Desenvolvimento… o que?
Francisco de Assis Melo*
Vez por outra me lembro de um comentário que ouvi, num dado momento da década de noventa, do século passado, quando a pessoa disse –“ Esse negócio de desenvolvimento sustentável é uma onda passageira, como muitas outras que são inventadas pelo governo”. Que oportunidade fabulosa perdeu de ficar calado. Quanto descompromisso misturado com ignorância e resistência à mudança! Medo de sair da sua zona de conforto. Só me vem à mente o Mangabeira Unger, aconselhando: -“É preciso confortar os desconfortados e desconfortar os que se sentem confortados”.
O fato é que desde Francisco de Assis (o santo italiano), muitos foram os que se dedicaram à causa da defesa da Mãe Terra, da qual somos filhos (”lembra-te que és pó”), hóspedes ou mesmo inquilinos em que o”aluguel”deve ser pago com serviço de preservação e cuidados em geral. Ela não nos pertence. Dela somos herdeiros e guardiões. Mas essa herança não tem titulação. Trata-se de herança porque transferida pelos nossos antepassados para que tivéssemos o usufruto, jamais a propriedade, temos a obrigação de repassar os bens de que desfrutamos, em perfeitas condições de uso. O titulo de propriedade que exibimos não passa de mera convenção social. Portanto enquanto inquilinos que somos,precisamos devolver às gerações que advirão, a Casa em perfeito estado de conservação.
Mas, infelizmente estamos muito distantes dessa compreensão maior sobre a obrigação de cuidarmos amorosamente do pedaço da Terra que nos é destinado. Essa incompreensão sobre os nossos limites pelo tempo de uso, associada a um consumismo desenfreado nos transforma em autênticos ”espalha lixo” por onde passamos, além de inúmeras outras formas de agressão ao ecossistema. Provas irrefutáveis desse descompromisso são ambiente de trabalho, cidades, praias, mares e continentes.
O mais triste é constatar que a zona rural também padece dessas mazelas quando o assunto é degradação ambiental, a começar pelo desmedido uso de venenos nos alimentos que são produzidos. Isto sem falar nas sementes transgênicas (que já vêm com veneno inoculado). Sobre esta “tecnologia de ponta”, recentemente mais de oitocentos pesquisadores das maiores universidades do mundo assinaram um manifesto denunciando a produção e o consumo dos alimentos originados a partir dessa base transgênica. Segundo esses pesquisadores, as consequências decorrentes do consumo dessa parafernália transgênica são absolutamente imprevisíveis. A própria Monsanto acaba de divulgar que o milho transgênico pode causar danos á saúde humana E pensar que o nosso saboroso cuscuz, a pipoca e os demais derivados de milho, de soja, e trigo são produtos de base transgênica… Também não se pode esquecer das agressões cometidas contra os solos, sobretudo em termos de Paraíba que ostenta mais da metade do seu território classificado como desertificado. No brejo e litoral, cultivos no sentido do terreno em áreas inclinadas dão bem uma ideia do carreamento da camada agricultável que é levada para os baixios, resultando também no assoreamento de rios e açudes.
Mas o desafio de se promover o desenvolvimento sustentável não é tarefa de apenas um segmento ou de uma geração ou mesmo dos governantes, mas de todos estes atores, de forma articulada.O cenário requer o que o papa Francisco chamou de “uma solidariedade intergeracional,” moldada no diálogo que resulte na afirmação do compromisso permanente com a sustentabilidade das partes e do todo. O foco do desenvolvimento sustentado está centrado na pessoa humana, sua cultura, seus sonhos e idiossincrasias.
A esse respeito ouvi histórias muito tristes em comunidades de reassentados, oriundos de cidades e sítios que ficaram onde hoje é a barragem de Sobradinho. Eram histórias comoventes de pessoas que não perderam apenas as terras, mas a própria identidade, a sua cultura, suas tradições, enfim, todo as suas referências… A sua vida. Havia casos em que idosos chegavam a ficar desorientados nas agrovilas, procurando a mercearia da esquina onde jogava gamão com velhos amigos. Assim. De tão tristes, acabavam morrendo. É claro que toda intervenção no sentido do progresso gera impactos ambientais. A reflexão neste sentido é como minimizar os desequilíbrios socioambientais nos projetos? Em que proporção tem sido considerada a dimensão das PESSOAS enquanto seres afetados pelas intervenções tecnológicas?
É bem verdade que há instituições públicas e da sociedade civil realizando alguma ação no sentido da defesa do meio ambiente, o que resulta em melhoria da qualidade de vida do público foco. É o caso do Projeto Cooperar, que há muito adotou como ação estratégica a abordagem agroecológica nos projetos produtivos de base agrícola. Também instituiu o “Prêmio Ana Primavesi de Agroecologia,” Por outro lado cresce no Estado o número de feiras agroecológicas onde os agricultores comercializam os seus produtos diretamente com os clientes que valorizam o consumo de alimentos produzidos sem o uso de agroquímicos.
Torna-se imprescindível que os órgãos de assistência técnica e de fomento, públicos ou privados, atuem de forma articulada na perspectiva de avançar no processo educativo no qual os moradores do campo e das cidades assumam o seu papel enquanto usuários/inquilinos do patrimônio natural no sentido da preservação. Gerações nos sucederão e é preciso que entreguemos a Casa (Ecos) melhor do que recebemos. Não é justo que deixemos de herança um passivo ambiental fruto da nossa ignorância e irresponsabilidade. Ainda está em tempo de cobrir parte do prejuízo causado, fruto do egoísmo, da ganância e do consumismo desenfreado, tristes marcas das atuais gerações.
Pelo visto a questão do desenvolvimento sustentável vai muito além de iniciativas economicamente viáveis. Também é necessário que os empreendimentos financiados sejam ambientalmente corretos e socialmente justos, contemplando a dimensão político-cultural, bem como as relações de gênero, geração, raça e/ou etnia .Aí sim, estaremos nos aproximando do conceito de Desenvolvimento Sustentável. Do conceito e da prática, convenhamos.
*Francisco de Assis Melo é engenheiro agrônomo, especialista em Cooperativismo, Associativismo e PLADER e que atualmente presta consultoria ao Projeto Cooperar.
Fonte: Espaço Ecológico