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Armadilha evita ataque de javaporco, uma das maiores pragas da agricultura

Armadilha evita ataque de javaporco, uma das maiores pragas da agricultura

Javalis e os javaporcos não têm predadores naturais no Brasil, se reproduzem muito rápido e são capazes de destruir as plantações

Os javalis e os javaporcos são considerados grandes problemas para as plantações de produtores rurais, por seu grande potencial destrutivo. Eles são capazes de devastar a vegetação nativa e também as plantações, além de invadir granjas, expondo porcos a doenças. Uma nova armadilha, desenvolvida a partir do estudo de comportamento dos suínos, promete prevenir esses ataques. Conheça o javaporco e entenda como a Javali 4.0, desenvolvida pela startup Mão na Mata, pretende resolver o problema.

O que é um javaporco?

Os javaporcos são animais híbridos que resultam do cruzamento de um porco doméstico (Sus scrofa domesticus) com um javali. Segundo Felipe Pedrosa Chagas, doutor em Ecologia e diretor-executivo da Mão na Mata, os três animais são representantes da mesma espécie e, “biologicamente, não apresentam diferenças”.

Eles são ferozes, têm caninos grandes e podem chegar a 200 quilos. Sempre em bandos, se multiplicam rapidamente em matas próximas às plantações, especialmente, as de milho. De acordo com a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) até dezembro de 2018, o Ibama havia registrado javalis ou javaporcos em 1.536 dos 5.570 municípios brasileiros.

O especialista explica que, apesar de já terem se passado quase 10 mil anos de domesticação e evolução do porco, ainda não existe uma barreira reprodutiva com o javali. Assim, por compartilharem um ancestral comum, quando cruzam entre si, esses mamíferos são capazes de gerar uma prole fértil – no caso, o javaporco.

Nativos da Ásia e Europa, esses animais foram introduzidos na América durante a colonização do continente. Chagas pontua que os navegadores do século XVI, ao chegarem à terra firme, soltavam os animais que traziam à bordo e, assim, as populações de porcos e javalis foram crescendo no território.

Além disso, o pesquisador conta que o Brasil sofreu com uma onda de invasão desses suínos ainda mais recente. No início do século XX, argentinos e uruguaios soltaram matrizes de javalis na mata com intuito de caça, porém, como consequência da expansão natural, eles acabaram chegando ao território nacional.

A Javali 4.0 foi projetada como uma armadilha do tipo curral e conta com redes em seu entorno e em sua cobertura (Foto: Divulgação/Mão na Mata)
A Javali 4.0 foi projetada como uma armadilha do tipo curral e conta com redes em seu entorno e em sua cobertura (Foto: Divulgação/Mão na Mata)

Problema agrícola e ecológico

Em 1996, uma portaria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) permitia as práticas produtivas e comerciais dos javalis e javaporcos, o que fez aumentar ainda mais essa população no país. Mas, dois anos depois, em 1998, a medida foi revogada.

Chagas afirma que essas mudanças na lei causaram problemas para os produtores, pois já tinha se criado uma cultura em volta da espécie. Em meados de 2000, quando o Ibama passou a fiscalizar as atividades suínas, muitos desses animais foram mortos e tantos outros foram soltos na natureza.

Segundo o doutor em ecologia, hoje, o Brasil – em especial, a região Centro-Sul – é tomado pelos javalis e javaporcos. Ele exemplifica por São Paulo: “em 2007, os animais podiam ser encontrados em 20 cidades. Hoje, 15 anos depois, são 450 municípios afetados; são mais de dois terços do estado”.

Por não serem naturais da região, os suínos não apresentam predadores naturais diretos nos ecossistemas brasileiros, o que facilita a sua expansão. Além disso, o porta-voz da Mão na Mata explica que esses animais se reproduzem muito rápido, “as fêmeas conseguem parir seis filhotes por ninhada, até duas vezes por ano”.

A União Internacional para Conservação da Natureza (UICN) considera esses mamíferos como uma das 100 piores pragas agrícolas e ambientais do mundo. Isso porque, para além de causarem prejuízos econômicos às plantações, os animais ainda desequilibram o meio ambiente, destruindo nascentes e outros recursos naturais.

Por conta desse cenário, Chagas pontua que, em 2013, foi declarada a nocividade da espécie e, em muitas regiões, foi liberada a caça para controle de sua população. Logo no ano seguinte, o pesquisador passou a acompanhar de perto o combate agrícola aos javalis e javaporcos e desenvolver a sua armadilha.

Armadilha

Segundo Chagas, é comum encontrar pelas matas
Segundo Chagas, é comum encontrar pelas matas “gambiarras” utilizadas como armadilhas para javalis e javaporcos (Foto: Acervo Pessoal/Felipe Pedrosa Chagas)

“Ao longo de 2014 e 2015, eu fui percebendo que era muito comum encontrar armadilhas no mato para capturar esses animais, mas 100% delas eram rústicas e muito rudimentares, cheias de ‘gambiarras’. Além disso, também percebi que há muitos mitos em torno das técnicas de manejo do javali do javaporco”, explica o empreendedor.

Foi pensando nisso que ele chegou à conclusão de que “o manejo complementar à caça era necessário e o manejo com armadilha do tipo curral é a melhor opção, porque ela tem o potencial de capturar o bando inteiro”. Assim, estudando o comportamento da espécie, em 2019, a Mão na Mata começou a testar modelo de armadilhas.

Com o apoio do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), incubadora da Universidade de São Paulo (USP), e financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a startup desenvolveu a Javali 4.0.

Pensada para ser utilizada tanto pelos proprietários rurais quanto pelas agroindústrias e cooperativas agrícolas, a armadilha conta com uma tripla camada de rede de nylon, capaz de resistir às investidas dos animais, e um bloqueio superior contra pulos. Ao identificar os animais de uma região com câmeras, os animais são atraídos pelo milho, que fica dentro de uma estrutura semelhante a um curral.

Pesando apenas 35kg e com fácil montagem, Chagas orienta que a Javali 4.0 pode ser implantada em diversas áreas dentro do mato das propriedades, a fim de se capturar mais de um bando durante o período de invasão. Ele também sugere que a armadilha pode ser guardada para evitar a exposição desnecessária do material em momentos em que não há risco de ataques às plantações.

Em seus estudos, o pesquisador percebeu que o melhor período para a instalação da armadilha é durante as entressafras, como forma de prevenção aos animais. Nesses momentos, os javalis e os javaporcos estão em busca de alimentos e podem ser atraídos pelas iscas postas no curral.

Segundo o especialista, a Javali 4.0 deve trabalhar como uma complementação preventiva à caça, não uma substituição. Em casos nos quais as populações do animal já estão invadindo as plantações, “a caça é a única opção que vai trazer o benefício imediato”, conclui.

Em 2013, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) permitiu o abate para controle populacional de javaporco, por se tratar de espécie exótica, mas a venda e a distribuição continuam proibidas. Entre 2019 e 2020, foram abatidos cerca de 100 mil animais e não há estimativa oficial da sua população no país.