperado durante a gravidez. “Muitas vivem em áreas remotas e, durante a gravidez, enfrentam jornadas extenuantes e continuam trabalhando. Assim, podem estar expostas aos efeitos da temperatura durante a gestação, tanto pelas condições do trabalho, quanto pelas longas jornadas de transporte e pelas próprias condições sociais”, ressalta.

Para ela, o estudo é fundamental para que os pais saibam sobre os perigos das mudanças climáticas para a saúde das grávidas e crianças. Além disso, ele evidencia as desigualdades sociais e como as diferentes classes são impactadas. “

Eu acho que o mais importante é a gente reconhecer que os efeitos da temperatura, os efeitos dos extremos climáticos, eles podem afetar, eles vão afetar de forma totalmente desproporcional as pessoas, as famílias vivendo em extrema pobreza. “Os efeitos dos extremos climáticos afetam de forma totalmente desproporcional as pessoas e famílias que vivem em extrema pobreza, em situação de vulnerabilidade social ou de vulnerabilização racial. Isso acontece tanto pelas condições precárias em que vivem, quanto pelo acesso limitado a serviços de saúde, alimentação adequada, moradia e pela dificuldade de escolher onde e como trabalhar”, diz.

O que pode ser feito?

A pesquisa modelou três cenários de emissões (baixo, médio e alto) para África do Sul e Quênia, mas que podem ser aplicados para o mundo todo. Suas descobertas demonstram que limitar a temperatura média global a um aumento de no máximo 1,5 °C até 2050 é absolutamente crucial para reduzir o sofrimento humano que os impactos climáticos na saúde impõem às crianças.

Segundo Pescarini, é preciso agir agora para mudar o cenário. “Uma questão que temos discutido bastante é a importância de políticas sociais que apoiem as famílias mais minoritárias para que possam se proteger durante as ondas de calor e contar com suporte do Estado”, ressalta.

“É fundamental pensar em formas reais de proteção, porque não dá para simplesmente dizer às famílias que fiquem em casa — especialmente para mulheres grávidas ou com filhos pequenos. Muitas precisam trabalhar para garantir o sustento e levar comida para casa. Por isso, o apoio do Estado e de políticas públicas é essencial, não só para ajudar essas mulheres a enfrentar os eventos extremos de calor, mas também outras situações como secas e enchentes”, acrescenta.

Os pesquisadores propuseram algumas soluções práticas que podem fazer a diferença para grávidas e crianças. Confira:

Estratégias e políticas voltadas para crianças e grávidas

O estudo defende que mulheres grávidas, puérperas e crianças precisam estar no centro dos planos nacionais de adaptação climática. Isso inclui a criação de estratégias específicas para o calor extremo e políticas locais que combatam a poluição do ar, que já mostraram bons resultados em países como China e Paquistão. Medidas simples, como plantar árvores perto de casas e escolas ou atualizar códigos urbanos para reduzir ilhas de calor, ajudam a proteger essas populações de forma eficaz e acessível.

Monitoramento e planejamento

Sistemas de alerta precoce, como aqueles que avisam sobre ondas de calor, são ferramentas essenciais para salvar vidas, especialmente em comunidades vulneráveis. O estudo também destaca iniciativas de financiamento antecipado para desastres climáticos, permitindo que recursos sejam liberados antes que enchentes ou secas aconteçam. Além disso, é fundamental reforçar a vigilância de doenças ligadas ao clima, como dengue, diarreia e malária, que afetam de forma mais grave gestantes e crianças pequenas.

Adaptação da assistência em saúde

Hospitais e postos de saúde precisam ser adaptados para resistir a enchentes, incêndios e temperaturas extremas. O uso de ventilação natural, telhados brancos e áreas sombreadas pode reduzir significativamente o calor em ambientes de atendimento. O estudo também recomenda treinar profissionais, como parteiras, para reconhecer e lidar com complicações relacionadas ao clima. Tecnologias simples, como ecografias portáteis ou testes rápidos, ajudam a manter o cuidado mesmo em situações de emergência. E, diante do risco crescente de desnutrição, a oferta de suplementos nutricionais para gestantes é apontada como medida eficaz para salvar vidas.