Velho Chico produz muitas riquezas e guarda belezas surpreendentes

À medida que avança em direção à foz, o São Francisco vai mostrando a importância de suas águas para a agricultura, geração de energia e para a cultura dos ribeirinhos. A segunda parte da reportagem especial sobre o Velho Chico apresenta um rio que produz muitas riquezas no Nordeste.

Um rio respeitado pelos brasileiros, amado pelos ribeirinhos e que inspira artistas como Vavá Cunha.

A relação dos ribeirinhos com o Velho Chico é de muita dependência. Os índios kiriris, por exemplo, vivem em uma aldeia em Muquém de São Francisco e dependem do rio para tudo. Por isso, o tratam como um pai que precisa de cuidados.

“A natureza é nossa mãe. O rio é tudo para nós”, diz Maria Kiriri, cacique da aldeia Kiriri.

Cerca 200 quilômetros rio abaixo da tribo Kiriri, a lagoa Itaparica, no município de Xique-Xique chama a atenção. As águas do São Francisco entram por uma barragem e se espalham por seis quilômetros de diâmetro. Muitas espécies de peixe se reproduzem no lugar. No entorno, vivem moradores de oito comunidades.

Quanto mais se desce o Velho Chico, mais surpresas encontra-se pelo caminho. O lago da Hidrelétrica de Sobradinho, com 300 quilômetros de extensão, é o maior lago artificial da América Latina. A chuvarada aliviou muito o drama da represa.

A situação é bem diferente em relação a novembro do ano passado, quando o lago quase secou. Aconteceu o que parecia improvável. As cidades que submergiram quando a barragem foi construída reapareceram quatro décadas depois.

No final de 2015, a aposentada Mara Lília Castro voltou à velha casa nova e reviu, emocionada, o lugar onde nasceu e passou parte da vida. “Nunca imaginei que ainda fosse ver fragmentos desse cão que eu amo até hoje”, diz.

Depois de três meses, a antiga cidade já tinha sumido de novo. Com a volta da chuva, o nível da represa se recuperou rapidamente e passou de 1% para mais de 30% da capacidade.

Agricultores que tiveram as terras inundadas foram transferidos para o município de Serra do Ramalho, a quase mil quilômetros de distância, perto de Bom Jesus da Lapa. Eles passaram a viver em agrovilas construídas pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco – Codevasf.

As famílias que se mudaram para a Serra do Ramalho foram atraídas por promessas do governo federal. A principal delas era a terra irrigada. A água do São Francisco chegaria às agrovilas por um canal que até hoje não foi construído. Depois de 40 anos, a lavoura da região ainda depende da chuva.

Até hoje, o agricultor Valdomiro Brito se queixa. Embora esteja a dez quilômetros do rio, não é todo ano que ele consegue plantar.

Os moradores que ficaram na região de Sobradinho comemoram. O agricultor Washington de Barros já garantiu a safra de cebola. “Estava tudo seco. Agora, está tudo verdinho”, diz.

Com mais água há mais trabalho. A trabalhadora rural Saturnina de Souza, que estava desempregada, voltou a trabalhar na colheita da acerola. “Sempre eu trabalho na roça. Quando não tem, eu vou para as firmas para fazer colheita também”, diz.

O Vale do São Francisco é um dos mais importantes celeiros da fruticultura brasileira.
Os pomares empregam 250 mil trabalhadores e produzem quase 1,5 milhão de toneladas de frutas por ano. O Vale é o maior polo nacional de produção de manga. A região colhe mais de 750 mil toneladas da fruta a cada safra. Também se torna um importante produtor de uva, com mais de 250 mil toneladas por ano.

O mercado brasileiro consome cerca de 90% da uva produzida no Vale do São Francisco. A variedade de uva de mesa, fina e sem semente é uma das mais procuradas pelo mercado. O preço varia de R$ 7 a R$ 10 o quilo. No exterior, deve ser o dobro.

Em Pernambuco é desenvolvido o Projeto Nilo Coelho, o maior do perímetro irrigado. Ele fica no município de Petrolina e reúne mais de 2,3 mil produtores. Com o sistema de irrigação, a colheita da uva pode ser programada, como explica o produtor e agrônomo Silvio Medeiros.

“É uma região fantástica. Em qualquer época do ano é possível produzir. Essa é uma grande vantagem competitiva que nós temos”, diz Medeiros.

Entre Juazeiro e Petrolina, o Velho Chico transforma suas águas em vinho. Um barco leva turistas para uma das vinícolas do vale. Os visitantes conhecem o parreiral e a colheita das uvas.

Os espumantes são o carro-chefe da região. Por ano, são produzidos quase dois milhões de garrafas apenas em uma vinícola. Pesquisas realizadas na região buscam sempre alternativas para diversificar ainda mais a produção do Vale do São Francisco. Frutas de regiões frias estão sendo colhidas no campo experimental da Embrapa em Petrolina.

A experiência começou há oito anos. O agrônomo Paulo Roberto Lopes, que coordena o trabalho, diz que 21 variedades de caqui foram plantadas. Muitas não deram certo. Mas a rama forte surpreendeu. “Nós temos feito duas produções por ano na mesma planta e conseguido bons resultados de produção”, diz.

Mais surpreendente ainda é a pera. “Nós temos alcançado até 40 toneladas por hectare. A média nacional fica em torno de 15 toneladas por hectare”, completa Lopes.

Esses são milagres do São Francisco. O rio que dá frutas também gera energia. Só a Hidrelétrica de Sobradinho produz o suficiente para abastecer uma cidade de três milhões de habitantes.

As carrancas eram amuletos obrigatórios nas antigas embarcações que navegavam pelo Velho Chico. Hoje, são obras de arte. Esse estilo diferente foi criado por dona Ana das Carrancas. Há 34 anos, o Globo Rural mostrou o trabalho dela. A dona Ana morreu há oito anos, mas deixou como herdeiras a neta e a filha mais velha.

A artesã Maria da Cruz Santos conta como dona Ana teve a ideia de vazar os olhos da carranca. Foi para homenagear o marido, que não enxergava. “Quando ele passou a mão na peça, que tocou nos olhos, que sentiu os olhos perfurados, ele deu uma risada e disse ‘eita, minha velha, isso que é amor”, lembra.

As carrancas de barro misturam rosto de gente com cara de cavalo. Já em um atelier da região, os artesãos trabalham nas peças mais tradicionais, feitas com madeira da umburana, uma árvore da caatinga.

Com a alegria dos ribeirinhos, o São Francisco segue o seu curso rumo ao Oceano Atlântico.

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